Não consigo fugir ao lugar-comum: controlamos pouco a vida que vivemos, somos donos de algo mais do que nada. Os planos de uma mulher desfazem-se quando, no espaço de um instante, lhe é comunicada a sua infertilidade; a alegria quase incontida de uns pais é cortada se, numa observação de minutos, realizam a deficiência do seu filho ou são confrontados com uma doença grave que o atingiu; a carreira de um jovem termina numa curva da estrada e numa cadeira de rodas. No reverso da medalha, dois olhares estranhos que se cruzam na impessoalidade de uma festa podem dar origem a um encontro de almas; a leitura, inexplicável aos olhos da estatística, de uma carta surpreendente dá lugar a um novo encantamento; uma fotografia, um excerto de filme, uma música, pedaços de coisas que se ouvem ou vêem abrem um sorriso numa tristeza que se instalou sem regresso aparente. Em tudo - na luz e na sua ausência - há espaço para uma segunda oportunidade e para a pergunta: o que faço eu com isto que me aconteceu?
O post de hoje é dedicado a quatro pessoas (A, T, A e M) que sentiram bem esta ausência de domínio sobre os acontecimentos. Entre o contentamento e o desgosto, entre a gargalhada e o choro, entre a mão que acena numa alegria de regresso e a que vai à garganta para conter um soluço, há um instante, um fio de cabelo. Para elas vai a minha lembrança, a minha oração, e a confiança na capacidade que todos temos de reiventar o caminho e de olhar a vida de frente, na certeza de que o futuro é uma carta fechada que nos pede para ser aberta.
JdB
A morte nada é.
Eu estou apenas noutro lado,
Eu sou eu, tu és tu.
Aquilo que éramos um para o outro
Continuamos a ser.
Chamem-me como sempre me chamaram.
Falem-me como sempre me falaram.
Não mudem o tom da vossa voz.
Nem façam um ar solene ou triste.
Continuem a rir daquilo que juntos nos fazia rir.
Brinquem, sorriam, pensem em mim,
Rezem por mim.
Que o meu nome seja pronunciado em casa
Como sempre foi;
Sem qualquer ênfase,
Sem qualquer sombra.
A vida significa o que sempre significou.
Ela é aquilo que sempre foi.
O “fio” não foi cortado.
Porque é que eu,
Estando longe do vosso olhar,
Estaria longe do vosso pensamento?
Espero-vos, não estou muito longe,
Somente do outro lado do caminho.
Como vêem,
Tudo está bem.
Henry Scott Holland
1 comentário:
Obrigada JdB. Há pessoas e coisas que nunca deveriam desaparecer das nossas vidas. Tiram-nas sem aviso, sem que tenhamos feito nada para o merecer. Acreditamos que o fio não se corta, fortelece-se. A saudade é dolorosa, mas a lembrança da felicidade passada, vai tornando-a mais doce.
No entanto reinventar o caminho, e acreditar no futuro é mais complexo porque, de facto, numa carta fechada nunca se sabe o que nos espera.
Obrigada pela amizade e pela lembrança.
Enviar um comentário