Dos terríveis conflitos
em que, ironicamente, o século XX foi pródigo, chegando a somar duas guerras
mundiais, nem tudo foi negativo, apesar da devastação em massa de populações e
geografias, numa escala inédita.
De facto, houve
contributos positivos das guerras do século passado (em especial, na de
1939-1945) para a evolução das mentalidades, como a mudança de paradigma no estatuto dos vencedores, onde os Estados
Unidos se destacaram, secundados pela Grã-Bretanha. De certo modo, os EUA aproximaram-se
da máxima espectacular proferida por Churchill, mas de difícil cumprimento e
nenhuma tradição na longa história da humanidade, à parte de gestos avulsos que
não fizeram doutrina: ser magnânimo na vitória. A
citação completa é: «In war, resolution; in defeat,
defiance; in victory, magnanimity.» É significativo que a II Guerra tenha ficado conhecida, no mundo
anglo-saxónica, como the last good war.
Ao centrar-se na entrada dos EUA no Japão
recém-derrotado (1945), o ponto forte do filme «IMPERADOR»(1) incide, precisamente, nesse
esforço de reabilitação do vencido e inimigo agora neutralizado, que urgia ajudar
a reintegrar no grande mosaico das nações do mundo, onde todos, sem excepção,
deviam ter voz. A delicadeza com que o povo japonês é retratado explica o
sucesso da película no Japão e o facto de Webber ter sido o primeiro realizador
estrangeiro a ser autorizado a filmar o Palácio Imperial.
Para se perceber a novidade desta atitude revolucionária
dos vencedores (ainda que nem sempre ditada pelas melhores razões), vale a pena
enquadrar o ambiente especialíssimo do final da Segunda Guerra, sobretudo no Império
do Sol Nascente.
Por contraste, no Ocidente, a partir do desembarque
no Dia D (Junho de 1944), multiplicaram-se os momentos em que as tropas aliadas
convidaram os regimentos nazis a depor as armas e a juntar-se à sua causa, de
forma respeitosa para os derrotados. Não por acaso, os prisioneiros do Reich
procuravam sistematicamente entregar-se aos americanos e esquivar-se ao
Exército Vermelho, que ia avançando pelo lado oriental, num efeito de tenaz sobre
a Alemanha.
No Pacífico, os grandes heróis foram os
norte-americanos face a uma milícia nipónica cruel, que não hesitou em recorrer
aos piores métodos belicistas para tentar afirmar o seu domínio no Extremo
Oriente. Não por acaso, ainda hoje são recordados pelas piores atrocidades
infligidas em todos os países ocupados, das Filipinas à Coreia.
Enquanto a 8 de Maio de 1945, a frente ocidental pôde
assinar a paz, dando por finda a Guerra, na Ásia os japoneses teimavam em
resistir, apesar de estarem a perder terreno desde há dois anos e sem a menor capacidade
de conter o avanço do adversário. Nem o número exorbitante de mortos causados pelos
raides americanos (Tóquio ficou arrasada nos bombardeios de Março de 45) e
pelas operações kamikases parecia demovê-los a assumir uma derrota iminente. Preparavam-se,
antes, para replicar nos mares o modelo horrendo dos kamikases, com
nadadores-suicidas destinados a impedir o desembarque americano. Mesmo em zonas
já desocupadas pelo exército japonês.
A 26 de Julho, na Declaração de Postdam, os
Aliados intimaram formalmente as autoridades japonesas a aceitar uma derrota óbvia.
Folhetos traduzidos para japonês foram largados em todo o território, a
sensibilizar a população para a teimosia suicidária dos seus governantes. Sem
resposta positiva, Truman mandou recorrer à temível arma nuclear. Hiroshima foi
o alvo e sabemos os efeitos avassaladores daquela explosão, deflagrada pelas 8h00
da manhã, da Segunda-feira de 6 de Agosto.
A 7 de Agosto, nova saraivada de panfletos
traduzidos foi lançada pelos caças americanos, incitando o povo japonês a
pugnar pelo fim da guerra. Estranhamente, os líderes japoneses continuaram sem
emitir qualquer sinal público de cedência, embora haja quem hoje defenda que
estaria em marcha o processo de rendição, só que no segredo dos deuses, sendo apenas
visível a beligerância.
A 9 de Agosto, um segundo cogumelo termonuclear arrasou
Nagasaki. Os alvos tinham sido escolhidos por serem zonas de maior pujança
económica e industrial, das poucas que ainda restavam.
Mais panfletos e mais raides aéreos, até à
rendição incondicional a 15 de Agosto, sendo assinado o armistício a 2 de
Setembro de 1945. E aqui começa o «IMPERADOR», com as cúpulas militares
dos EUA ainda a bordo do voo com destino à capital derrotada.
