Um dia, a conversar sobre solidão, dizia-me alguém que tem uma companhia esporádica: sabes, sinto-me muitas vezes sozinha@. Nem sempre tenho com quem conversar. Respondi-lhe que sim, que percebia muito bem a situação, mas que, no caso desta pessoa, havia promessa de beijos, significando que havia a expectativa de chegar alguém.
A expressão promessa de beijos é uma expressão bonita. É um verso de um poema mais comprido intitulado Uma casa Portuguesa. Cito um excerto:
Quatro paredes caiadas Um cheirinho a alecrim Um cacho de uvas doiradas Duas rosas num jardim Um São José de azulejo Mais o Sol da primavera Uma promessa de beijos Dois braços à minha espera É uma casa portuguesa com certeza É com certeza uma casa portuguesa
O poema é singelo - há nele uma dimensão muito popular. O ponto que quero realçar é o encanto de dois versos num texto menos interessante. Uma promessa de beijos / dois braços à minha espera contam uma história. Na minha opinião não seria preciso muito mais nada.
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Tive um pensamento peregrino - e dei um salto quântico - e já falei disto neste estabelecimento.
No seu livro A Pesca à Linha - Algumas Memórias, António Alçada Baptista diz ter tido um extraordinário abalo quando soube, por um livro de António Ferro, que Salazar tinha no seu escritório o soneto de Plotin intitulado Le bonheur de ce monde:
Avoir une maison commode, propre et belle,
Un jardin tapissé d'espaliers odorants,
Des fruits, d'excellent vin, peu de train, peu d'enfants,
Posséder seule, sans bruit, une femme fidèle.
N'avoir dettes, amour, ni procès ni querelle,
Ni de partages à faire avec ses parents,
Régir tous ses desseins sur une juste modèle,
Se contenter de peu, n'espérer rien des gens.
Vivre avec franchise et sans ambition,
S'adonner sans scrupule à la devotion,
Dompter ses passions, les rendre obéissantes.
Conserver l'esprit libre et le jugement fort,
Dire son chapelet en cultivant ses entes,
C'est attendre chez-soi bien doucement la mort
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A tradução abaixo é minha, forçosamente imperfeita.
Ter uma casa cómoda, limpa e bonita,
Um jardim coberto de espaldeiras perfumadas,
Fruta, excelente vinho, algum ar, alguns filhos,
Ter sozinho, sem ruído, uma esposa fiel.
Não ter dívidas, amor, processos ou quezílias,
Não ter partilhas com parentes,
Gerir os propósitos de forma justa,
Contentar-se com pouco, nada esperar de ninguém.
Viver com franqueza e sem ambição,
Dedicar-se sem escrúpulos à devoção,
Dominar as paixões, torná-las obedientes.
Manter o espírito livre e o juízo forte,
Rezar o terço cultivando as raízes,
É esperar suavemente, em casa, a morte.
Qual a relação entre os dois versos de Uma Casa Portuguesa e o soneto que decorava o gabinete de Salazar? A simplicidade que conta uma história. O raciocínio não é óbvio (e sabe Deus se está correcto). A simplicidade de um propósito e a simplicidade de uma história. Talvez Salazar, apesar de tudo, tivesse trauteado a canção, fixando-se na promessa dos beijos e dos braços que o esperariam.
Naquele tempo, João disse a Jesus: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Jesus respondeu: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas pró um jumento e o lançassem ao mar. Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a; porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para a Geena, para esse fogo que não se apaga. E se o teu pé é para ti ocasião de escândalo, corta-o; porque é melhor entrar coxo na vida do que ter os dois pés e ser lançado na Geena. E se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo, deita-o fora; porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga».
quando eu morrer murmura esta canção que escrevo para ti. quando eu morrer fica junto de mim, não queiras ver as aves pardas do anoitecer a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão, põe os olhos nos meus se puder ser, se inda neles a luz esmorecer, e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer, sempre a doer de tanta perfeição que ao deixar de bater-me o coração fique por nós o teu inda a bater, quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
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Quanto Morre um Homem
Quando eu um dia decisivamente voltar a face daquelas coisas que só de perfil contemplei quem procurará nelas as linhas do teu rosto? Quem dará o teu nome a todas as ruas que encontrar no coração e na cidade? Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem no brilho de olhos lavados nas quatro estações? Quando toda a alegria for clandestina alguém te dobrará em cada esquina?
Partiu do Papa da Primeira Guerra Mundial, Bento XV, a ideia de recorrer à intercessão das crianças para implorar pela paz. Assim lhes confiava a missão mais premente naquela época de enorme aflição em toda a Europa e noutras partes do mundo, devastados por uma guerra cruenta, que parecia interminável. A 30 de Julho de 1916, um grupo vasto de crianças rezou com o Sumo Pontífice, no Vaticano, pedindo a paz universal, pois já só o clamor dos mais novos poderia mudar o mundo louco dos adultos. Para se perceber a consternação do Papa e também o seu vanguardismo, é bom lembrar que só uma década depois se reconhecia a santidade de Teresinha do Menino Jesus, precursora da infância espiritual e do valor incalculável dos simples e igualmente dos gestos insignificantes do dia-a-dia.
A sequência de eventos após o encontro das crianças na Santa Sé foi curiosa: ano e meio depois (NOV.1918), a Grande Guerra terminava com o armistício assinado pelas forças beligerantes. Volvido um ano, a Rússia dos Czares abandonava o conflito ajudando a reduzir o nível de beligerância, embora se encapsulasse numa guerra civil sanguinária, de onde saiu vitoriosa a facção mais extremista e violenta dos bolcheviques, capitaneados por um déspota cruel – Lenine.
