Num das suas cartas a Lucíio, diz Séneca:
"Venho enviar-te uma cópia da carta que escrevi a Marulo aquando da morte de um filho de tenra idade - morte que, dizia-se, ele suportou com quase nula coragem. "
Diz a referida carta:
"Estavas à espera de consolo? Pois vais apanhar uma descompostura! Tanta cobardia tu mostras pela morte do teu filho? Que farias se tivesses perdido um amigo? Faleceu-te um filho, de futuro incerto, de pouca idade; perdeu-se apenas um breve espaço de tempo."
Aquando do preparação da petição que a Acreditar lançou sobre o luto parental, contactei várias pessoas convidando-as a serem primeiras signatárias. Era gente de vários quadrantes políticos, de várias áreas de actividade: jornalistas, escritores, gente ligada ao desporto ou às artes, músicos, políticos. Uma destas pessoas - político respeitado, ex-ministro, comentador de televisão, escreveu-me amavelmente dizendo que assinaria a petição se ela contemplasse a morte de filhos até aos 18 anos.
Eu próprio, quando começámos a discutir internamente a petição, interroguei quem me ouvia: para efeitos de dias de licença parental, a morte de um filho com 7 anos deve ser igual à de um filho de 30? A resposta foi.-nos óbvia: um filho é um filho. De uma certa forma, o ex-ministro e Séneca estão nos antípodas. A comparação tem um intuito de curiosidade, não de juízo de valor. São muitos séculos a separar um e outro.
É difícil - se não mesmo impossível - quantificar desgostos pela perda de filhos. Pessoa que conheço, que perdeu um filho muito próximo com 30 anos, talvez, acharia que o desgosto dela seria maior do que alguém que tivesse perdido um filho aos 7. Nunca o verbalizou, mas intuí-lhe sempre este raciocínio, talvez porque este filho tivesse uma importância grande ao nível da disponibilidade para a família. Havia uma dimensão instrumental importante.
O pressuposto de que filho é um filho elimina discussões e interrogações sem fim previsível: e se for um acidente ou uma doença prolongada? E se tiver 19 anos ou for recém-nascido? E se tiver 25 anos mas viver no estrangeiro, ou tiver 28 mas viver em casa?
Como presidente da Acreditar regozijo-me com a adesão à petição que lançámos e com o facto da generalidade dos partidos se ter mostrado disponível para rever a lei; como presidente de uma associação que também acompanha pais que perdem filhos teria gostado (e espero ainda vê-lo) uma discussão sobre estes temas do luto parental, da morte, do que pode fazer-se para ajudar estas pessoas que passam por um enorme drama.
Duas notas finais:
- se ainda não assinou a petição pode fazê-lo aqui.
- é impressionante o número de pessoas letradas, urbanas, instruídas, geralmente informadas, que desconhece - e se indigna com esse facto - que o Estado dá 5 dias a quem perde um filho. O mesmo número de dias que dá por morte de um sogro.
JdB
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