Durante algum tempo - não me lembro quanto, nem quando - apreciei sobremaneira a paisagem beirã / nortenha: a geografia montanhosa, as fragas, as ravinas, o serpentear dos rios no fundo de uma escarpa, a terra agreste onde a urze a custo desabrochava, como diria o Aquilino. Era como se esta geografia reproduzisse o desafio da vida - as curvas, as elevações, o eco a devolver os gritos, a altitude a deixar adivinhar um frio de rachar os ossos. A vida era agitação, procura, imediatismo, luta.
Depois - também já não sei quando - a minha alma regressou toda ao Alentejo onde passei muitos e felizes setembros: era a terra a perder de vista, o silêncio, o sossego, o ritmo lento dos dias, os castanhos da terra, os fins de tarde amenos e um tudo nada moles do fim do verão, as searas, o gerúndio local a dizer que nada se faz, tudo se vai fazendo, que não se vive, mas que se vai vivendo.
Ontem, à hora a que escrevia, regressara ao Alentejo (muito perto da Borba das minhas saudades) que me conheceu menino a viver o seu primeiro drama de amor nas cartas a que se agarrou para sempre, a crescer nos cigarros escondidos e gregários ou nas idas aventureiras a uma Badajoz onde se apreciavam os caramelos e se temia a ferocidade da guarda fiscal. Ontem, à hora a que escrevia - e apesar dos temíveis 35ºC - confirmei o silêncio, a lonjura, os castanhos, o gerúndio como única conjugação possível da nossa existência verbal.
O que preside à mudança de apreciação da natureza? Não é seguramente uma questão de idade, como se houvesse - que há! - necessidade de vida suficiente para apreciar um Rembrandt. Não precisamos de mais anos para apreciar a beleza do marão em detrimento da beleza da planície alentejana, como não precisamos de mais anos para apreciar Londres em detrimento de Paris. É possível que alguma coisa mude dentro de nós para mudarmos a forma como olhamos para a terra que nos circunda?
Em termos de natureza sou mais alentejano do que nortenho, sendo que já fui o contrário. O que mudou?
JdB
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