Logo em 1917, alertando para a urgência de pedir pela paz e para os riscos que continuavam a pender sobre o futuro tão incerto da humanidade, outrem replicava a ideia do Papa e incumbia três imberbes pobres de rezar pelo fim da Guerra. Tornaram-se nos videntes mais novos da história, respectivamente com 7, 8 e 10 anos. Em boa verdade, as Aparições marianas aos três Pastorinhos em Fátima, tinham sido precedidas e preparadas pelo Anjo de Portugal, ao longo do ano de 1916, em simultâneo com a cadeia de oração infantil lançada pelo Papa.
Na Mensagem de Fátima transmitida por Lúcia, a Pastorinha mais velha: «Nestes tempos em que vivemos, a Santíssima Virgem deu ao Rosário uma nova eficácia. Portanto, não há um único problema, por mais sério que seja, que não possamos resolver rezando o Rosário»
Todos estes passos foram deixando rasto, pelo que no ano 2000 nasceu uma primeira iniciativa de terço conduzido pelas crianças e rezado com o Papa João Paulo II, na visita pontifícia ao Santuário de Fátima, nos dias 12 e 13 de Maio. Mais tarde, na capital venezuelana, um grupo de crianças juntou-se para rezar o terço e inspirou um grupo de mães a levar a iniciativa a todos os pontos do globo. Assim surgiu a campanha «Um milhão de crianças rezam o Terço pela Paz» (https://acninternational.org/millionchildrenpraying/pt-pt/), sob a coordenação internacional da AIS (Ajuda à Igreja que Sofre) e fixou-se o dia 18 de Outubro para o terço universal dos pequeninos, com a simultaneidade possível entre os diferentes países. Em Portugal, o terço será transmitido a partir da Capelinha das Aparições, às 18h30.
Lema deste ano: "Reze o Rosário e haverá paz"
«Um milhão de crianças rezam o Terço pela Paz»
Outra voz famosa do século XX tinha já bramado aos quatro ventos que «Quando um milhão de crianças rezarem o Terço, o mundo mudará» (P. Pio). Promessa audaciosa, repetida por João Paulo II, pela Madre Teresa e por várias outras figuras de referência na fé.
Basta ir a um hospital, a uma prisão ou a algum lado onde se sofre para testemunhar quanto a oração simplicíssima que é o terço, até pela repetição, corresponde à expressão que resta a quem está afogado em dor, no limite das forças ou apenas desconcentrado e desinspirado. A facilidade em ser ‘entoada’ como uma cadência musical ondulante, dispensa esforços de concentração intelectual, sendo dos poucos actos capaz de fluir, mesmo em estado semi-inconsciente. No imediato, tem um efeito apaziguador incrível (é sintomático ajudar tantas pessoas a adormecer) e a prazo transmite uma paz profunda, cósmica. Pela extrema simplicidade, permite o multitasking a par de outras tarefas, à maneira daquele instrumento de suporte das actuações de jazz, que oferece o fundo musical estável e propício à improvisação do instrumento que protagoniza a novidade.
Vivemos tempos perigosos. Hoje, volta a ser precisa uma voz que ajude a trazer paz a tantos lugares da terra atingidos por guerras ferozes, como todas, por definição, embora algumas sejam denominadas, quase ironicamente, “de baixa intensidade”, enquanto não se propagam aos poucos locais considerados prioritários, onde a vida humana é devidamente valorizada. Já é um sinal extraordinário, do Brasil a Mianmar, as gerações mais jovens, do futuro, unirem-se em volta do Terço para o mundo mudar, melhorar.
Maria Zarco (a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios, quando alguém morria perguntavam apenas: tinha paixão? quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão: se tinha paixão pelas coisas gerais, água, música, pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos, pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória, paixão pela paixão, tinha? e então indago de mim se eu próprio tenho paixão, se posso morrer gregamente, que paixão? os grandes animais selvagens extinguem-se na terra, os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem, homens e mulheres perdem a aura na usura, na política, no comércio, na indústria, dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera, trémulos objetos entrando e saindo dos dez tão poucos dedos para tantos objectos do mundo e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega, pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva, e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes, palavra soprada a que forno com que fôlego, que alguém perguntasse: tinha paixão? afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia, ponham muito alto a música e que eu dance, fluido, infindável, apanhado por toda a luz antiga e moderna, os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela a paixão grega.
Não sou pessoa de ver concursos, menos ainda os que se referem a artes performativas. Em bom rigor, nem aos concursos de cultura geral assisto: o nível de perguntas é tal que sinto já não estar-se no domínio do conhecimento, mas da adivinhação. Tenho a sensação de que já não perguntam como se chamava a musa do Gauguin (não sei quem era, nem sei se tinha) mas a prima direita da musa do Gauguin.
Apesar da minha ligeira falta de paciência para estes concursos de potenciais astros do entertainment, assisti ao video abaixo com interesse. Já não era um exercício de rigor e destreza (o microfone para se ouvir a voz quase ofegante da artista é para o show...) mas uma metáfora para a vida: o equilíbrio instável.
O equilíbrio instável ocorre quando um sistema, após ser ligeiramente perturbado da sua posição de equilíbrio, tende a afastar-se ainda mais dessa posição, em vez de retornar a ela. Por outras palavras, uma pequena perturbação faz com que o sistema continue a desviar-se do equilíbrio original. Vale por isso a pena ver-se o vídeo - sobretudo os primeiros segundos, para se perceber o que a artist faz, e dos 5' até aos 5'50" (mais ou menos) para se perceber o que destrói o equilíbrio - e é fundamental ver-se o que destrói o equilíbrio.
Há aqui uma metáfora interessante: cada um de nós viveu tempos de grande equilíbrio estável, frutos de um bom alinhamento dos diversos aspectos que compõem a nossa vida; cada um de nós viveu tempos de grande desequilíbrio, fruto de contingências da vida: dores, sofrimentos, mortes, desemprego. E cada um de nós viveu tempos de grande equilíbrio instável - e talvez usemos a expressão "está tudo preso por fios".
