Fotografia de Alfred Eisenstaed |
Já ouvi a história há alguns anos, pelo que não afianço a veracidade de nada. Kafka (?) terá estado, no fim da vida, impedido de falar, pelo que se socorria de um caderninho onde escrevia as respostas àquilo que lhe perguntavam. E o desafio, segundo este entrevistado, era imaginar o que teriam perguntado ao escritor para ele ter respondido de uma determinada forma. Folheio um caderninho onde assento frases, ideias, textos de livros que me passam pelas mãos. E leio: saber os nossos pecadilhos é uma virtude. Não sei onde li a frase, se fui eu que a pensei, se a transcrevi de forma correcta. Nem sequer estou certo de a interpretar bem.
Com excepção da confissão religiosa, onde o carácter sigiloso e tantas vezes informal facilita a revelação, temos alguma dificuldade em reconhecer os nossos pecadilhos, palavra que gosto de usar em sentido amplo: as nossas inseguranças, os nossos defeitos, as nossas adições, as nossas falhas mais graves, os nossos buracos negros que aspiram a energia luminosa que nos é oferecida todos os dias, tal como a santidade do Retrato de Mónica. Fugimos desta exposição porque tudo na vida nos impele à defesa e protecção da imagem que derivam, não de um pudor saudável, mas de uma ideia errada de força que é preciso exibir - ou fingir que se tem.
Quem sabe os meus pecadilhos? Os meus mais próximos, aqueles em quem mais confio para me ouvirem e para me ensinarem. Olho para as minhas amizades mais antigas, algumas com 40 anos ou mais; olho para outras mais recentes, mas igualmente partilhadas e militadas. Uns sabem os meus pecadilhos porque são amigos muito próximos, outros tornaram-se amigos muito próximos porque ouviram os meus pecadilhos. Significa isto que ouvir pecadilhos pode ser um ponto de chegada ou um ponto de partida.
Acima de tudo imagino a virtude que está por trás do facto de alguém saber os nossos pecadilhos. No fundo, é como convidar alguém para nossa casa e mostrar-lhe os lugares mais recônditos, aqueles lugares onde se chega por intimidade ou indiscrição. Revelar um pecadilho não é um exibicionismo de uma tara para gáudio dos presentes, como a mulher com três pernas ou o homem que sai de um canhão. É a constatação da normalidade, algo a que me aferro com pundonor excessivo.
JdB
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