14 abril 2020

Duas Últimas

Há um bom par de anos ouvi um disco de Nina Simone - ou talvez fosse uma colectânea, não me lembro. Não sabia nada da vida dela, mas a música (no seu conjunto) pareceu-me triste e funda, independentemente do ritmo de cada uma delas. Havia ali um sofrimento qualquer, que não sabia explicar - até porque nem sequer sabia se tinha razão. Talvez fosse da interpretação, não sei.

Um destes dias dias vi um documentário sobre a vida de Nina Simone. Tendo sido educada com o intuito de ser a primeira pianista clássica negra dos EUA, viu uma candidatura a uma bolsa ser-lhe negada, exactamente porque era negra. Por necessidade de sustentar uma família pobre, voltou-se para o jazz, e daí para o activismo político mais aguerrido, o que lhe terá prejudicado a carreira. Casou com uma homem inteligente, pragmático e com sentido comercial, que quis desenvolver a carreira de Nina Simone. Bateu-lhe, violou-a, exigiu-lhe horas infindas de trabalho, terá prejudicado a vertente familiar que a cantora quis desenvolver. 

Nina tornou-se violenta, imprevisível, irascível, começando a bater na filha, a humilhá-la em público. Foi diagnosticada com distúrbios obsessivo-compulsivos e com doença bipolar. Até ao fim da vida lamentou não ter tocado música clássica, e o seu virtuosismo ficou patente na forma como se acompanhava a si própria ao piano. Toda a vida dela é uma luta contra a violência sobre os negros, sobre si própria. Talvez a música dela - que eu achei triste, funda e sofrida - fosse o resultado genial de uma mente perturbada e doente.

JdB


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