Este vídeo explica bem o que é o equilíbrio instável. E pode explicar o que um dia disse um escritor americano (penso, que já não me lembro do nome): há alturas em que pode acontecer-nos tudo, que aguentamos; há alturas em que é um atacador partido que nos leva ao assassinato.
Vejam os primeiros dois minutos e o minuto algures entre os 5' e os 6'. Depois disso é os bastidores do concurso.
Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galileia, mas Ele não queria que ninguém o soubesse; porque ensinava os discípulos, dizendo-lhes: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens e eles vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar. Quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «Que discutíeis no caminho?» Eles ficaram calados, porque tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Então, Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
O rigor do castigo causa menos efeito sobre o espírito humano do que a duração da pena, porque a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afectada por uma impressão ligeira, mas frequente, do que por um abalo violento, mas passageiro. Todo o ser sensível está submetido ao império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer as suas necessidades, é também ele que grava no coração do homem as ideias de moral por impressões repetidas.
O espectáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um criminoso, é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado da sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade. Este retorno frequente do espectador a si mesmo: «Se eu cometesse um crime, estaria a reduzir toda a minha vida a essa miserável condição», - essa ideia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe enfraquece o horror.
Tenho de reconhecer que não conhecia - ou não me lembrava - da música Isn't it a pitty, até ter visto uma referência que lhe foi feita num post, no Linkedin, do meu amigo João Azevedo e Silva.
A versão de George Harrison de Isn't it a pitty (George Harrison é o autor da música) tem pouco mais de 7 minutos.
Há ainda uma versão do Eric Clapton (à qual eu daria a medalha de prata, porque nunca fui um incondicional de George Harrison).
A versão da Nina Simone tem 11 minutos e é desaconselhada a quem, ou não gosta dela, ou acha que 11 minutos a ouvir(-lhe) uma música é auto-punição. No entanto, e apesar do virtuosismo da guitarra de Eric Clapton e da sua qualidade como cantor, a versão da Nina Simone está carregada de um tom de voz dramático, sofrido, pesado, que casa melhor com a música. Mas isso, como se costuma dizer, é a minha opinião...
Os heróis que oiçam as três versões. Se só quiserem atirar-se a uma, atirem-se à Nina, digo eu. Mas não digam que não vos avisei - são 11 minutos...
Isn't it a pity
you don't know what i'm talking about yet
but i will tell you soon
it's a pity
isn't it a pity
isn't it a shame
yes, how we break each other's hearts
and cause each other pain
how we take each other's love
without thinking anymore
forgetting to give back
forgetting to remember
just forgetting and no thank you
isn't it a pity
(...)
Letra completa (que vale a pena ler) mais abaixo
JdB
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Isn't it a pity
you don't know what i'm talking about yet
but i will tell you soon
it's a pity
isn't it a pity
isn't it a shame
yes, how we break each other's hearts
and cause each other pain
how we take each other's love
without thinking anymore
forgetting to give back
forgetting to remember
just forgetting and no thank you
isn't it a pity
some things take so long
but how do i explain
why not too many people can see
that we are all just the same
we're all guilty
because of all the tears
our eyes just can't hope to see
but i don't think it's applicable to me
the beauty that surrounds them
child, isn't it a pity
how we break each other's hearts
and cause each other pain
how we take each other's love
the most precious thing
without thinking anymore
forgetting to give back
forgetting to keep open our door
isn't it a pity
isn't it a pity
some things take so long
but how do i explain
isn't it a pity
why not too many people
can see we're all the same
because we cry so much
our eyes can't, can't hope to see
that's not quite true
the beauty that surrounds them
maybe that's why we cry
God, isn't it a pity
Lord knows it's a pity
mankind has been so programmed
that they don't care about nothin'
that has to do with care
c-a-r-e
how we take each other's love
the most precious thing
without thinking anymore
forgetting to give back
forgetting to keep open the door
but i understand some things take so long
but how do i explain
why not too many people
can see we're just the same
and because of all their tears
their eyes can't hope to see
the beauty that surrounds them
God, isn't it a pity
the beauty that surrounds them
it's a pity
we take each other's love
just take it for granted
without thinking anymore
we give each other pain
and we shut every door
we take each other's minds
and we're capable of take each other's souls
we do it every day
just to reach some financial goal
Lord, isn't it a pity, my God
isn't it a pity, my God
and so unnecessary
just a little time, a little care
a little note written in the air
just the little thank you
we just forget to give back
cause we're moving too fast
moving too fast
forgetting to give back
but some things take so long
and i cannot explain
the beauty that surrounds us
and we don't see it
we think things are just the same
we've been programmed that way
isn't it a pity
if you want to feel sorry
isn't it a pity
isn't it a pity
the beauty sets the beauty that surrounds us
because of all our tears
our eyes can't hope to see
maybe one day at least i'll see me
and just concentrate on givin', givin', givin', givin'
and till that day
mankind don't stand a chance
don't know nothin' about romance
everything is plastic
isn't it a pity
my God.
Fui convidado para ir ontem ao Porto fazer uma apresentação para médicos, maioritariamente europeus, especialistas em tumores renais em crianças ou adolescentes. Decidi ir de autocarro: apanhava o das 7.30h da manhã, regressaria em cima da hora de jantar - mais barato, moderadamente confortável, sem o inconveniente de uma viagem longa a olhar para a estrada.
O começo não foi auspicioso: num autocarro semi-cheio de gente em silêncio, uma senhora não parava de falar com o seu vizinho do lado, que ela só conhecera naquele momento. Só lhe ouvia o tom de voz e percebia palavras ou expressões como cheiro amijo ou merda ou cócó. Fosse com o vizinho, fosse com o telemóvel, a senhora não se calava um minuto. À minha mente veio o fado que a Amália cantava: acho inúteis as palavras / quando o silêncio é maior.
