Um destes dias, uma esplanada da zona, um fim de tarde ameno e uma companhia aprazível. Ao meu lado, em mesa demasiado próxima, duas pessoas conversam sem preocupações de sigilo ou pudor. É impossível não escutar o que dizem, o que respondem. Talvez mesmo o que pensam, se bem que não tenha a certeza.
Fulano (ou seria fulana?) diz para beltrano (entre parênteses igual ao prévio): sabes, juntamente com este e aquele (ou esta e aquela) és a pessoa que conheço que vive com maior serenidade. Nada parece afectar-te muito. Beltrano percebe-se que sorri, encolhe ligeiramente os ombros e balbucia o que parecem ser modéstias e fórmulas não testadas cientificamente. Mas o tema está lançado: a serenidade.
Agarremos cinco palavras que no fundo são quatro: serenidade, desgostos, inquietação, vidas fagueiras. Busquemos os livros de matemática e falemos de cálculo combinatório: arranjos, permutações e combinações. Encontramos tudo, quase como se tendesse para infinito: gente com desgostos e inquieta, gente com desgostos e serena, gente fagueira assim e assado. O que distingue uns dos outros? Agarremos nas vidas difíceis: o que está por trás dos que serenam e o que está por trás dos que se inquietam? É o trabalho feito interiormente - a fé, a confiança, a escuta própria e dos outros - ou a ausência disto ou de coisas semelhantes? Podemos falar, como dizia o interlocutor da mesa do lado, de uma química interior? Quem não consegue e se queda numa inquietação permanente tem falta de jeito, de vontade - ou falta-lhe uma química interior, uma enzima, um metal, um ião positivo?
Falar no trabalho interior (e encurto propositadamente) é condecorar o agente, apondo por baixo da medalha: por ter-se excedido no cumprimento do dever. Um excedeu-se, e serenou, o outro não o conseguiu e vive em sobressalto. E se é uma enzima (encurto e etc.)? Se é um gás raro que habita uns e não outros? Juntamos uma injustiça à injustiça da vida? O que distingue, na realidade, uns e outros? Há pessoas virtualmente incapazes - sem recurso a medicamentos - de atingirem a serenidade? É o feitio?
Ainda quis ouvir a conclusão da mesa ao lado mas já não consegui, que a conversa mudou para o sporting, talvez. Ou seria a escola dos miúdos?
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Ontem, por motivos que se prendem com o dia de hoje, surgiu a expressão nostalgia em aniversariar. Se acreditarmos que, como dizia Vitor Hugo, nostalgia é a felicidade de estar triste, vou ter de pensar se a frase acima é verdade.
No final de Agosto de 2008, depois de uma noite memorável no Pointe (Harare, Zimbabwe) para uma sessão de Karaoke, escrevi: a alegria pode ser um túnel todo iluminado. É injusto que se veja ao longe um brilho que se extinguiu, como se algo nos dissesse que todo o gozo tem uma sombra de nostalgia. Talvez haja aqui um pouco de resposta, sei lá eu...
JdB
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* Publicado originalmente a 30 de Outubro de 2014. Retirei o último parágrafo por ser datado e não fazer sentido nesta re-publicação.
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