04 outubro 2022

Crónicas de um participante de congresso internacional (III)

 Parte desta crónica tem um tom vagamente elitista. Talvez eu tenha sido afectado por um excesso de cansaço aquando do momento que suscita esta primeira parte.

À minha mesa num jantar restrito estão pessoas com formação universitária: vários médicos, uma arquitecta, uma bióloga. São pessoas urbanas, com um certo mundo. A mesa está posta com algum requinte: guardanapos de pano, copos diversos, menu impresso, prato do pão. 

Olho à volta e os meus comensais tiram o pão indiscriminadamente, sendo que a maioria dos que come pão o tira do lado que está à sua direita. A uma dada altura alguém reclama - ou apenas levanta uma interrogação - e eu explico (foi o cansaço que me levou à explicação, não a genica educativa): "o prato do pão está sempre à esquerda, porque os copos estão sempre à direita." E acrescento: "o protocolo tem sempre por trás uma razão lógica". As pessoas acham graça e há alguém que diz: "mas se tirarmos todos do mesmo lado - mesmo que seja do lado direito - então está tudo bem." O meu cansaço aumenta: "Não. O lado do prato do pão não é opcional; já o guardanapo fica do lado direito ou do lado esquerdo, consoante uma tradição francesa ou inglesa." Os meus colegas riem-se, e dizem que é por isso que eu sou presidente de uma organização mundial. 

Não há aqui elitismo, mas um olhar sociológico. Será que as pessoas, apesar de urbanas, sabem o que é um prato do pão, a etiqueta, o protocolo, as razões por trás das coisas serem feitas assim ou assado? E saberão que estas coisas também são importantes, para não cairmos numa certa cafrealização?  

***

Quando comecei nestas andanças internacionais cruzava-me com um israelita. Perguntei-lhe um dia: "não comes porco?" E ele respondeu: "claro que como!".  Agora tenho um colega sul-africano que é judeu. Percebi isso quando o convidei para um webinar a um sábado e ele recusou, dizendo que a religião dele não permitia. Voltei a perceber quando ele disse que chegaria mais tarde a esta conferência internacional por causa do ano novo judeu.

Sábado, no final de uma sessão, o meu colega quer fazer uma pergunta. Sugerem-lhe que se aproxime do microfone mas alguém diz que ele não pode, por causa da religião. Fui tentar perceber o que tinha o microfone a ver com o ser judeu. A resposta foi simples: é sábado, e os judeus não podem fazer nada que se assemelhe a trabalho; ora, aproximar-se de um microfone e fazer uma pergunta é considerado trabalho. Fazer em voz alta não é. Estamos sempre a aprender qualquer coisa.

JdB 

1 comentário:

Anónimo disse...

1o. Sempre houve, há e haverá protocolos: regras criadas por uma sociedade. E que não são perigosas para esta.
2o. Todas as religiões cultivam patetices se forem deixadas aos humanos.

Abraço

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