Parámos em Leiria. A senhora entabulou conversa comigo fumando um cigarro castanho, potencialmente duvidoso - tu sabes que eu sou muito comunicativa, diria ela ao telemóvel - mas eu já a tinha tomado de ponta. Disse-me: sabe, toda a vida vivi em Cascais mas eu digo muitos palavrões. Não resisti ao remoque irritado e mentiroso: sabe, toda a vida vivi em Cascais e não digo palavrões.
Foi então que percebemos que a viagem para o Porto estava periclitante: os incêndios no norte tinham cortado uma série de auto-estradas. E é nessa altura que, fruto de uma situação potencialmente perigosa, com um cheiro a queimado, se cria um micro-cosmos dentro do autocarro: há alguém que se queixa de falta de ar, a senhora dos palavrões empertiga-se e diz: tem uma bomba, você? Eu tenho asma, bronquite e enfisema nos dois pulmões. E ao referir dois pulmões aponta os ditos com a mão, não vá haver gente que não saiba do que ela está a falar. Paramos, fugimos ao trânsito, metemos por vielas estreitas onde há filas intermináveis de carros. Há gente que quer sair, mas a senhora dos palavrões é taxativa: não saia pela sua rica saúde, eu sou doente oncológica e ja dei duas bombadas.
Paramos na zona de Aveiro e somos confrontados com o inevitável. O motorista, enervado e tenso, informa-nos que as autoridades foram claras: o autocarro não avançará mais, tem de voltar para o Estoril. As pessoas têm uma alternativa (gosto quando se diz duas alternativas): ou vão pelos seus meios para o destino ou regressam à origem.
A senhora dos palavrões volta a empertigar-se, perante a irritação geral (já com ela): como assim, sair? Quem é a sua chefe? Sabe que eu tenho 80% de incapacidade? Há gente a impor silêncio, a defender o motorista, a tentar estabelecer a ordem, mas 80% de incapacidade é assinalável, impõe respeito, mesmo que seja difícil perceber em que é que a senhora é incapaz. Despedimo-nos e eu digo-lhe solícito e sorridente, inundado de um alívio pouco cristão e de uma falta de transparência pecaminosa: devia fumar menos, sabe? Ela sorri, faz um passo de dança e, recordada da bronquite, da asma, do enfisema nos dois pulmões (para os quais aponta) responde-me de forma superior, toda segura nos 20% de capacidade: mas não bebo álcool, sabe? Nem tomo comprimidos.
10 minutos depois regressava ao Estoril, sem ter feito a apresentação, após 11 horas dentro de um autocarro. No pensamento, as vítimas daqueles incêndios. Na memória, os versos que a Amália cantava: acho inúteis as palavras / quando o silêncio é maior.
Este estabelecimento, de que sou dono e editor, é sério (ou tenta sê-lo,malgré tout...) e, não obstante, vai falar-se aqui de sexo, sendo que a palavra sexo significa, no contexto deste escrito,fazer amorou, na expressão de algumas pessoas mais criativas,fazer o amor.
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Não falando seguramente de artefactos que se vendem nas casas das especialidade, menos ainda de bizarrias ou fetiches, há um ponto de intersecção claro entre uma caneta de tinta permanente e o acto sexual. Diria ainda que o raciocínio é replicável para um papel de carta, para uma dança, para um telemóvel, para um computador ou para um livro. Todos estes objectos, aparentemente diferentes entre si, têm algo em comum: não é a sua existência, o facto de serem uma criação humana e / ou tecnológica, ou de cobrirem épocas diferentes. Todos estes objectos têm uma associação não desprezível ao sexo - e não é porque nuns se podem ver filmes pornográficos, noutros se podem escrever contos picantes, noutros se pode fazer isto ou aquilo...
A caligrafia é a arte de escrever bem à mão, é a perfeição da letra. A aprendizagem com uma caneta de tinta permanente favorecia esse caminho e elevava-o. O surgimento das esferográficas e, posteriormente, o progresso tecnológico passadas meia dúzia de décadas, transformaram a escrita em algo utilitário: tudo se faz com brevidade e economia de texto, pois o importante é o entendimento da mensagem, a racionalização do tempo, a rapidez, a comunicação prática. O papel de carta vende-se nos alfarrabistas ou em lojas inundadas de pó, obsolescência e falência anunciada. Enquanto a escrita de uma carta requeria lentidão e cuidado, a de um sms requer mestria. Enquanto a escolha do papel e da tinta assentava numa escolha estética da gramagem e da cor, a utilização do telefone ou do computador obedecem a requisitos técnicos, de velocidade, de capacidade de memória e espaço para aplicações e jogos.
Acontece o mesmo com a substituição do livro pelo tablet - a dimensão sensorial do toque, da observação da capa, do manuseio, foi substituída pela vertente prática, da não ocupação do espaço, da facilidade de leitura. Quer o telefone quer o tablet mataram, de alguma forma, o sentido do tacto. Agarramos mais, mas tocamos menos.
O desaparecimento do livro, do papel de carta ou da dança entre um homem e uma mulher, e a sua substituição pelo equivalente digital / tecnológico ou pela agitação em grupo, mataram um certo estilo de vida e, nessa voragem (quase) destruidora feriram de morte o erotismo do sexo. Numa sociedade na qual não há espaço para o vagar e para o contacto físico, que é composta por pessoas que falam entre si por mensagens curtas e práticas, que se veem através da virtualidade de ecrãs, que fazem da vida uma sucessão de actividades práticas, o erotismo não tem lugar. Sexo (no sentido de fazer amor) deixou de ser romântico, vagamente pecaminoso, exaltante e escondido, gratificante e íntimo, com a lentidão que cada um quer imprimir-lhe. Um dia será uma aplicação.
