19 janeiro 2021

Da rua da minha infância

 


Sou um revivalista. Talvez seja, no fundo, um pragmático - e um revivalista é, num certo sentido, um pragmático, porque se atém àquilo que existe - o passado - olhando menos para o que não se sabe se existe, isto é, o futuro. 

Por razões que não interessam, dei por mim, neste fim de semana, numa certa zona de S. Pedro do Estoril. Quando tentei orientar-me, já que ali vivi alguns anos enquanto jovem, percebi que estava a 500 metros da rua da minha infância, mais precisamente entre os 11 e os 16 anos - há 50 anos, mais ano menos ano. Naquele troço de rua desenvolvi dotes tardios de ciclista (descer uma rua e fazer uma curva sem mãos foi a minha proeza), ajudei a fabricar um carrinho de rolamentos que levava três rapazes, joguei futebol, saltei à fogueira e aprendi as delícias das batatas assadas na brasa. No fim da rua - a minha casa era a penúltima - no descampado onde agora são os Jardins da Parede, fumei e beijei clandestinamente.

Passado meio século nada tem a mesma dimensão - e normalmente tudo é mais pequeno. Curiosamente - e não ia àquela rua há mais de 45 anos - as casas têm a mesma dimensão face ao que era a minha memória. Algumas estão retocadas, outras pintadas de outra cor, uma ou outra meia abandonada. O que me surpreendeu foi o tamanho da rua, que está muito mais pequena. 50 anos afectaram a minha visão da estrada, não das casas.

Já aqui postei o título deste livro - e foi por causa do título que o li. Parte substantiva do meu mundo é aquela rua da minha infância. Ali fui imensamente feliz: vivi na rua, ganhei amigos novos, tive sentimentos de pertença a um grupo, namorei e alarguei horizontes. Tenho memórias frescas: nomes completos, cheiros, ambientes, vozes, hábitos. 

Nos 5 minutos em que deambulei por aquele troço de 6 ou 7 casas da minha infância cruzei-me com um homem que, dizem-me no momento, era o irmão do meio de uns vizinhos com quem convivi. Hesitei se o cumprimentaria; não o fiz porque temi ser detentor de um revivalismo deslocado e não recíproco. Afinal, há gente que encontra mais encanto em olhar para o futuro imaginado do que para o passado vivido.

JdB

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