Faz hoje uma semana que morreu o Padre Ricardo. Nas conversas de amigos, de gente que é paroquiana do Estoril, fala-se de outras coisas, mas a morte dele surge sempre. Nas duas missas a que fui (5ªf e 6ªf) a Igreja da Boa Nova estava cheia, a deitar por fora. Muitas centenas de pessoas daqui, mas também de outros sítios; muitas dezenas de padres, diáconos, acólitos, quatro bispos, o Cardeal Patriarca. O elencar aparentemente estatístico das pessoas obedece a um critério - não o da importância da pessoa que morreu, mas das tantas e tantas pessoas que ele tocou durante as suas funções no seminário, em Santo António do Estoril, em tantos casais e em tantas famílias. Mas também da forma como morreu - uma brutalidade num homem bom, com 42 anos.
O Padre Ricardo não tinha importância institucional. Actualmente seria fundamentalmente prior de uma paróquia, com uma ou outra função. A multidão que lhe fez companhia nas duas missas de corpo presente não seguiu uma personalidade relevante a nível nacional, um pensador com créditos firmados publicamente, um candidato a qualquer coisa ou alguém que já foi qualquer coisa. As pessoas seguiram o homem Padre Ricardo Neves - o homem que dava abraços como se não nos visse há anos, que nos conhecia pelo nome, que nos identificava a história, que nos desafiava com compaixão e amor firme até às lágrimas; o homem que ria, que fazia caretas, que nos dizia uma graça provocadora e que se ria das que lhe dirigíamos; o homem que tinha uma fé inquebrantável e uma agenda de loucos.
À minha volta vi vários homens comovidos. Gente feita e direita, de barba rija, alguns com a sua dose de estragos e dramas. Para cada um destes, para cada um de nós - para mim - não morreu o prior: morreu o homem que me ouviu, que me falou, que me ensinou, talvez que comigo tenha aprendido um módico de coisa nenhuma, que me fez perguntas cujo alcance só percebi mais tarde, que preferiu a compaixão ao cumprimento estrito de um regra seca e, sei lá eu, de uma quase desumanidade árida. Não morreu, de facto, o prior: morreu o Padre Ricardo que existia em cada um de nós, que vivia com cada um de nós.
Com o desaparecimento do Padre Ricardo desaparece mais do que um interlocutor: desaparece quem me conhecia a alma e os dramas, os desejos e as alegrias; desaparece o homem mais pequeno a quem abracei forte e comovidamente depois de lhe desnudar tantas e tantas vezes a minha vida. Com o desaparecimento dele não acaba o meu mundo, mas fecha-se um ciclo na minha vida de paroquiano de Santo António do Estoril. Ainda não sei o que isso quer dizer, pelo que talvez volte ao tema.
JdB
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