31 dezembro 2012

Vai um gin do Peter’s?

Este tempo de Festas é tão intenso, que nem mesmo a voragem (por vezes, estafante) dos presentes, dos cartões e emails de Natal ou dos muitos jantares e encontros da época ensombram a graça especial deste período. Ainda que nos dispersem… A própria correria tem algo a ver com um sentido de Vida mais pleno, traduzido em golfadas de solicitações que nos vão despertando mais para a realidade. Nada fácil de verbalizar, pois pertence ao indizível. 

Quando os afazeres transbordam, ajuda-me rever esta tela de Rubens, que entra no telemóvel e no desktop do computador, mal chega o mês de Dezembro:


Adoração dos Magos, RUBENS, 1609, Museu do Prado
LEGENDA no site do Museu (versão anglófona): «The detail shows the Magi offering the Christ Child the gift of gold coins in Rubens’s great painting of The Adoration of the Magi. The detail reveals the artist’s daring technique: in addition to using a brush heavily charged with pigment to depict the highlights around the eye and in the hair, he also used the other end of the brush to make marks in the still wet paint in order to reinforce the curls in the hair and give them more movement. Rubens painted this work in 1609. In 1628 he returned to it, enlarging it with three wide strips of canvas and adding various figures including his own self-portrait.»

No hemisfério Norte, as noites alongam-se em crescendo, até ao solstício de Inverno, que simboliza lindamente aquela Noite histórica de há 2000 anos, em que os homens de boa vontade – de todos os recantos do planeta e de todas as gerações – foram reconhecidos e valorizados precisamente pela Boa Vontade. Coisa inédita!

Não será por acaso que tudo em volta do Natal convida a essa abertura ao próximo, levando-nos a espalhar o bem em redor.

Assim aconteceu, em Manhattan, numa noite gélida do fim de Novembro, quando um polícia ofereceu a um dos muitos sem-abrigos da Big Apple um par de botas novinhas em folha. O episódio foi gravado na câmara de uma turista e difundido na net sem os protagonistas saberem, comovendo milhares de pessoas que o visionaram no youtube: 



Num ápice, os dois ganharam estatuto de figura pública, tornando-se conhecidos pelo nome próprio: o polícia –Lawrence DePrimo; o mendigo –Jeffrey Hillman. Ironicamente, nem tudo se converteu em mar de rosas para o agora famoso mendigo da Time Square. Para não serem cobiçadas, explicou que teve de as esconder, pois poderiam custar-lhe a vida. Apesar de tudo, agradeceu ao seu benfeitor a tentativa de lhe aliviar o rigor do Inverno nova-iorquino: «Aprecio e agradeço o gesto do polícia… (e gostava que) houvesse mais pessoas como ele, no mundo». 

 O veterano de guerra com 54 anos, precocemente envelhecido após 10 anos de vida sem rumo, na rua.


A vida é tão misteriosa que mesmo ajudar quem precisa pode ser complexo e de retorno incerto… De facto, o sofrimento é gritante para demasiada gente. Por isso se percebe o grito lancinante do filósofo incrédulo e turbulento – Nietzsche (1844-1900) – muito a ver com o mistério da noite de Natal, que esteve longe de ser perceptível ou sequer acarinhado por todos os que o viveram directamente, naqueles tempos idos:

« Elevo, só, minhas mãos… ‘Ao Deus desconhecido’...
Eu quero Te conhecer, desconhecido. Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades a minha vida.
Tu, o incompreensível, mas meu semelhante»  (1864)

Num jogo de paradoxos bem expressivo, o filósofo dirige-se a um Deus que desconhece e, realisticamente, assume estar aquém do seu entendimento. No entanto, reconhece-O semelhante, pois sente-O mais próximo do que em qualquer lugar da terra: dentro de si. Na sua ânsia insaciável pelo infinito, costumava reclamar um horizonte para lá do planeta, querendo abarcar e engendrar o próprio cosmos: «É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela.». Assim dava voz (no seu estilo inquieto e q.b. vaidoso) à marca mais profunda da criação, gravada precisamente no seu íntimo…

Giro também que tenha sido este filósofo radical e excessivo a explicar o amor na versão mais radical (mas que Alguém viveu), num patamar sobre-humano: «Há sempre loucura no amor, embora também haja razoabilidade (nessa) loucura.» Assim reivindicava uma medida divina para a humanidade, procurando devolver-lhe a verdadeira estatura inscrita no âmago da natureza do homem, na tal semelhança.


Continuação de Boas-Festas a todos, desejando um Novo Ano onde nunca falte a luz mágica das estrelas, que inundam a noite de uma beleza sem fim,

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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