No espaço de um ano, mais coisa menos coisa - e contrariando uma estatística com alguma dimensão - chegam-me aos ouvidos casos de crianças com cancro: a filha de uma pessoa que me é próxima, o filho de uma amiga de uma sobrinha, a neta de alguém que é amiga de alguém, o filho de alguém que arranja as unhas de alguém. Falo com pais, com mães, com avós, como gente que conhece gente. As pessoas falam comigo primeiro, por causa da Acreditar, por causa de mim, por causa do que sou ou do que fiz, do que não sou ou não fiz.
Conversar com estas mães, pais, avós, madrastas é conhecer um mundo enriquecedor de gente que não desiste, mesmo quando os hospitais lhes dizem para desistir. Gente que luta, que atira filhas ao ar para espantar a doença, que faz carrinhos com alguidares, que reza terços, que se confia a Deus ou a uma medicina alternativa, que toca a vida dos outros. Ninguém faz um melhor trabalho do que o outro. Quem faz carrinhos de alguidares é tão forte como quem reza; quem procura medicina alternativa ou que se entrega aos desespero de uma garrafa de vinho pela calada da noite é tão forte como os que riem enquanto afastam a dor, ou que riem para afastar a dor. Todos fazem o melhor que lhes é permitido face à agrura de um diagnóstico. Todos dão o que têm e o que não têm: choro, dinheiro, esperança, uma mão que se estende a quem está pior, fé, desespero, raiva, tristeza, confiança ou dúvida.
Viver esta vida, estar em contacto com estes dramas não é acto de heroísmo nem de auto-flagelação, mas um momento de aprendizagem, de confirmação do que sabemos ou intuímos: é na diversidade que vivemos, e é na certeza de que o pai que se entrega ao vinho tem tanto amor como a mãe que se atira ao seu semelhante. Fazem o que podem e sabem, e fazem e sabem muito mais do que se deseja a alguém que tem uma criança pequena diagnosticada com cancro.
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Nasceste hoje, mas há 27 anos.
JdB, em nome de todos os que tem lembram
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