POEMA ESCREVINHADO SOBRE PAPEL PARDO CHEGOU AO EVERESTE
Começara agreste e perigosa a década de 30 do séc. XX. E evoluiu num crescendo de agressividade e abusos de poder até culminar na Segunda Guerra Mundial. Em 1932, nos EUA, multidões sofriam a extrema pobreza provocada pela Grande Depressão; em Itália, Mussolini impunha uma ditadura beligerante; na Alemanha, o Partido nazi ganhava as eleições com uma maioria tangencial, mas suficiente para Hitler tomar o poder, que só deixaria no fim de Abril de 1945, por suicídio, para não assistir à conquista de Berlim pelo exército do arquirrival Estaline.
Nesse início de década, na cidade portuária de Baltimore, um jovem casal acolhera uma judia alemã de 22 anos – Margaret Schwarzkopf – que fugira para não ser presa, deixando a mãe doente. Impedida de a visitar, por motivos políticos e étnicos, a alemã ficou dilacerada ao receber a notícia da sua morte. Martirizava-a não ter, sequer, conseguido despedir-se: «stand by my mother’s grave and shed a tear», como explicou à senhora da casa, Mary Elizabeth Frye (MEF), de 28 anos. Esta, que era órfã desde os 3 anos, sentira-se solidária com aquela perda. Para consolar Margaret, escrevinhou-lhe um poema num saco de papel pardo que tinha à mão, possivelmente dos que usaria para embrulhar os ramos na sua loja de flores.
Logo na altura, o bom efeito do poema sobre a alemã foi conhecido por muitos, em Baltimore, pelo que a americana circulou cópias manuscritas por inúmeras pessoas, pensando que terminava ali a história de «DO NOT STAND AT MY GRAVE AND WEEP», escrito de um jacto, como contou anos depois. Assim, MEF seguiu uma vida de mãe de família e gestora de um pequeno negócio com as flores que cultivava.
Porém, décadas mais tarde, apercebeu-se da prodigiosa disseminação da sua mensagem de 1932, que galgara fronteiras para consolar os que perdiam os mais próximos. O horizonte invulgarmente positivo que a composição tivera a coragem de rasgar, na hora de maior escuridão e dor, continuava a oferecer um sopro de esperança e de sentido à violência anti-natura da perda humana mais derradeira, aos nossos olhos. O segredo residiria na frescura poética e deliciosamente ecológica (na nomenclatura actual) com que anunciava uma vida para lá do aguilhão da morte. Ousou (e ousa) mesmo lançar-se, com incrível confiança, num movimento de renovação e ressurreição, que suscitou afinidades, até em latitudes longínquas, de culturas e credos muito diversos.
Nos anos 70, Hollywood já adoptara a composição. John Wayne leu-o nas exéquias do realizador Howard Hawks, a 29 de Dezembro de 1977, referindo ter «autoria desconhecida». John Carpenter, que participara no mesmo funeral, citou-o na série que realizou para a televisão: «Better late than never» (1979). Gradualmente, o poema consagrava-se leitura assídua nas exéquias.
Em 1995, foi a oração escolhida pelo pai de um soldado vítima de um atentado à bomba, na Irlanda do Norte, para ecoar por todo o Reino Unido aos microfones da BBC. Dera com o texto num envelope endereçado pelo filho a: «To all my loved ones».
Em 1996, já era eleito o poema preferido dos britânicos, numa sondagem conduzida pela BBC, embora o resultado escapasse aos cânones, por se desconhecer a proveniência.
Depois de se ter disseminado pelo Ocidente, como um rastilho, cruzou o Pacífico e chegou aos contrafortes dos Himalayas, onde está gravado nas pedras do Memorial do Evereste (de Chukpi Lhara, no Vale do Khumbu), junto ao Campo Base do pico mais alto do um mundo. Ali permanecem as primeiras quatro linhas de «Do Not Stand at My Grave» em homenagem a quantos pereceram em escaladas e trekkings na célebre Cordilheira. A 5182m de altitude – já em plena «zona de morte» – a força de uma mensagem que confia numa existência post mortem, adquire um alcance especial. De facto, experimentei naquelas paragens a misteriosa sensação de estar mais perto do céu, sob múltiplos aspectos, para além do óbvio.
Campo Base do Evereste |
Do Not Stand At My Grave And Weep
I am not there; I do not sleep.
I am a thousand winds that blow,
I am the diamond glints on snow,
I am the sun on ripened grain,
I am the gentle autumn rain.
When you awaken in the morning's hush
I am the swift uplifting rush
Of quiet birds in circled flight.
I am the soft stars that shine at night.
Do not stand at my grave and cry,
I am not there; I did not die.
Mary Elizabeth Frye (MEF)
Nos anos 90, MEF resolveu assumir publicamente a autoria daquelas linhas. A confusão instalou-se, porque outros também reclamavam a propriedade. Coube à prestigiada colunista norte-americana Abigail Van Buren investigar o caso e confirmar, em 1998, na sua coluna «Dear Abby», que a cultivadora de flores era a autora do poema já de escala interplanetária.
Mary Elizabeth Frye (1905-2004). |
Em 2004, o periódico «The Times» declarava que: «The verse demonstrated a remarkable power to soothe loss. It became popular, crossing national boundaries for use on bereavement cards and at funerals regardless of race, religion or social status».
Até versões musicadas mereceu, aqui nas vozes do coro infantil britânico LIBERA:
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