Depois da grande
exposição da Joana Vasconcelos (JV) em
Versailles (recorde de 1,6 milhões de visitantes), onde teve a maior afluência
dos últimos 50 anos, é no Palácio da Ajuda que podemos ver os seus últimos
trabalhos, bem integrados no património histórico daquela residência real(1).
Surpresa e humor serão, talvez, as notas dominantes, embora também impressione
a versatilidade das suas peças, cuja maioria se harmoniza com aquele espaço
carregado de memórias antigas.
Dir-se-ia ser uma missão
impossível a obra de JV – vistosa, extravagante e de tamanho proeminente – enquadrar-se em salões bem recheados e de
estilo marcante. In loco, percebe-se como a sua arte se soube conciliar com o
mobiliário palaciano, à parte de uma ou outra peça mais estridente e
desalinhada do conjunto.
Sobre a escala agigantada
de JV, é curioso observar que vem dos primórdios da sua criação artística, onde
o trabalho de fim de curso era de tais dimensões que pôde montar no interior um
cocktail de acolhimento aos visitantes. Acumulava assim a dupla função de entretenimento
e interacção com o público, sem se contentar com a observação à distância.
Também hoje, são várias
as instalações da JV que devem ser experimentadas e percorridas por dentro. Assim
acontece com o jardim do Éden, que se estende ao longo de uma das salas próxima
da entrada. Ou o cacilheiro (noutra exposição) que representa Portugal na
Bienal de Arte de Veneza, preparado para receber passageiros a bordo e mostrar um
rol de produtos e materiais tipicamente portugueses, da cortiça aos azulejos,
passando pelos têxteis:
Cacilheiro
antigo remodelado, que foi objecto de inúmeras reportagens
(ex:
da RTP -
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=655919&tm=4&layout=122&visual=61 |
No interior, a palete de azuis e verdes a lembrar os
fundos marinhos.
|
O humor e a imaginação
fulgurante são das suas imagens de marca. O calhambeque preto do avó, com a carroçaria
coberta de espingardas plásticas, a dar boleia a dezenas de peluches, parece
saído do Muppet Show! Estacionado no hall imenso junto à porta Sul, é um momento
hilariante da exposição, para relaxar do jogo de descoberta dos objectos da JV,
bem encaixados na decoração original do Palácio.
Outro tanto se podia
dizer do helicóptero que preenche uma das salas, recriando um cenário Walt
Disney. De facto, a componente lúdica, convidando-nos a alinhar numa charada de
detectives e ir além da visita passiva, é muito comum na artista.
O mega-coração
encarniçado, a pender do tecto de um salão, surte um efeito mais sereno e estético,
apesar da ausência de materiais nobres na sua feitura. Mas a luminosidade
translúcida e a volumetria circular e harmoniosa adapta-se maravilhosamente,
quer a décors minimalistas e modernos, quer em monumentos de séculos anteriores.
Outra das suas linhas de
força é a reciclagem de matérias pobres, kitch, claramente estranhas ao universo
elitista das artes, como as panelas metálicas das gigantescas sandálias «Marilyn»,
esplendidamente montadas de modo a formar um todo coerente, que só ao perto se
percebe não passarem de um trem de
cozinha.
Da hábil mistura do
artesanato passadista e em vias de extinção com o património etnográfico luso,
saíram peças vanguardistas e de linhas clássicas, ideais para dialogar com o
mobiliário da Ajuda. Aí se destacam as cerâmicas coloridas da Bordalo, aproveitando
uma divertida colecção de animas revestidos a crochet branco, que releva figuras
expressivas e com óptimo movimento, agora a sobressair com um rico rendilhado algo
palaciano.
Muitos outros objectos do
quotidiano e até estátuas, foram cobertas do mesmo crochet, actualmente em
desuso, mas muito enquadrável no estilo oitocentista daquela residência, onde
os têxteis ocupam lugar de destaque.
A focagem dos objectos
comezinhos, do dia-a-dia urbano, envolve também uma crítica social. É disso
exemplo a televisão sempre ligada num dos salões, ou o tal brinquedo que cumpre
excessivamente à letra o termo por que é conhecido: war game, ou a colecção infinda e consumista de gravatas a esvoaçar
num artefacto de escaparate de loja com ventoinha acoplada.
Há uns anos atrás, no
CCB, a Joana teve expostas uma colecção mais completa e, diria, ainda mais impressionante
(para lembrar, ir ao gin de 5 de Maio de 2010), com obras espalhadas pelos
jardins do Centro, de um arrojo e beleza invulgares, valendo a pena recordar o
entrançado fabuloso das varandas pombalinas, com 5m de altura:
(2010) Garrafão de 5 m de altura, tecido no rendilhado de
ferro forjado das
varandas pombalinas, que uma grua colocou no Jardim das Oliveiras. |
Entre o Palácio da Ajuda e
as muitas esplanadas a inaugurarem nos terraços da capital, Lisboa promete ser
ainda mais apetecível, este Verão.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
_____________
(1) Até 25 de Agosto: joanavasconcelos-pnajuda.pt.
Além de
Veneza, a artista está também presente numa exposição em Palma de Maiorca, na
galeria de arte Horrach Moya.
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