A rapidez da vida, o progresso tecnológico, o fim do sentido do toque como fonte de emoção e de comércio entre as pessoas, a inutilidade da arte da escrita enquanto escolha criteriosa de forma e meios, a voragem invasora das mensagens curtas, o fim de uma certa forma de dançar, as vidas por trás de um ecrã, tudo isto destruiu uma parte da vida que se fazia a dois.
Desde o momento em que deixou de ser apenas impulso primitivo, o sexo foi (também) amor. Talvez um dia seja apenas uma actividade, uma função, uma linha numa lista, um bullet assinalado com eficácia mas sem criatividade, tal e qual como escrever um sms ou um mail a cujo fraseado se tiram as consoantes mudas e a pontuação, se usam abreviaturas sem critério, se dispensa o bom dia e o obrigado, gentilezas substituídas por um imoji.
O erotismo, temo eu, será o apropinquar do léxico português. A palavra é gira, mas ninguém sabe bem o que quer dizer.
Naquele tempo, Jesus partiu com os seus discípulos para as povoações de Cesareia de Filipe. No caminho, fez-lhes esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» Eles responderam: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas». Jesus então perguntou-lhes: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «Tu és o Messias». Ordenou-lhes então severamente que não falassem d’Ele a ninguém. Depois, começou a ensinar-lhes que o Filho do homem tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois. E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas. Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-l’O. Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens». E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».
Tudo neste videoclip é bom: o próprio bolero, o nome do bolero (gosto da palavra perfídia), a sensualidade displicente das cantoras, o preto e branco, a possibilidade de serem uma pessoa apenas, tão parecidas que são. A cereja em cima do bolo? O computador Apple, para nos trazer à terra. Tudo nos atira para 1939, quando músico mexicano Alberto Domínguez, num rasgo de criatividade imortal, nos ofereceu esta música. Podemos imaginar-nos na Cuba de Fulgencio Batista Zaldivar e nas noites de folia tropical em Havana. Podemos imaginar tudo isso, mas o computador devolve-nos à Terra, mata-nos o devaneio, retira-nos a ânsia de uma Cuba libre - nos seus mais amplos sentidos.
JdB
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Nadie comprende lo que sufro yo canto pues ya no puedo sollozar solo temblando de ansiedad estoy todos me miran y se van
mujer si puedes tu con Dios hablar preguntale si yo alguna vez te he dejado de adorar y al mar, espejo de mi corazon las veces que me han visto llorar la perfidia de tu amor
te he buscado donde quiera que yo voy y no te puedo hallar para que quiero otros besos si tus labios no me quieren ya besar y tu quien sabe por donde andaras quien sabe que aventuras tendras que lejos estas de mi
Franz Kappus escreve a Rainer Maria Rilke confessando-lhe como o passar das suas tristezas é perturbador. Na sua resposta de 12 de Agosto de 1904, Rilke incita-o a considerar se essas grandes tristezas não passaram antes através de si; e diz-lhe: se nos fosse possível ver mais longe do que o nosso conhecimento alcança, e um pouco além dos limites das nossas intuições, talvez então suportássemos as nossas tristezas com mais convicção do que as nossas alegrias». E acrescenta: por que razão haveria de querer excluir da sua vida toda a inquietação, toda a dor, toda a depressão de espírito, quando não sabe que trabalho é que esses estados estão a realizar dentro de si?
Estas pequenas citações dariam para um artigo sobre tristeza. Mas eu, anarco-revolucionário naquilo que não afecta a riqueza das nações nem a pureza dos costumes, quero fazer um find / replace, e, onde se lê tristeza, passar a ler-se erro. Porquê? Por um motivo prosaico. Afinal, na minha ronda de leituras desta manhã, cruzei-me com o poema abaixo que fala disso mesmo - de erro. E fala, numa leitura minha, pessoal, do erro como espaço fecundo de aprendizagem ou, porque não, do erro de certa forma redentor, que abre espaço à construção de um destino promissor. Não é isto que o poeta quis dizer? Não faz mal, a mim dá-me jeito esta leitura.
JdB
* [Texto aproveitado de um artigo publicado na revista Brotéria (Agosto - Setembro 2024), intitulado Onde firmar os pés sem chão. Manual para ser inteiro, com Santa Teresa do Menino Jesus, de Eduardo Amaral, sj]
***
Dado o caso
Escolhe entre os erros que tens à tua disposição, mas escolhe certo. Talvez seja errado fazer o que está certo no momento errado, ou esteja certo fazer o que é errado no momento certo? Um passo ao lado, impossível de corrigir. O erro certo, uma vez desaproveitado, não é fácil que volte a surgir.
Hans Magnus Enzenberger (1929 - 2022) In "66 Poemas" (Tradução de Alberto Pimenta)
CRIATIVIDADE DA MADRE TERESA E DO TURISMO PORTUGUÊS
A 5 de Setembro, o meu Pai faria 100 anos. Que saudades daquele grande senhor, pai e professor, por profissão e por vocação, que partiu há 10 anos! Desde 1997, o 5 de Setembro passou a ficar associado à Madre Teresa de Calcutá, festejando o dia da sua morte que, à luz da fé, correspondeu ao nascimento para a eternidade. São incontáveis os episódios e as suas respostas antológicas, em especial com os mais frágeis e também com os mais críticos do seu trabalho junto dos indigentes do planeta. Ainda assim, recebeu inúmeras mostras de consideração, começando pelo Nobel da Paz, em 1979, o acolhimento com honras de Estado nas Nações Unidas e noutros palcos internacionais de prestígio. Diz muito a maior nação hindu do mundo ter colocado a bandeira indiana sobre a sua urna, quando desfilou pelas longas avenidas de Calcutá, sob um sol escaldante, enquanto as multidões se aglomeravam para uma homenagem pública muito sentida.
