Declaração de interesses: não sou especialista em cinema. Em bom rigor não sou especialista em nada.
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Assumamos que há filmes de ficção científica e filmes de antecipação científica. Os primeiros abordam realidades do mundo da mais absoluta e desregrada imaginação, de um futuro apenas concebido, provavelmente nunca tornado realidade. Os segundos abordam realidades possíveis do futuro. Não se sabe se acontecerão, mas é possível que aconteçam. Entre uns e outros falamos de Regresso ao Futuro, Logan, Star Wars, A Origem, etc.
As novelas portuguesas, cujos nomes desconheço em grande medida, são exemplos de filmes de ficção científica. É certo que não há torres de marfim em Marte, que não há pessoas verdes ou robotizadas, que não há transmutações através da introdução de uma password numa pulseira feita de kryptonite. E, no entanto, embora as pessoas sejam de carne e osso, andem em carros actuais, se chamem Ana, Manuel, Vanda, Ulisses ou Nelson (e não Ur ou M-327) e circulem em locais que parecem do nosso tempo, nada daquilo existe, é uma ficção: ninguém vive em moradias sem entradas, ninguém vive num país onde nunca chove ou faz frio, ninguém tem pequenos almoços com sumos exóticos e bolos sempre feitos de novo. E, por outro lado, ninguém vive uma realidade onde a iluminação é sempre igual - como me disseram no outro dia, como se fosse numa cervejaria, tudo iluminado por cima. Por último, ninguém tem irmãos gémeos que desaparecem ou aparecem tardiamente, filhos que não são dos pais ou que foram roubados de um hospital, ministros que nunca trabalham.
Há umas semanas segui uma série inglesa no Canal 2 intitulada O Último Tango em Halifax. Podia falar da qualidade dos actores, mas também não precisamos de ir por aí. A trama passa-se em casas / famílias diferentes: uma família mais urbana com alguma qualidade de vida e formação académica, outra mais rural, com pessoas como menor formação / educação. O que se come em cada casa é diferente, a forma como se come é diferente, a iluminação é diferente, a forma de falar é diferente. Por último, mas não menos importante, tudo aquilo que se diz ou sente é verosímil, o que retira a série da classificação de ficção científica.
Amantes do género: vejam novelas portuguesas, porque nada daquilo se passará nunca. A verosimilhança de uma novela é nula; no fundo, tal como é nula a possibilidade de me crescerem garras de urso na ponta dos dedos.
JdB
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