Uma vez mais, a história de hoje reporta-se à minha vivência em Londres. Foi no Jazz Café de Camden que, em final de tarde luminosa e quente, descobri uma nova estrela no meu firmamento musical. Escrevi na semana passada sobre o Dr. John, elogiando a sua excentricidade e postura descontraída e relaxada. Esta semana elogio uma cantora com uma postura idêntica. Rickie Lee Jones, de seu nome. Americana, com uma infância particularmente turbulenta e instável, cresceu rodeada de música, num ambiente criativo e estimulante para uma imaginação sequiosa de se expressar. Percorreu os EUA à boleia, foi hippie, viveu com o Tom Waits, com quem teve uma relação de intensidade kármica, escreveu e interpretou canções pop, rock, rythm & blues, soul e jazz.
Confesso que a achei no mínimo curiosa ao vê-la entrar em palco nessa noite: atrasadíssima, provavelmente pouco se importando com os numerosos fãs que a esperavam de pé (não há praticamente cadeiras ou bancos neste famoso clube londrino), com a farta e longa cabeleira loira totalmente desgrenhada, botas pretas à punk, vestido indiano cor de rosa, com uns enfeites brilhantes, tipo camisa de noite… uma figureta! Atenção que era bonita quando era nova … mas agora ronda os 50 e muitos. Muita droga, noitadas, maluquice e vida bem preenchida daquilo que a nós, bloguistas, não nos atrai (penso eu de que…) sulcou-lhe a cara de rugas, alargou-lhe as formas e intensificou-lhe a expressão da voz, de si não particularmente distinta.
E que expressão! Estou a vê-la pequena, braços descobertos e flácidos, iluminada por um foco de luz no meio de um palco escuro, no fundo do qual se adivinhavam os músicos que a acompanhavam. Estou a vê-la a balouçar-se, pesadamente, de olhos fechados, imersa nos seus pensamentos e no ritmo dos primeiros acordes da primeira canção, alheia aos assobios e aos murmúrios provenientes dum público já ansioso … e a voz a soltar-se, surpreendentemente fresca, cheia de inflexões, algo entaramelada, sensual, expressiva como só são expressivas as vozes de quem ama a música e a sente no corpo e na alma …
Daí até ao fim do concerto foi sempre a crescer: ela em “estatura” musical, os músicos em virtuosismo e entrega, nós em tensão e em gozo … e a música a espalhar-se por cada canto esconso e escuro de um clube muito cool e repleto de gente com copos de cerveja de plástico na mão …
Deixo-vos com uma música que me marcou. Nem sei se é particularmente bonita ou do agrado dos bloguistas. Mas adoro a batida, os acordes, a voz para cima e para baixo, os arremessos súbitos e, muito, o título: We belong together, do álbum Pirates.
Agora imaginem-se neste clube lendário, numa noite de Verão, encostados a uma coluna, de olhos fechados, a sentir a presença de alguém especial ao vosso lado … é possível, eu senti-a! Estava lá, era quase palpável. É tão bom assistir a um concerto com alguém de quem gostamos!... A "materialização" dessa pessoa, neste contexto, é de somenos importância. O que interessa é o que se passa quando fechamos os olhos...
pcp + po
Sem comentários:
Enviar um comentário