Um dos moribundos de uma viela infecta dos bairros proscritos de Calcutá, que morreu nos seus braços, desabafou: «eu que vivi como um cão, vou morrer como e com um anjo». Um magnata ocidental, a quem a Madre Teresa pediu dinheiro para construir uma das suas casas da Caridade, cuspiu-lhe na mão que a mãe dos pobres lhe estendera. Mas ficou desarmado com a reacção da pequena missionária, que recolheu para si a mão com a cuspidela e lhe estendeu a outra: «Certo, isto é para mim. E agora, para os pobres» (abrindo a palma da outra mão). Tocado, o magnata entregou-lhe um cheque generoso.
Contou um jornalista espanhol, que se encontrou com a Madre Teresa na casa das Irmãs da Caridade, em Nova Iorque, ter aproveitado a ocasião para a criticar frontalmente por aquele tipo de trabalho, taxando-o de paternalismo eivado de assistencialismo ineficaz. E instava a missionária a adoptar uma intervenção mais política, cheio de conselhos sobre os métodos para erradicar a pobreza. Enquanto se afadigava numa argumentação acalorada (segundo o próprio) baseadas nas suas muitas teorias, a M.Teresa ouvia-o silenciosa e continuava a visita ao berçário das Irmãs, dando festas a um dos bebés abandonados, mudando fraldas a outro, segurando o biberon de outro. Quando se ouviu um choro mais intenso, a Madre acorreu ao bebé desesperado, pegou-lhe ao colo, acalmou-o e depois posou-o nos braços do jornalista para socorrer outro recém-nascido, que começara a chorar. Depois da surpresa inicial, o espanhol olhou para o bebé (confessou, mais tarde, que era a primeira vez que o fazia, naquele berçário), segurou-o com cuidado e, comovido, mudou o chip e converteu-se. O bebé de carne-e-osso com nome, que lhe fora confiado pela missionária albanesa, resultara na melhor definição do que era a caridade real, capaz de chegar a quem precisa.
Sem ideias feitas, nem teorias, a Santa de Calcutá partilhou algumas das melhores dicas sobre o amor profundo, à escala humana, que suplanta todas as diferenças de etnia, religião, idade, sexo, nacionalidade, matriz cultural, condição social, etc. apenas interessada em ajudar. É eloquente a atitude tolerante e aberta com que ajudou pobres de outras confissões religiosas, assim como agnósticos e ateus, com o objectivo maior de lhes aliviar o sofrimento:
«As pessoas boas merecem o nosso amor; as pessoas más precisam dele.»
«If you judge people, you have no time to love them.»
«Peace begins with a smile. (…) Every time you smile at someone, it is an action of love, a gift to that person, a beautiful thing.»
«If we have no peace i tis becausse we have forgotten that we belong to each other.
«We fear the future, because we are wasting the present. (…) Yesterday is gone…»
«Not all of us can do great things. But we can do small things with great love.»
Bio telegráfica desta mulher que teve a coragem de ir até às periferias infra-humanas da sociedade: nascida no seio de uma família católica da Albânia (então território da Macedónia), em 1910, Agnes Gonxha Bojaxhiu cedo revelou vocação para missionária. Aos 18 anos, entrou para a congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto. Começou na Irlanda, mas rapidamente seguiu para um convento na Índia, onde dava aulas. Volvida uma década de vida pacata, pediu dispensa para fundar uma nova congregação, que cuidasse dos muitos sem abrigos com que se deparou. Assim nasceram as «Irmãs da Caridade». Em 1948, já sob o nome de Teresa, adquiriu nacionalidade indiana. Com o Nobel da Paz (1979), a sua obra ganhou projecção mundial, impressionando pela dedicação aos mais desprotegidos, sem medo de contrair doenças, nem repugnância pela degradação humana extrema, que procurava aliviar. Foi beatificada em 2003 e canonizada em Setembro de 2016, pelo Papa Francisco.
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É português o filme premiado, em 2023, com o galardão do Melhor Filme de Turismo do Mundo, no festival de Valência. «ALMA DE Lû («A Soul Made from Wool») foi rodado em 2022 para dar a conhecer a beleza subtil e aconchegante do interior do país, numa zona raiana, onde os lanifícios e a serrania pedregosa se impõem. Sob uma banda sonora magnífica, o mosaico variado de actividades daquela região fluem em acelerado, numa sequência plástica sumamente artística, que fusiona recortes da paisagem montanhosa com teares e outros elementos da região. O argumento parte da história do herdeiro de uma fábrica de lanifícios arruinada, na Covilhã, que Francisco converteu num laboratório de artesanato criativo e experimental, cognominado New HandLab. A arte, o engenho e a boa vontade resgataram da falência uma velha indústria ameaçada de extinção, reenquadrando o saber milenar de artífices anónimos:
Também da Covilhã, outro filme premiado (com um bronze) tem um título igualmente poético para promover Pampilhosa da Serra, Arganil e Góis. A história segue o olhar curioso, inexperiente e límpido de uma criança, para a redescoberta de uma paisagem diferente, mas que nos cansámos de banalizar por falta de silêncio e de simplicidade para lhe reconhecer o fascínio e até a magia:
Por seu turno, a medalha do público recaiu sobre a curta-metragem de Leonel Vieira, dedicada à vila fronteiriça do Alto Minho – Monção – orgulhosa dos seus pergaminhos ancestrais:
Igualmente de inspiração medieva, o Museu do Oriente (parte Norte da Doca de Alcântara) oferece um concerto a 30 de Setembro, às 19h00, onde serão interpretadas cantigas das três grandes culturas que se entrecruzaram na Península Ibérica, nos séculos XIII e XVI: cristã, sefardita e árabe. Eduardo Ramos será o vocalista e tocador do alaúde árabe, enquanto Carlos Mendonça o acompanhará à flauta e na percussão. O espectáculo integra-se no Ciclo de Concertos da Antena 2, com entrada livre, mas sujeito à lotação da sala, pelo que será necessário levantar bilhete no próprio dia.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
As frases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca descrever, com que clareza as dito à minha inércia e as descrevo na minha meditação, quando, recostado, não pertenço, senão longinquamente, à vida. Talho frases inteiras, perfeitas palavra a palavra, contexturas de dramas narram-se-me construídas no espírito, sinto o movimento métrico e verbal de grandes poemas em todas as palavras e um grande entusiasmo, como um escravo que não vejo, segue-me na penumbra. Mas se der um passo, da cadeira, onde jazo estas sensações quase cumpridas, para a mesa onde queria escrevê-las, as palavras fogem, os dramas morrem, do nexo vital que uniu o murmúrio rítmico não fica mais que uma saudade longínqua, um resto de sol sobre montes afastados, um vento que ergue as folhas ao pé do limiar deserto, um parentesco nunca revelado, a orgia dos outros, a mulher, que a nossa intuição diz que olharia pra trás, e nunca chega a existir.
