04 janeiro 2021

Dos hábitos

Derivado à pandemia e ao recolher obrigatório assisti à missa, durante algumas semanas, no auditório da minha paróquia. Como o nome indica, é um espaço concebido para conferências, para sessões musicais, para teatro. Não foi concebido para um cerimónia religiosa, pese embora a dignidade com que é realizada. Como diria o Alfredo Marceneiro quando entrou num sítio de que não me lembro (ou num palacete ou num estúdio de gravação) não gosto do recinto. Isso não me impede de olhar em volta e observar.

Vou à mesma missa (hora e local) há mais de 40 anos. Hoje, neste preciso instante em que escrevo este texto, poderia haver algumas dezenas de pessoas a afirmarem o mesmo - mais especificamente, que vão à mesma missa que eu há mais de 40 anos. Significa isto que há pessoas que vejo nesta missa específica há muitos anos, outras há menos tempo. O que têm em comum, para além da condição de católicos? O facto de se sentarem no mesmo lugar. Isto é de tal maneira óbvio que, se me disserem que me conhecem da "minha" missa, eu pergunto imediatamente: onde se costuma sentar? Este hábito não se adquire com anos: no auditório as pessoas sentam-se no mesmo lugar onde se sentaram na semana anterior, quando lá foram pela primeira vez.

Há uns anos chamaram-me a atenção para este hábito. Sim, sou um homem dado a rotinas, a constâncias, a regularidades, e isto era visto como algo menos positivo. Ora, percebi que sou eu e mais umas dezenas de pessoas - só para falar num microcosmos. O que significa isto? Há algo de geracional nesta atitude? A rotina implica uma repetição de práticas: sentar no mesmo sítio, comer às mesmas horas, repetir refeições ou vestuário. Há, num certo sentido, algo de estável ou de permanente que não é consentâneo com a efemeridade dos dias de hoje em que a novidade é privilegiada e o transitório é visto com bons olhos (ou pelo menos sem um olhar crítico).

Repetir uma tarefa é aproximarmos o que somos de uma máquina: rasgamos o pacote de açúcar da mesma forma, mexemos o café no mesmo sentido, fazemos bacalhau com broa segundo a mesma receita. Repetimos porque funciona bem, e a repetição torna-se quase inconsciente. A rotina dá-nos segurança porque elimina o imprevisto. Falar de rotinas ou de hábitos é falar de coisas totalmente diferentes? Se há pontos de intersecção, que imprevisto há num banco de Igreja ou num auditório transformado temporariamente numa igreja?  

JdB

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