16 maio 2009

Pouco barulho

Há dias falava de palavras, do estardalhaço ininterrupto que fazem dentro de nós, dos estragos capazes de provocar. Há-de ser assim com todos, fazendo menos mossa a uns, que as gerem melhor, mais a outros, que sufocam se lhes não dão primazia, andamento e caminho visível. Tempos houve em que me acalorava a conversa, a comunicação, a fala, o desabafo, as ideias. Hoje, nada disso me interessa como outrora. Chego a ter saudades do silêncio. Palavras leva-as o vento, estrebucha o ditado em mim. Estafam-me conversas sérias, cansam-me as opiniões sobre tudo e mais alguma coisa. Os porquês disto e daquilo, que se exigem a ferro e fogo, servindo umas poucas de inverdades e loucuras. Encantam-me os que sem abrir boca dizem tudo. E vou à lua com os que teimam fazer com o gesto o seu discurso, a sua declaração de amor. Hoje, percebo uma série de homens calados que havia antigamente. E as mulheres que agora me dizem “fazes-me rir”. Conversas, de facto, só para rir. Para chorar, para ensinar, para guardar, escrevam. Mergulhem no silêncio, oiçam-se e escrevam como souberem. Nas mãos, nas paredes, nos panos da loiça. De resto, poupem-se. Senão um dia ninguém vos ouve.

DaLheGas

8 comentários:

Anónimo disse...

Ah, Dalhe, como eu te admiro e invejo, como me identifico, como gostava de te ter aqui ao pé de mim, sempre, numa caixinha,num estojo de veludo, num cofre de segredo gravado na alma, encolhida à escala de um polegarzinho mágico, só para mim, preciosa, extravagante, rara, única, inclonável, exclusiva, guardada como um anel de rubis ou uma tiara de diamantes, para, sempre que me entristecessem, me esvaziassem,me magoassem ou humilhassem, pudesse abri-la e chamar-te e ver-te e de novo sorrir e de novo caminhar e de novo renascer! Não me morras, Mulher, tu jura-me, que és das poucas esperanças que eu ainda tenho na vida!

Rita Ferro

ana v. disse...

A isso chama-se maturidade, minha querida DaLhe. Também vou ficando menos palavrosa, mesmo não sendo garantido que esteja a ficar mais sábia. Tu, sim: a sabedoria das esferas instalou-se-te nos dedos e escorre deles para o teclado como leite morno, gritando no silêncio de cada linha deste texto fantástico. Parabéns. Espero poder ouvir-te sempre, mesmo quando não falas, mesmo quando não ris.

Beijo grande

Anónimo disse...

Fantástico texto! E, tal como ana v., penso que esta não-necessidade de falar tanto, e de gozar o silêncio, tem muito a ver com a maturidade, com "alguma" sabedoria que se foi conquistando. Tinha um amigo, que já morreu, que me dizia com alguma frequência: "c, tu cansas-me. Usas muitas palavras!". Tão verdade. Ele era um homem de silêncios. E nos seus silêncios dizia tudo.
Gostei particularmente da ideia de escrever no "pano da loiça"... pcp

cris disse...

DaLheGas,
Tem razão.
Nada como uma boa música e um bom livro.
Ler, percorrer o dom das palavras silenciosas.
Passear o cão, num pinhal ou na praia.
Mas hoje em dia é tão dificil e perigoso encontrar um lugar, sem ser em casa, onde estejamos realmente sózinhos, a ver a vida a passar devagarinho.
Agora, por acaso vou escrever, as fitas de finalistas dos meus filhos e de alguns amigos deles.
Vou ter que fazer uns minutos de silêncio para me inspirar....

DaLheGas disse...

minhas senhoras, minhas senhoras...
deu-me um silêncio. emudeci com tão gentis comentários :)
Iron Rita vou comprar uma malinha sport billy e voar para ti
ana v. não te iludas com estas vozes que eu escrevo
LOL pcp...
Cris, inspirou-se? Boas fitas?

a. disse...

Deu-te forte...
deu-te o sufoco das palavras ocas e estridentes da poluição (também)oral que vivemos,
deu-te o desgaste da opinião dos 'bem-dizentes',
deu-te o desabafo, deu-te o escape...

deu-te vontade do Silêncio por dentro e por fora.
deu-te vontade da beleza das coisas simples,
deu-te vontade da leveza da gargalhada,
deu-te vontade da riqueza do não dito

ainda bem,
e ainda bem que te continua a Dar essa maneira sui geniris de o dizeres

3 beijos
a.

Anónimo disse...

Tem toda a razão.
Mais um excelente texto!
fq

morcegodobeco disse...

A prosa da DaLheGas, para além de poética, arejada e sábia, tem ainda(vejo) o singular e valioso condão de desencadear comentários frescos e belos de concordância plena. Os outros, reconhecem-se na sua leitura e dizem-no, gratificados, o que só pode significar que lhes serviu de alimento. A que melhor destino pode aspirar um texto, que ser pão?

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