Bernardo Soares, in "Livro do Desassossego"
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Eu Queria Ter o Tempo e o Sossego Suficientes
Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em coisa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido.
Naquele tempo, Jesus deixou de novo a região de Tiro e, passando por Sidónia, veio para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. Trouxeram-Lhe então um surdo que mal podia falar e suplicaram-Lhe que impusesse as mãos sobre ele. Jesus, afastando-Se com ele da multidão, meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua. Depois, erguendo os olhos ao Céu, suspirou e disse-lhe: «Effathá», que quer dizer «Abre-te». Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar corretamente. Jesus recomendou que não contassem nada a ninguém. Mas, quanto mais lho recomendava, tanto mais intensamente eles o apregoavam. Cheios de assombro, diziam: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».
Tenho do ténis, como tenho de todo o desporto, uma visão amadora. Nunca tendo praticado de forma sustentada nenhum desporto, sou atraído pelo que me diverte ou entretém, pela estética, pela qualidade que identifico com o meu olhar pouco sabedor. Do ponto de vista dos tenistas a minha ordem de preferência vai (sem ser forçosamente por esta ordem) a nacionalidade, se são canhotos ou destros, uma certa elegância a jogar. Por isso nunca gostei do Nadal; embora canhoto e espanhol (a favor / nada contra), sempre lhe encontrei uma certa rudeza - seja física, seja na forma como joga. E por isso sempre gostei do Federer; embora destro e suiço (nada contra / menos a favor) sempre lhe encontrei uma certa elegância, seja física, seja na forma como joga. e até na forma de se exprimir.
Pessoas próximas falaram-me e enviaram-me este video, que fala na ligação entre o ténis e o ballet. Vale a pena ver, até porque são pouco mais de 3 minutos. Achei curioso, porque explica muito do meu gosto por ver o Federer jogar.
Nunca fui homem dado a pesadelos, felizmente. Mesmo nos tempos mais desafiantes da minha vida - e alguns foram-no - o meu maior pesadelo era acordado: a certeza da insónia e do que a provocava. Nunca acordei a suar, com taquicardia ou com uma sensação de pânico.
Curiosamente, os meus sonhos mais incomodativos tiveram sempre como pano de fundo a minha vida profissional. Uma vida profissional, diga-se de passagem, que nada de muito relevante tem a assinalar: comecei por baixo e fui subindo até ao limite da minha competência; nunca fui vítima de conluios nem ataques pessoais relevantes. Fui, talvez sim, vítima de um menor entusiasmo profissional num tempo difícil, que coincidiu com um época de mau ambiente na empresa. Quando tive de sair fi-lo com a consciência de que já não era a pessoa certa no lugar certo.
O pesadelo - talvez "sonho incomodativo" seja mais correcto - seria facilmente explicável pelo Freud (confesso que nunca li A Interpretação dos Sonhos) ou por um psiquiatra - ou talvez por um charlatão. Eu conto: vejo-me a entrar na empresa onde trabalhei 20 anos, embora a arquitectura seja diferente. Dou por mim a não saber onde está o meu gabinete e isso provoca-me ansiedade. Não estou perdido - simplesmente o gabinete desapareceu. Uma colega (que reconheci) pergunta-me, face ao meu estado de ansiedade: quer sentar-se um pouco? Percebo que há mais pessoas na minha situação. Questiono-me se devo falar com o meu chefe (um homem que já tinha morrido há meia dúzia de anos) e sugerir que se antecipe a minha saída. Mostram-me então uma lista com mudanças e indicam-me o meu novo gabinete: é um espaço sujo, relativamente estreito, com uma secretária e um candeeiro velho no chão, um pé direito muito alto (muito alto, mesmo) e umas obras artísticas grandes (parecem-me mais azulejos do que pinturas, não consigo identificar o que são) que acompanham a altura das paredes. Uma pessoa que não reconheci explica-me, simpaticamente, o que são. O sonho acaba.
Um psiquiatra, repito, explicaria facilmente por que motivo os meus sonhos incomodativos estão sempre ligados à empresa. Saí a bem, voltaria de bom grado para re-visitar espaços e pessoas se a fábrica ainda existisse. Não deixei inimigos e parti com um punhado significativo de boas recordações, algumas amizades que ainda sobrevivem ao desgaste do tempo e do afastamento físico. Alguém me explica o que quer isto dizer?
Um dia destes, na minha ronda de blogues, encontrei um pensamento. Alguém se questionava sobre o que o salvava do caos, sendo que a resposta reiterada era: a palavra. O sentido era este, se bem que o reproduza de forma obscenamente simplista. Não sei se poderei dizer o mesmo sem que se adivinhe uma presunção a que não quero atirar-me. Não obstante, estou em crer que a palavra escrita desempenhou uma grande importância nos momentos - e foram alguns - em que o caos se instalou dentro de mim com ideias de ficar.
