01 julho 2021

Das armas e da burocracia

 Tendo trabalhado 20 anos numa fábrica gosto de olhar para os processos, em sentido geral: o que provoca uma fila num balcão, como é que numa linha de montagem as coisas poderia fazer-se de forma diferente, o que são os gargalos (bottleneck será pretensioso?) que entopem o fluxo normal de uma cadência.

Fruto de uma campanha que se vai repetindo, fui a uma esquadra da PSP entregar 3 pistolas. Liguei previamente para saber como se processava a entrega e ouvi um remoque, porque a campanha já decorria há 4 meses e eu telefonara a 3 dias do fim. Pensei que poderia discutir com o agente o conceito de prazo, mas talvez não fizesse sentido. Marcados dia e hora, dirigi-me ao local. Entre entrar e sair decorreram 70 minutos, isto é, uma hora e dez minutos. Eu conto:

1) o agente olha para a as armas e pergunta de quem eram. Sendo de pessoa falecida, inquire pela certidão de óbito e concordância de todos os herdeiros. Solicita documentos que poderiam ter sido solicitados aquando da marcação.

2) Não havendo todos os documentos (ou mesmo havendo, sei lá eu...) investiga com uma lupa a arma, debate o tamanho e equivalência das munições com o chefe, procura registos em várias plataformas da PSP. Não havendo registos tudo se torna mais simples: uma certidão de óbito apenas (as armas pertenciam a 2 proprietários, passaram a pertencer apenas a um) e uma procuração de plenos poderes onde não se fala de armas resolvem o buraco legal.

3) Armado de uma régua e da mesma lupa, faz medições várias - ao cano, às munições, talvez à coronha - introduzindo tudo num computador. 

4) Pede-me o cartão de cidadão - de que tira uma cópia - e introduz as informações relevantes. A seguir dá-me 3 impressos (um por cada arma) onde eu introduzo as mesmas informações relevantes. 

5) Por último dá-me a participação a ler e a assinar. Informa-me que as armas passarão por uma guilhotina e depois serão fundidas no Porto. Quis perguntar-lhe se tudo era para destruir por que razão mede o cano, mas talvez não fizesse sentido. 

São todos simpáticos. Falamos de armas (o agente escreveu mal o nome Smith & Wesson) e o chefe diz mal da Walther, porque nos comandos, onde ele andou, o armeiro pregava pregos com a coronha. Quis perguntar-lhe se a bestialidade não estaria no armeiro, mas talvez não fizesse sentido. É tudo gente simpática, de facto.

70 minutos de burocracia, de mails que demoram a entrar porque a esquadra está rodeada de prédios altos, de papéis que se preenchem em duplicado com informação talvez inútil. Entreguei 3 armas. Lá em cima, onde está o dono de apenas uma, me perguntarão: como assim, passei a ficar dono de pistolas que não eram minhas? Lá em cima, onde está a dona das outras duas, me perguntarão: o que fez às minhas pistolas? Uma guilhotina, uma fundição e tudo desaparece, como na gueena do fogo eterno.

JdB

   

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