Revi ontem Cinema Paraíso. Cruzei-me com o filme por puro acaso, nas minhas deambulações vagas de fim de noite, quando procuro algo que me distraia e que não requeira atenção: uma receita de cozinha inesperada, um fim de filme, alguém que recita uns versos ou lê um trecho de um romance. É a minha hora dos excertos, dos fragmentos, dos bocados de coisas. Tenho sempre a esperança de encontrar algo luminoso, ou vence-me o desejo de não adormecer com nada triste, muito pelo contrário: um adeus redentor, um beijo apaixonado, um fim feliz apesar das possíveis dores da alma ou das feridas do corpo.
Num certo sentido, Cinema Paraíso é um filme sobre o regresso a casa, seja do ponto de vista geográfico, seja do ponto de vista afectivo. E é, ainda, um filme que contraria a ideia de que não devemos regressar aos sítios onde fomos felizes. Talvez Salvatore - o Tótó - tenha voltado ao único sítio onde foi feliz, embora de lá tenha fugido para se realizar no cinema, sem nunca mais ter visto Elena, a sua namorada da altura.
Numa cena cortada do filme, Salvatore e Elena reencontram-se e beijam-se na terra onde se viram pela última vez 30 anos antes. Uma série de desencontros tinha-os afastado irremediavelmente. Felizmente não incluíram essa cena no filme que todos vimos, pois o filme tornar-se-ia demasiado feliz, demasiado previsível. Há uma certa nostalgia triste nos olhos de Salvatore a olhar para o passado, para a sua casa afectiva. Talvez haja um destino que não se tenha cumprido, porque a vida é mesmo assim. Também tenho horas assim: excertos, fragmentos, bocados de coisas, vidas inacabadas, nostalgias.
JdB
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