28 agosto 2019

Vai um gin do Peter’s ?

DESCOBERTO O SEGREDO DO DESAPARECIMENTO SÚBITO DO ‘PRINCIPEZINHO’

Dez meses antes do fim da Segunda Guerra, o avião-correio de Antoine de Saint-Exupéry (AS-E) sumiu-se na noite, sem deixar rasto, ao cruzar os céus mediterrânicos! Nesse 31 de Julho de 1944, o francês pilotava um aparelho de fabrico americano, cumprindo a sua missão quase diária ao serviço da causa aliada. 

A estranheza do desaparecimento residia na falta de vestígios do próprio avião. De resto, aquelas travessias aéreas envolviam enorme risco e muitos sucumbiam, ora do lado aliado, ora nazi. De início, ainda se admitiu que tivesse aterrado no deserto magrebino e precisasse de ficar escondido até alcançar território seguro. Mas o silêncio prolongado tornou evidente o desfecho mais duro – Saint-Exupéry morrera! Durante 50 anos, pairou o mistério sobre as circunstâncias do seu desaparecimento repentino.
  
À data, o aviador já era famoso pela sua escrita, lida e apreciada muito para além das fronteiras gaulesas. «Vol de Nuit» ou «Terre des Hommes» eram títulos conhecidos no Ocidente, revelando a magia dos seus voos nocturnos. Cada viagem ao luar tornava-se, para Saint-Exupéry, fonte de inspiração inesgotável. Ainda assim, o livro mais célebre – «O PRINCIPEZINHO», com texto e ilustrações do autor – foi publicado uma semana antes da sua morte. 

Durante a Segunda Guerra, o francês chegou a passar temporadas em Lisboa, que lhe valeram linhas desencantadas e pessimistas, como lembrou há uma década o filme português «Fantasia Lusitana» [tema do gin de 19 de Maio de 2010]. Nos anos impiedosos de 1939 a 1944, Exupéry decepcionou-se profundamente com o rumo da História e horrorizou-se com a força avassaladora do mal. Seria invencível? Curiosamente, as viagens aéreas pela calada da noite reconciliavam-no, de novo, com a vida e suscitavam-lhe meditações magníficas, que depois registava, celebrando as nesgas de esperança descortinadas num mundo em destruição. No meio do maior perigo, esquecia os bombardeios e deixava-se guiar pelo coração para alcançar as estrelas.  


Exupéry orientava-se, assim, para a essência da realização pessoal, mergulhando naquele território íntimo e de escala mais humana: «Felicidade! É inútil buscá-la em qualquer outro lugar, que não seja no calor das relações humanas… Só um bom amigo pode levar-nos pela mão e libertar-nos.» Descobria na gratuitidade afectiva o melhor porto de abrigo, a maior potência regeneradora: «A verdadeira solidariedade começa onde não se espera nada em troca.» O segredo? Ver com o coração:



No esforço para vislumbrar pequenos oásis de Bem entre os escombros de uma humanidade enfurecida, AS-E acabou por nos deixar um legado de coragem e frescura cristalinas: «O que dá beleza ao deserto é ele esconder um poço, algures»; «Quando alguém está muito triste, o pôr do sol é revigorante»; «Deve pedir-se a cada pessoa o que está ao seu alcance realizar»; «É muito mais difícil julgar-se a si mesmo do que os outros. Se consegue julgar-se bem, é um verdadeiro sábio»; «Foi o tempo que passou com a sua rosa, que a tornou tão importante».


Em relação ao enigma do avião desaparecido, que mereceu uma curta-metragem da BBC: surgiu uma primeira pista com o aparecimento de uma pulseira de prata na rede de um pescador de Marselha. Tinha sido oferecida a Saint-Exupéry pelo editor nova-iorquino reconhecível pela morada ali inscrita para o francês não se perder em Manhattan, uma vez que não falava inglês. Nas redondezas da costa, descobriram-se os destroços do avião. Por último, chegou-se ao piloto nazi que o terá alvejado a 31 de Julho, desconhecendo estar a abater um escritor de que gostava! Se dúvidas houvesse sobre o horror que a guerra provoca…


Por junto, o embate constante com uma realidade infernal não ensombrou os escritos (maioritariamente) luminosos e tranquilos que Saint-Exupéry quis partilhar urbi et orbi. O aviador-poeta pôde testemunhar duplamente pela palavra e com a vida o horizonte fascinante que o olhar do coração acrescenta ao mundo visível. 


Felizmente, nem os bombardeamentos da Luftwaffe, nem as profundezas subaquáticas do Mediterrâneo conseguiram silenciar a voz do PRINCIPEZINHO.  

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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