McArthur aproveitava os últimos minutos da viagem
para acertar com o especialista nos assuntos japoneses, o então Coronel Bonner
Fellers, os cuidados a ter com aquela gente tão exótica, delegando nele a
tarefa hercúlea de avaliar, em apenas 10 dias, a responsabilidade de Hirohito
no conflito. Era um dado crucial para decidir se deveria ser condenado como
criminoso de guerra ou amnistiado. Sentia-se bem o peso da repercussão gigantesca
de tal decisão, fosse a favor de Hirohito e contra uma maioria justiceira na
opinião pública americana, fosse contra Hirohito e abrindo uma brecha talvez
irreversível no apaziguamento do Império do Sol, para quem o Imperador era
sagrado!
Um dilema tremendo, que Fellers solucionou com
uma perícia e humanidade dignas de nota. Como é digna de nota a tolerância geral
dos oficiais americanos, a par de uma vaidade egocêntrica e individualista, mas
conciliadora e bem versátil, ainda que recorrendo, aqui e ali, a expedientes
menos rigoroso e manipulativos. Naturalmente que também havia vozes dissonantes
e mesquinhas na equipa do General. Mas estavam longe de ofuscar o carácter
aberto, generoso e vanguardista dos EUA, na posição de vencedores.
Sem quebrar o suspense, são bem interessantes os
flash-backs do filme para captar os alvores da Guerra, recuando aos primórdios
da ligação de Fellers à civilização nipónica. Tudo começou pela sua paixão soft
(nem tinha espaço para ser de outra forma), mas muito arreigada e fiel, por uma
universitária japonesa, cúmulo da doçura, da sobriedade e do pudor, na acepção
mais profunda. Características que perpassam na generalidade dos orientais que contracenam
no filme.
Muitos dos factos ali apresentados são verídicos
e todos impressionantes. As duas filas de soldados japoneses de arma em riste, perfilados
nas bermas do caminho que McArthur teria de percorrer, mal saísse do aeroporto,
levantavam as piores suspeitas, embora o oficial americano especialista naquele
país não vislumbrasse grande perigo. O facto é que o General resolveu arriscar,
escondendo o medo numa pose sobranceira e artificialmente descontraída. Assim
percorreu a célebre alameda, algo alarmado com o insólito comportamento da
guarda asiática, que ia virando as costas ao seu carro, à medida que avançava o
cortejo dos vitoriosos. Explicação de Fellers: não, não era uma desfeita aos
novos ocupantes; antes dispensavam aos americanos a veneração mais respeitosa
do seu intrincado código de honra e apenas merecida pelo Imperador, a quem nunca
deviam olhar nos olhos!
Grande parte das imagens são a preto-e-branco,
transmitindo melhor os tons pardos das cinzas que invadiam a paisagem calcinada
de um território massacrado ad nauseam.
O comportamento suave, informal e até humilde de
Hirohito com o exército norte-americano (que não apenas com McArthur) foi outra
das grandes surpresas, até mesmo (ou mais ainda) para os japoneses, em concreto para o séquito que o acompanhava naqueles encontros emblemáticos entre
um semi-deus e as milícias dos EUA.
Há decisões com um eco imenso nas gerações
futuras, capazes de mudar a forma de se exercer o poder e gerir a vitória.
Muitas nem são conscientes. Mas nesta aterragem em Tóquio havia a plena noção
do alcance do que ali fosse deliberado, transformando o rumo dos
acontecimentos. E procurou-se estar à altura do desafio histórico, sendo
forçoso gizá-lo num presente de lusco-fusco… como é frequente na condição
humana. Só que fez toda a diferença a solução ter sido encomendada a um oficial
com especial afeição por aquele país distante e bizarro, aos olhos de um
ocidental. Provou ser um óptimo ponto de partida, porque decide-se melhor
quando se respeita e gosta das pessoas. É tão mais construtivo o olhar de quem
ama! Ideal para descobrir uma rota de Esperança.
No país do oncle Sam, nos bons tempos
da faculdade.
Trailer do filme disponível no site
oficial: www.emperor-themovie.com
|
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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(1)
FICHA TÉCNICA
Título
original:
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Emperor
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Título traduzido
em Portugal:
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Imperador
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Realização:
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Peter Webber
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Argumento:
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Vera Blasi e David Klass
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Produzido por:
|
Nick Meyer e Marc Schaberg
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Duração:
|
105 min.
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Ano:
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2012
|
País:
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Japão/EUA
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Elenco:
|
Tommy Lee Jones (McArthur)
Matthew Fox (Fellers, o oficial perito no
Japão)
Erico Hatsume (Aya, a paixão de Fellers),
etc.
com percentagem elevada de japoneses.
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Local das
filmagens:
|
Japão (incluindo o Palácio Imperial!) e
Nova Zelândia
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Site oficial:
|
www.emperor-themovie.com
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