29 janeiro 2021

Dos cenários de fundo

Alcácer do Sal, Janeiro 2021

O mundo da pandemia vive das videochamadas / teleconferências em directo. Nas minhas funções de voluntárias internacionais não fujo a essa regra: nos últimos 10 meses instalei 5 aplicações semelhantes: BlueJeans, Zoom, Teams, Cisco Webex Systems, GoToMeeting; para além do Skype e do FaceTime, é claro. Por vezes confundo aplicações, não me lembro das passwords nem da mecânica de funcionamento. 

Não obstante o fascínio destas aplicações, não é isso que me traz aqui, mas algo de que já aqui falei: o que está por trás dos meus interlocutores ou dos meus colegas de reunião. Em Portugal, não há ninguém que fale em videochamada para um canal de televisão que não tenha livros por trás. Mais do que uma opção estética ou decorativa, parece ser uma espécie de novo-riquismo intelectual; afinal, a existência de um renque de livros é demonstração de pertença a uma clique instruída.

Voltei às aulas de doutoramento, porque passaram a ser não presenciais, o que me permite "assistir". Na aula de 3ª feira, 34 alunos, talvez. Uma colega, rapariga próxima da minha idade, com uma estante por trás; todos os outros, juventude académica, com um bocado de janela, uma parede vazia, uma viga ou um poster.

Tenho reuniões com estrangeiros: médicos, profissionais de ONG's, voluntários, pais. Estão em casa, em escritórios, em gabinetes médicos, talvez. Estão em Beirute, em Inglaterra, nas Filipinas ou na Malásia, no Chile ou na Áustria. Ninguém tem um livro: ou não leem, ou não mostram, porque o livro é, par estas pessoas, o que um tacho é para nós: uma utilidade que proporciona momentos de satisfação. O fundo mais interessante que vi? Uma carteira de senhora pendurada num cabide de parede. A mais absoluta ausência de estética decorativa, numa pessoa cuja vida é tratar de crianças com cancro.

JdB

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