05 setembro 2009

Eixo Norte-Sul

Duas guitarras, duas pranchas, três chapéus de palha e um do rato Mickey, um fogão avariado, uma bilha de gás, quatro sacos cama e dois colchões, duas tendas, uma frigideira e uma panela, um tupperware de temperos, quatro malas para quatro pessoas, um carro e um destino. Em direcção a Sul, encostados ao mar.

Foi nestes termos que se iniciou uma viagem que sempre se caracterizou pela ausência de mapa. De frente para o mar, seguíamos para a esquerda.

Foi uma mão cheia e mais dois dedos da outra de dias cheios de sol e sal. Dias que se perdiam nos acordes da guitarra e noites que se derretiam com as pedras de gelo.

Durante esta semana, a janela do quarto abraçava a costa inteira, e o mar fazia de cabeceira quando fechava os olhos. Não precisei de encostar um búzio aos ouvidos para ouvir as ondas rebentar. Bastou-me ouvi-las ali ao lado. Levei o sal comigo para todo o lado. Aquele que fica quando saímos da praia, a fazer comichão nas costas e a puxar os cabelos para cima.

Descobri nestes dias que o fim de tarde tem mais cores do que aquelas a que estava habituado. E não falo aqui de cores como metáfora para certos e determinados estados de espírito que nos fazem olhar para o pôr-do-sol com os olhos cheios de melancolia e saudade. Digo cores no sentido literal da palavra. Entre o fio do horizonte e o último resto de sol cabem todas aquelas a que alguém um dia deu nome, e muitas outras que nunca ninguém se importou de catalogar. Gostava de as ter trazido no bolso, ao lado das chaves e das moedas, para num desses dias em que os olhos se enchem de melancolia e saudade as poder atirar novamente lá para o fundo.

Tal como gostava de ter trazido o prateado baço da lua cheia que banhava as escarpas que encimavam a praia, ou as estrelas e outros pontos brilhantes que são primos das estrelas, para depois poder copiar para um caderno preto todas as formas que estas faziam, com a inocência das crianças que se desenham maiores que as casas.

Trouxe, no entanto, os sons e os silêncios que encheram esses dias. E deixei, para quando lá voltar, uma cadeira à beira-mar.



Muna

8 comentários:

arit netoj disse...

Querido Muna mas que crónica tão inspiradora.
Não há dúvida que "filho de peixe sabe nadar". Parabéns pela boa escrita!
Apetece voltar a ter a sua idade e viajar assim...
Saudades, beijinhos e um imenso orgulho de ser testemunha desta sua veia literária.

atirana disse...

Muna,

Quem me dera ter feito essa experiência quando tinha a sua idade. Mas os tempos eram outros...
Um grande beijinho

Segismundo disse...

Obrigado!

maf disse...

muna, nessa viagem lindissima passou por uma, também ela lindissima, praia chamada Monte Clerigo? A paleta de cores que você descreve no seu post, tenho-a eu guardada no meu coração, de há 8 anos para cá, desde que comecei a passar férias nessas longínquas praias alentejanas :-) :-)
Um beijo para si e parabéns pelo post (você não me conhece, mas faz bem jus aos seus queridos pais).

Ana LA disse...

Muna!!!!!!!!!!!!!! Que surpresa tão agradável.

Segismundo disse...

maf,

Passei sim. E foi dos sítios que mais gostei. A praia com a vila de pescadores em cima dava um verdadeiro aspecto de postal.

Mas a paleta de cores que falo, a praia onde a vi melhor foi na Arrifana. Lá mesmo ao lado...

Olá Ana LA!

Muna

ZdT disse...

Ainda foram três noites em Monte Clérigo, com o mar como cabeceira. Lugares que conquistam sem esforço um cantinho na gaveta das memórias favoritas.

Anónimo disse...

Muna,

Que bonito, e tanta sensibilidade, sai mesmo aos seus...
Um beijinho
Mummy

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