04 janeiro 2022

Moleskine desinteressante

 Como já tive oportunidade de escrever neste estabelecimento, dentro de mim há um optimista acanhado; tão acanhado que quase nunca surge, cedendo o palco ao pessimista que me habita há mais de seis décadas. Ao contrário de todos os comentadores da televisão, sorridentes e confiantes com um renque de livros por trás, não acredito na redenção da humanidade; acredito, isso sim, que o virus suspendeu o pior que nos habita, sendo que a suspensão dura o tempo que medeia o grito há virus e o grito há vacina. Vi gente assim: vítimas de uma doença grave tornam-se melhores; logo que se curam voltam ao mesmo...

Escrevi o parágrafo acima, parte de um texto maior,  em Julho de 2020. Detesto esta ideia de ser um pessimista com razão: em dois anos de pandemia não me parece que o mundo tenha mudado para melhor. Não me parece que consigamos ver um módico de melhoria no país ou no mundo: há pobreza, desemprego, casais em dificuldades devido a excesso de proximidade, falências sem perspectivas de solução, vidas suspensas, descrença adicional na classe política, problemas de saúde graves nas áreas não-COVID. A pandemia não trouxe nada de bom, a não ser uma certa ideia de colaboração entre cientistas. Somos o que sempre fomos, o que significa que é preciso mais do que uma pandemia para nos mudar.

***

Vejo um filme ao fim da tarde. Numa mesa onde convivem amigas, fala-se de uma delas que acabou uma relação com o namorado. Uma delas diz: largaste fulano? Mas ele é tão bonito... Confesso a minha ligeira irritação pela ideia da beleza interior, como se fosse o único critério para gerar ou manter um encantamento, mas também me cansa esta obsessão pela beleza física das pessoas, pela magreza das pessoas, pelo sucesso das pessoas. Deixar um gordo ou uma gorda é mais aceitável ou recomendável do que deixar uma pessoa muito bonita? 

Volto ao filme. O diálogo que se segue no convívio de amigas centra-se na beleza do rapaz abandonado. Em momento algum se refere o interesse, a cultura, o divertimento, a boa formação da pessoa. Vivemos tempos ligeiros, superficiais, de consumo rápido, um pouco como se o corpo (e não os olhos) é que fosse o espelho da alma.

JdB

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