Porque escrevo - seja no blogue, nos textos académicos que se prendem com temas que me tocam, nas cartas que envio aos que me estão mais próximos, nas frases com que invado de forma maçadora a caixa de correio alheia? Porquê? Para ordenar a desordem, para organizar o caos, para alumiar um buraco, para iluminar um caminho, para encontrar sentido para as coisas. Escrevo para mim próprio, sobretudo, mesmo que disfarce a tontaria - ou uma aparente vaidade - dirigindo-me aos outros. Estou tão certo disso como do meu número de contribuinte que fixei há anos.
(Também o faço por divertimento, mas porque não poderá ser isso considerado uma terapia, passe o exagero?)
Tem isto alguma relevância? Não, a não ser para mim. Para os outros são violações do sossego próprio, frases cujo sentido nascem e morrem dentro de mim, apesar dos que me conhecem o suficiente para entender os subterfúgios ou as bizarrias. É por isso que envio mais do que recebo, lutando interiormente contra a ideia da desilusão que advém de uma contabilidade desencontrada. Afinal, o combate ao caos é essencialmente solitário, e cada um sabe como fazer o seu. Perceber isto é perceber muito, porque o deve e o haver da vida estão longe de serem iguais. Felizmente, direi eu, apesar de tudo...
Cada vez que tive vontade e pude entreguei-me à gula e à luxúria. Com a preguiça vivo amancebada. Só fui seduzida pela avareza como meio para outros desvios. Sempre me mostrei irada e soberba, orgulhosa, arbitrária e teimosa. Talvez por isso não sentisse inveja. Tão segura de mim, tão inflexível, não podia invejar nada nem ninguém. Hoje, contudo, derrotada e só, sem esperança e vencida, tão inútil, sinto inveja de mim quando me amavas.
amalia bautista estou ausente tradução de inês dias averno 2013
The sun shines high above The sounds of laughter The birds swoop down upon The crosses of old grey churches We say that we're in love While secretly wishing for rain Sipping coke and playing games
September's here again September's here again
* música partilhada ontem no Linkedin pelo meu amigo João Silva, e que eu não conhecia.
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Em Julho de 2016 escrevi um texto para a Raquel, mulher do JdC, texto esse que girava à volta de uma história passada com ela em Moçambique: os miúdos apareciam-lhe em casa e, quando lhes era perguntado o que queriam, respondiam kungokhala (uma palavra que em Chichewa quer dizer só ficar) .
Fui repescar uma parte desse texto (quem quiser ler o post completo pode fazê-lo aqui) porque fala dos Setembros da minha juventude, e a lembrança desses tempo é uma espécie de regresso a casa. É um texto saudosista, eu sei, mas, como digo sempre, o passado é certo, o futuro não existe até prova em contrário.
Dino Meira compôs uma música a que chamou O meu querido mês de Agosto, Ruy Belo escreveu um poema que intitulou Como se estivesse em Agosto. Para mim, e roubando o título de uma crónica antiga de João Bénard da Costa, os dias de Agosto são dúbios. Certos, certos, como o são as minhas memórias, são os meses de Setembro. Eis, pois, o excerto que fala dos Setembros da minha juventude. Para algumas pessoas, a juventude é um local imaterial de refúgio para momentos atribulados.
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Penso que já terei escrito algo sobre este aspecto das minhas férias de juventude: durante alguns anos, talvez dos 13 até aos 24 ou 25 passei férias regulares em casa de amigos e primos no Alentejo. Era Setembro, e a casa enchia-se de gente, do cheiro a petróleo que substituía a electricidade, da emoção dos cigarros fumados às escondidas, do odor a sopa de cação ou de beldroegas, da música ouvida num pick-up a pilhas ou dos devaneios adolescentes de uma ida a Badajoz. Lembro-me de me perguntarem o que fazíamos lá durante um mês. A minha resposta repetia-se com a monotonia que advém das convicções: nada! E é por isso que é tão bom.
De facto, não havia grandes actividades, para além do pingue-pongue, dos jogos de gamão ou das idas à terra local ver a novela ou passear um bocado, das excursões a Vila Viçosa pendurados na boleia que substituía os carros inexistentes. Usando uma conjugação verbal já aplicada neste estabelecimento, estava-se. No fundo, ficávamos, e nada havia de mais feliz nessa dimensão de aparente inactividade. Não estávamos obrigados à agitação, não queríamos agitação para além daquela que já tínhamos. Queríamos algo que não se ligasse obrigatoriamente ao frenesim, à necessidade de programas diários, à agitação do corpo ou da mente. Estávamos, e isso dava-nos - ou dava-me, pelo menos - uma tranquilidade enorme e uma felicidade cujas razões só tarde percebi. Queríamos estar, porque encontrávamos nessa realidade aquilo que cada um precisava, ditado pela ingenuidade ou pela necessidade do subconsciente. Aquela casa era o nosso mundo. Ou era o meu mundo.
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Já no final do poema referido, e referindo-se ao seu Agosto, diz Ruy Belo:
Agosto não é a pura palavra não é determinada designação para um tempo onde cada uma dessas coisas anualmente se encontra comigo Agosto são talvez estas palavras todas onde me perco onde procuro pôr os meus passos onde afinal penso que permaneço um pouco mais do que no frágil edifício dos dias
Subscrevo tudo, se o poeta, lá na eternidade onde vive, me deixar substituir Agosto por Setembro.
Setembro começou, para mim, em 1971. Se à chegada àquele meu Alentejo me tivessem perguntado o que é que eu queria, a resposta seria óbvia: kungokhala.Bom Setembro para todos.
Naquele tempo, reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas que tinham vindo de Jerusalém. Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. – Na verdade, os fariseus e os judeus em geral não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos antigos. Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado. E seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição, como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –. Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus: «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?» Jesus respondeu-lhes: «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens». Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão e começou a dizer-lhe: «Ouvi-Me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro».