22 julho 2013

Korlai (Portugal no Mundo)

Cantigas de portugueses, 
São como barcos no mar
Vão de uma alma para outra,
Com risco de naufragar

(Fernando Pessoa)

Ao  incentivar casamentos de portugueses com naturais, Afonso de Albuquerque cria em todo o Oriente português raças luso-asiáticas com alma própria. Raças que através dos séculos souberam sentir e manter o que de bom receberam dos portugueses. Tendo em comum centenas de palavras de origem portuguesa,  as línguas crioulas que nasceram, tal como aconteceu no Brasil e em África formaram uma teia de intercomunicação que inundou toda a Ásia. Língua franca nos séculos XVI,  XVII e XVIII,  obriga a Companhia de Jesus (IHS) a aconselhar  que missionários estrangeiros  aprendam  português antes de embarcar. 


No Oriente cristão as práticas religiosas são feitas em português. Nomes, arquitectura, culinária, danças e cantigas ou são portuguesas ou se mescladas, fazem lembrar Portugal.   
              
João de Barros (1496-1570) autor das "Décadas da Ásia", na sua "Gramática de Língua Portuguesa" (1539) diz  que a língua portuguesa sobreviverá  aos restos materiais da presença portuguesa na Ásia! Os crioulos, são autênticos arquivos orais de cantigas e de contos lusos.

Ao ler o livro "De Chaul a Batticaloa" do texano K. David Jackson, também  autor de  "Os Construtores dos Oceanos",  professor de português em várias  Universidades Americanas, linguista, dedicado estudioso da Cultura Portuguesa no Oriente, sentimos amargura perante a indiferença política quanto aos "crioulos". Herança inestimável deixada  por Portugal, hoje considerada  Património da Humanidade! 


Em 1973, o antropólogo romeno Laurentiu Theban ao visitar na Índia a Fortaleza de Chaul construída pelos portugueses em 1534, situada 56 km a sul de Bombaim,  arrasada pelos maratas em 1739, verificou que na margem sul do rio Kundalika ( frente a Chaul) junto ás ruínas do Morro de Chaul,  existia uma comunidade que tinha como única  língua o crioulo! O provável, é estarmos perante um caso raro ou mesmo único no mundo!!

Especialista em linguista, Theban apurou que este "crioulo" falado na  aldeia piscatória  de Korlai era de origem portuguesa. Isolada há 250 anos, esquecida pelo mundo, Korlai  manteve a língua, a religião católica  e as tradições portuguesas!

Como dissemos, os crioulos no Oriente como línguas intimas, são uma teia de "entendimento". O Kristang de Malaca "entende" o Papiá de Macau!

Em korlai, na missa de Natal as pessoas ao cumprimentarem-se dizem "Bom Fest".  Em Batticaloa no Sri Lanca (Ceilão) ao despedirem-se dizem "Bom Saodi"!      
           
David Jackson ao deparar-se com o texto da canção de Korlai  "Sol já cobriu lume rica", encontrou grande semelhança á canção "Sol, Istrella maas lume" copiada em 1903 por Tavares de Melo em Colombo (Ceilão).

Em 1983 organizado por Lindley Cintra, deu-se em Lisboa um Congresso sobre a "Situação Actual da Língua Portuguesa no Mundo", onde Jerome Rosário falante do crioulo de Korlai a convite do linguista Clancy Clements recitou em crioulo o conto do "Rat su histor".

Em 1987 em Korlai, Helena de Sousa  cantou  "Maldita Maria Madulena, Maldita Firmoza".  

Monsenhor Sebastião Dalgado no seu livro "Influência do Vocabulário Português em Línguas Asiáticas", considera  "o português de Ceilão como o dialecto crioulo por excelência",  provavelmente devido ao predomínio de vocábulos portugueses na língua cingalesa.  

A aldeia de Korlai é caso único. A comunidade da Igreja de Nossa Senhora do Monte Carmelo, única congregação católica no distrito de Kobala  com cerca  de novecentas famílias a falar crioulo como língua única, levou Clancy Clements a afirmar ter havido uma "crioulização" quási  imediata com a chegada  dos portugueses entre 1515 e 1520!

Chaul, conhecida pelos gregos como "Symulla" era uma famosa feitoria comercial no Mar Índico. Hoje, coberta por densa vegetação é arquivo de ruinas e inscrições portuguesas.  



Em 1554 publicou-se em Lisboa a "Cartilha em Lingoa Tamul e Portugues" por Vicente Nazareth; em 1604  em NagasaKi  a "Arte da Lingoa de Japam pelo Jesuíta João Rodrigues " (conhecido no Japão como Tçuzu, o Intérprete); em 1640 em Rachol (Goa) a "Arte da Lingoa Canarim" por Tomás Estevão, etc. David Lopes em 1936 publica "A Expansão da Língua Portuguesa no Oriente nos Séculos XVI, XVII e XVIII".

Gerson da Cunha (1844-1900), nascido em Goa,  historiador e arqueólogo, autor de  a "Contribuição Para o Estudo da Numismática Indo-Portuguesa  confirma  a previsão de João de Barros, acrescentando apenas, que só as moedas resistem à acção do tempo. Quando estas desaparecerem  só restaram as marcas verbais que tanto enriqueceram as línguas do Oriente.

 As moedas indo-portuguesas foram cunhadas manualmente até ao reinado de  D. Luís. Cunharam-se em Goa (1510), Malaca (1511), Cochim  (1530),  Ceilão  (1598),  Baçaim e Damão  (1611),  Chaul  (1646) e Diu (1668).  Hoje raras, são do maior interesse numismático.

Em termos de aventura, a Epopeia Portuguesa é a Comunhão de Portugal com o Mar!  
    
 "Mara nutem fundu minha vida par tira" (O mar não é tão fundo que me tire a vida)                                                     

FMCN, 14 julho de 2013

     

2 comentários:

Unknown disse...

Interessantíssimo este esboço histórico sobre a presença Portuguesa na Índia

Unknown disse...

Interessantíssimo este esboço histórico sobre a presença Portuguesa na Índia

Acerca de mim

Arquivo do blogue