27 julho 2021

Textos doas dias que correm

Não faço nada, logo existo

Há nas férias uma dimensão que infelizmente é negada e contradita, apesar das intenções declaradas de quem parte, distancia-se no quotidiano e empreende a viagem para férias, sobretudo quando se pensa que estas contêm em si a ideia de “não fazer nada”.

Que significa “não fazer nada”? Significa dar-se tempo para não fazer aquilo que os outros fazem: tomar banho, dar um passeio... “Não fazer nada” significa sentir que se existe, sentir que se está vivo, e por isso fruir do estar no mundo, saborear o instante.

Durante todo o ano age-se, faz-se, mas pode também “não fazer nada”, coisa mais fácil de dizer do que viver. Há homens e mulheres que nunca conseguem “não fazer nada”, porque a ação alimenta-os; nunca têm tempo para “não fazer nada”, porque temos sempre o que fazer, e assim, aos poucos, tornamo-nos incapazes de parar de fazer.

Sim, há pessoas que, chegadas às férias, pensam imediatamente em esvaziar as malas, pôr tudo em ordem, fazer programas, estabelecer o que fazer de manhã, à tarde, à noite... E, só querendo, encontram muitas coisas para fazer, exceto parar e “não fazer nada”.

“Não fazer nada” angustia-nos, fazer muitas coisas tranquiliza-nos. Faço, logo vivo, e quando me apresento aos outros digo aquilo que faço; se nada faço, não sei que dizer de mim, e depois sou tomado pelo aborrecimento, pela irritação.

Todavia, parar e “não fazer nada”, de maneira consciente, significa sentir-se como uma árvore, uma pedra, uma cigarra estendida sobre um ramo, uma nuvem no céu. “Não fazer nada” torna-se um laço, uma comunhão com o que está à minha volta.

E sinto que vivo, tranquilamente, sinto-me contente por nada e por tudo o que existe. E compreendo que passo dias e dias sem me sentir viver, sem estar consciente que existo e que é belo viver: não sou uma máquina que produz. Arte para o “não fazer nada”, mas também para viver e tornar-se sábio.

As férias podem ser uma graça: um tempo “outro”, mas também uma pausa fecunda para viver, sentir, fazer de outra maneira. Sobretudo se alguém sabe lutar e resistir à pressa, à necessidade de sentir-se sempre ocupado, pode encontrar momentos para se colocar as grandes perguntas, essas que nascem do silêncio e da solidão.

Não são perguntas estranhas a nós próprios, mas perguntas que nos habitam em profundidade, e todavia impedidas de brotar no nosso quotidiano tão comprometido e repleto de relações: “Que significa a minha vida? E a minha morte que está diante de mim, o que é para mim? E os outros que amo e que me amam, como posso continuar a torná-los presença viva e relação fecunda ao longo do passar dos dias?».

Para alguns será também possível colocar-se as perguntas sobre a fronteira entre o visível e invisível, o terrestre e o espiritual, o hoje e o pós-morte. A vida interior de cada um de nós, antes de ser uma busca de respostas à consciência moral que nos adverte, é feita destas perguntas. A elas podemos responder ou não responder, permanecendo no espanto ou no enigma.

Certamente seria extraordinário ter alguém ao lado, um amigo, uma amiga, um confidente com quem falar, nas férias, livremente, num confronto, num intercâmbio que seria muito mais do que uma informação e uma consolação.

Confesso que para mim as férias, quando posso fazê-las, são sempre preparadas com espaços de solidão para pensar e tempos de partilha com os amigos para escutar e praticar a grande arte da conversa hospitaleira. Se assim não fosse não seriam verdadeiras férias.


Enzo Bianchi
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 26.07.2021

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