Num certo e desejável sentido arquitectónico, há uma semelhança entre o Outono e uma fábrica: a estação do ano que medeia o calor do Verão e as agruras do Inverno tem uma natureza centrípeta, ou seja, voltada para dentro. Uma fábrica - a arquitectura de uma fábrica - tem de estar voltada para dentro, isto é, tem também uma natureza centrípeta. A natureza centrípeta de ambas as realidades deve-se à necessidade de interioridade, não como perscrutação da alma, mas como segurança de um corpo que se fecha sobre si mesmo para se resguardar e proteger. O carácter centrípeto é protecção, apenas.
Uma fábrica, como já o terei dito algures neste estabelecimento, é mais, muito mais, do que um alinhamento de máquinas, uma escala de trabalho, uma espaço geográfico onde se controlam efluentes gasosos ou líquidos, uma lista de vencimentos. Uma fábrica é um micro-cosmos, uma cidade - uma comunidade. É um espaço que obedece a regras próprias, onde cada elemento tem uma função própria, e esse carácter singular de seres humanos e de equipamento, não se repetindo noutras áreas da vida, repete-se indefinidamente naquela realidade. Um escritório, um atelier, um consultório, sendo espaços fundamentais para a sã convivência das pessoas com os outros e consigo próprios, não é um micro-cosmos. É um espaço onde se trabalha, se cria, se cura, se ajuda. Mas as actividades mudam de dia para dia, de minuto para minuto, de instante para instante.
Há algo no mundo que contraria a entropia para onde caminha, e que tende para a repetição. É esse carácter distintivo que lhe dá o encanto. Não se concebe uma fábrica sem a repetição sonora das bielas, dos órgãos em movimento, do atrito entre peças, dos sistemas de vácuo ou de rejeição das peças defeituosas. A protecção de uma fábrica não está na solidez dos rácios, na constâncias dos indicadores, na implementação de modernos sistemas de gestão. Uma fábrica sobrevive na, e pela, rotina das actividades e repetição dos sons, nas paredes altas - ainda que penetradas pela luz natural - que impedem, não as pessoas de sair, mas os estranhos de entrar. Uma fábrica fechada é um casulo onde as marés têm uma suave rotina, os dias se repetem e a música tem a previsibilidade dos futuros seguros. A arquitectura moderna das paredes de vidro, com um ângulo de visão rasgado de 360º, deitará por terra o sistema industrial mundial, remetendo-o à aparente modernidade que tudo iguala, dando a aparência que tudo diferencia.
O Outono é centrípeto, a música triste é centrípeta; uma fábrica eficiente é centrípeta. Tudo o que deveria ser a vida.
JdB
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