31 maio 2009

Dia da Solenidade de Pentecostes

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de Católico.

Um casal de quem sou próximo há muitos anos enfrenta uma crise séria no seu casamento. À sua volta, e borboletando com a melhor das intenções, alguns amigos afadigam-se em conselhos sábios, frases reconfortantes, sugestões díspares. Este par tem, como todos, um histórico de felicidade e do seu inverso, de luta, de cumplicidade, de monólogos persistentes e fracturantes, de pequenos nadas, talvez, que engrossarão o caudal de desestabilização de que se reveste, por vezes, uma relação duradoira.

Alguém, a quem a vida mandou dar uma cambalhota brutal, queixa-se, no meio de um sem número de confortos, de maçadas, coisas irritantes e incómodas, necessidade de soluções para problemas para os quais não estava desperta, porque alguém, que Deus já lá tem, tomava conta dessas ocorrências. Há quem reaja mal a estes queixumes, achando, talvez, que quem tem vidas confortáveis tem menos direito ao lamento.

Outros, no anonimato das ruas e das casas, matam os sonhos que já não sabem se têm e embarcam em aventuras cujo combustível, que se mascara de felicidade aparente, é o medo de uma solidão aterradora. As vidas são indeterminadas, imprevistas, difíceis. O comando da nossa nau pertence-nos cada vez menos, e cada um de nós olha para si ou para os que estão próximos e vê o desemprego, o expediente, a reserva, o sufoco, a frustração, o desânimo. Em momentos de incerteza e insegurança há menos lugar para o devaneio, que é considerado um luxo impensável nos dias de hoje.

Outros, ainda, olham para a soma dos seus dias e vêem um desalinhamento permanente dos astros, um conluio cósmico, um azar persistente, uma injustiça gritante. Nenhum de nós merece, de facto, o que de mal lhe acontece, porque a vida se quer fagueira, confortável, com aquela adrenalina que é boa, como quem tem o colesterol dentro dos intervalos de segurança. O desemprego é injusto, a escassez imoral, as dificuldades esmagam, o futuro afigura-se sombrio. Mais do que para a frente olharmos para trás, mais do que crescimento dizemos crise.

Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».

Reza assim o Evangelho de hoje, dia da Solenidade de Pentecostes. Ressaltam-me do texto ideias como a das portas da casa que estavam fechadas, o medo, talvez o anoitecer. Mas ressalta, também, o seu inverso: a noção de Jesus no meio dos discípulos, a saudação da paz, a identificação pelas mãos e pelos lados, sinal, não de dor e sofrimento, mas de entrega sem limites.

Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
que se iam dividindo,
e poisou uma sobre cada um deles.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e começaram a falar outras línguas,
conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.

Um jornalista leria este excerto da primeira leitura e reproduziria factualmente o que aconteceu: gente com dotes poliglóticos surpreendentes, manifestações sem explicação científica evidente. Felizmente não procuramos o facto, mas a metáfora. E é por isso que confiamos no Espírito Santo, que rezamos para sentir a língua de fogo que tudo renova, para sermos bafejados pelo discernimento que identifica o caminho certo e pela força de que necessitamos para o trilhar.

Olho para os quatro casos que referi no início (quatro casos reais, com pessoas igualmente reais) e que são, aparentemente, desligados uns dos outros. Em todos - nos protagonistas e em quem é parte envolvida - vejo portas fechadas, medos, dias que anoitecem. É então que me vem a certeza da necessidade de uma linguagem nova: a linguagem da tolerância e da compreensão, da e da esperança, do amor e do perdão.

Adeus, até ao meu regresso...

JdB

5 comentários:

Ana CC disse...

JB, tolerância, compreensão, fé, esperança, amor e perdão são, sem dúvida, os antídotos para uma vida cheia de medos, portas que teimam em não se abrir e noites longas e escuras.
"Felizmente há luar" e muitas vezes essa luz, tão apaziguadora e reconfortante, surge de pequenos gestos, ditos e sorrisos que nos vão oferecendo enquanto trilhamos o "caminho certo" (?). Obrigado por nos ir encaminhando todos os domingos.

cris disse...

JdB.

Cabe-nos a nós como amigos tentar fazer com que os nossos amigos estejam bem.
Mas por vezes podemos caír no erro de tentar protelar um problema.
Tive um exemplo à uns anos, um casal meu amigo separou-se, e para nós foi inesperado pois eles transpiravam felicidade.
Eles acabaram por nos dar uma lição de vida, pois separaram-se enquanto havia uma profunda amizade entre eles.
Como tinham filhos pequenos, uma da combinações que fizeram foi uma vez por semana, jantarem ou almoçarem em familia.
Eles refizeram as suas vidas, e hoje os filhos dizem que os Pais são modelo, pois nunca os fizeram passar, por momentos menos dignos.
Com este exemplo não quero dizer que não haja sempre dor e momentos de fustração, mas a vida dá-nos constantes sinais, e a mudança, é um deles.
Até para a semana....

arit netoj disse...

Apesar da vida ser muito difícil sabemos que a paz pode estar connosco - ela vem de dentro se houver lugar para o Espírito.
Obrigada por persistir na sua condição de católico.
Beijinhos

JdB disse...

Ana, Cris, Arit: obrigado pela vossa visita. Que a paz se mantenha, a escuridão desapareça, as portas se abram. E que aqueles que acreditam possam continuar a rezar o salmo de hoje: "Manda, Senhor, o Vosso Espírito e renova a face da terra". Que é como quem diz, a face de todos nós.

maf disse...

JdB, é duro, muito duro, quando, impotentes, assistimos à desconstrução de vidas, outrora sólidas, ao ruir de projectos, outrora firmes, ao desvanecer de sonhos, outrora reais. Principalmente quando isso ocorre com aqueles de quem mais gostamos. A vida não pára de nos dar lições; fiquemos pois atentos aos seus ensinamentos.

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