27 setembro 2023

Vai um gin do Peter’s ?

DE ACIDENTE EM ACIDENTE… ATÉ À VITÓRIA FINAL 

No final de Maio de 2013, um pescador nigeriano Harrison Okene deu que falar por ter sobrevivido 2 dias e meio enclausurado na casa-de-banho do barco rebocador onde era cozinheiro. Naquela madrugada do dia 26, ainda não se vestira para preparar o pequeno-almoço, quando uma onda violenta virou o barco e afundou-o em segundos. Estava na casa-de-banho, em boxers. Com muito sentido prático, fazendo jus ao facto de ser o mais novo de 13 irmãos, aquele cozinheiro de 29 anos teve enorme destreza para forçar a porta do pequeno cubículo onde ficara encravado e nadar para outro menos apanhado pela água. Aliás, descobrir um compartimento menos submerso pela água foi o primeiro mistério deste incidente, a que Harrison nunca chama de ‘desastre’, pois a sequência de acontecimentos únicos fê-lo ver tudo noutra perspectiva, incrivelmente positiva. 

Depois do vai-e-vem inicial dentro do rebocador afundado a 30 metros de profundidade, Okene acabou por se resguardar num compartimento só meio repleto de água, onde conseguiu uma bolha de ar salvadora. E ainda descobriu uns enlatados e uma coca-cola. Mas rapidamente os víveres esgotaram-se. Tentou disfarçar a sede feroz bebendo a água do Atlântico, só que a boca gretou-lhe e a garganta ficou ainda mais ressequida.

À escuridão subaquática juntou-se a solidão, pois apercebera-se que parte da tripulação fora logo expelida do barco. Aliás, ouvia distintamente os peixes no exterior a devorarem os cadáveres dos companheiros, quais abutres marítimos. Um pesadelo! Mesmo ele ficou à mercê dos lagostins, que o iam mordiscando.   

Novamente, com sentido prático, Harrison reconheceu que o pior inimigo era o medo, que o perderia ainda antes de o corpo sucumbir às profundezas marinhas, pois tornara-se evidente que estava totalmente impotente e bem para lá do limiar de sobrevivência, segundo os padrões humanos. Por isso, procurou focar-se nalgo positivo para passar o tempo e abstrair da sua circunstância assustadora. Restava-lhe esperar, ir respirando e não ceder ao pânico. Os cânticos que aprendera na Igreja foram a sua principal companhia, cantando e rezando para implorar a Jesus que o salvasse. E o imprevisto aconteceu…

…Após 60 horas de clausura no fundo do oceano, ouviu movimentações no exterior e o martelar de alguém na parede do barco, ao que retorquiu, depois nadando ao encontro do foco de luz que entreviu naquelas trevas. Atraído pelo frontal de um mergulhador da equipa incumbida de tentar resgatar a embarcação naufragada, assustou o seu salvador, que já não contava encontrar sobreviventes. Com especial cuidado, a equipa muniu-o de uma máscara de oxigénio e de equipamento capaz, trazendo-o muito lentamente até à superfície, pois a subida dos vários patamares de profundidade marítima são uma operação delicada.

Fotogr. -  DCN Diving Group/Barcroft USA – captando o momento do resgate. 

Tudo resultou inacreditável neste incidente, inclusive a avaliação ao estado de saúde de Harrison, 3 dias depois de resgatado, com todos os valores anormalmente normais, quase assemelhando-se a Jonas, que também saiu ileso depois de 3 dias no ventre de uma baleia. 

Nenhum mergulhador profissional consegue entender o recorde de sobrevivência de 60 horas a 30 metros de profundidade, no oceano. A equipa de resgate é a primeira a reconhecer a excepcionalidade, referindo que parecia ter havido uma presença protectora, que lhe permitira a bolha de ar misteriosa, resistir à fome, à sede e à hipotermia. Harrison não hesita em atribuir o extraordinário happy end a Jesus, a quem rezou em contínuo: «I survived three days in a capsized boat on the ocean floor – praying in my air bubble», cantando a plenos pulmões o cântico «Father we cannot see you, but we can see your wonders». 

Okene com mergulhadores que o retiraram do fundo do Atlântico.

Quatro anos depois daquele naufrágio único, o carro que Harrison conduzia caiu da ponte e mergulhou directo no rio! Com destreza, saiu em dois tempos, mas teve de voltar ao carro para resgatar o amigo que continuara preso lá dentro. Já sãos e salvos, apresentaram-se ambos na esquadra mais próxima, para reportar o acidente. A polícia teve dificuldade em acreditar no que ouvia, pois pareciam demasiado bem para quem acabara de desabar de uma ponte. Limitaram-se a emitir uma ordem cívica e ecológica (q.b. típica deste tempo), instando-os a removerem o carro do rio, onde poluía as águas. Foi o segundo alerta na vida de Okene, que interpretou o novo incidente como um clamor para rever a sua vida, enfrentar os fantasmas do passado e dar um rumo mais estável à sua vida incerta. Voltou, então, aos mares tornando-se mergulhador profissional e constituiu família. 

Quando recua à sua experiência de clausura subaquática, assume quanto o estranho naufrágio lhe revolucionou a vida «in so many ways. The way I think, the way I see life. And, yes, improved my life actually. I know there is a God, and there is a God beside me. I know he has a great purpose for me. I always feel so comfortable and guide myself. I try not to offend anybody and I try to trust life, because when humans are close to death, that is when they understand … We are all one.» 

Já recuperado e de volta à vida (fotogr. Reuters).

Tantas vidas atribuladas e fantásticas, que confirmam como a realidade supera os nossos sonhos, indo muito além da nossa imaginação! Segundo aconselha Harrison Okene ao discorrer sobre o sentido dos acontecimentos: «Meaning comes from ‘the lives you touch’», sugerindo-nos a abraçar o presente. 

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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