28 dezembro 2023

Moleskine

O paredão do Estoril, visto este mês através de um telemóvel matutino

 Música de chacha ou conversa de elevador

É muito natural irritarmo-nos, ou não termos paciência, com a chamada conversa de chacha. Em que consiste este tipo de conversa? Em falar de banalidades, nomeadamente o tempo: os dias estão mais curtos, parece que vai chover, que maçada este vento, etc. O objectivo é eliminar um silêncio incomodativo, remetendo os interlocutores para o menor múltiplo comum do socialização: falar do tempo, já que nem toda a gente percebe de física quântica, do novo cinema turco ou da qualidade dos quadros do Chega. Podemos não saber quem é o melhor médio-ala do Sporting, mas todos peroramos sobre a meteorologia. 

Curiosamente, ninguém se incomoda com a chamada música de elevador ou de lobby de hotel. Em que consiste este tipo de música? Em algo instrumental, cuja presença não se nota (ou não se impõe) mas cujo desaparecimento súbito suscita um sobressalto: o que aconteceu à música? Qual o objectivo deste tipo de música? Eliminar um silêncio incomodativo, remetendo os ouvintes para algo não desagradável, relativamente à qual (a música) não se exige uma sabedoria ou uma informação mais técnica. Ninguém discorre sobre música de elevador, como ninguém discorre sobre o tempo.

Entre a conversa de chacha e a música de elevador há uma grande semelhança: ambas salvam os tempos modernos do silêncio. Em certas alturas ambas podiam não existir, para que o silêncio ganhasse algum destaque benfazejo.

***

 A isenção dos jornalistas

Não há nada de que os jornalistas se gabem mais do que da sua isenção. Poucos são os jornais ou canais de televisão que não apregoem a isenção e o respeito inviolável pela verdade. Ora, se isso pode ser verdade (em bom rigor não será) quando se fala de questões políticas, não o é, seguramente, quando se fala de trivialidades. Quando um jornalista diz, por exemplo, que se abateu uma tragédia sobre a aldeia x, está a reportar um facto ou a emitir uma opinião? Se usa a expressão tragédia então não me parece que haja isenção, porque está a emitir um juízo de valor sobre um acontecimento, ou série de acontecimentos. De igual forma, quando após uma chuva persistente em Novembro o jornalista informa que o bom tempo vai voltar na próxima semana, está a reportar um facto ou a emitir uma opinião? Quem decide o que é bom tempo na primeira quinzena de Dezembro?

JdB    

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