26 julho 2022

Dos preconceitos

Para a MFM: podia ser uma praia na Sicília, mas é apenas junto à Fortaleza de S. Tiago do Funchal 

 Ao meu lado, uma pessoa classifica socialmente as pessoas que estão num determinado local: é tudo gente gorda. Do meu outro lado, outra pessoa classifica socialmente as pessoas que estão num determinado local: é tudo gente que fala alto. O que é comum a estas duas pessoas? O preconceito. O que separa estas duas pessoas? A forma como cada uma delas sente o mundo que a rodeia.

Como muitas outras famílias, fui criado com preconceitos - no meu caso, o preconceito era contra as pessoas maçadoras. Ninguém se importava com os gordos ou com aqueles que falavam alto. Acima de tudo, o intolerável era a gente que maçava o próximo e que, numa definição particularmente feliz, respondia sempre que se lhes perguntava como estavam. O maçador era, na verdade, esse tipo de pessoas: pergunta-se como estão e respondem

De certa forma é bom comentarmos que são todos gordos ou que falam todos altos ou que são todos maçadores. Porquê? Porque nos inclui numa falha comum, a do crescimento com preconceitos: os gordos, os barulhentos, os que maçam. Sou um preconceituoso auditivo, para além do pouco amor ao próximo com que rechaço quem me maça; isto é, não me incomodam os gordos. Ao meu lado, o preconceito é visual - a pessoa não se incomoda com os gritos, incomoda-se com a adiposidade. Por mais que aleguemos saúde pública, custos para o orçamento, etc., olhar com desprezo para um obeso é tão pouco cristão como olhar com desprezo para um adulto que grita ou que partilha com voz alta o que vai almoçar nesse dia.

Passei a vida a ouvir falar dos estetas, essa raça de gente que aprecia a beleza; nunca se fala dos estetas como uma característica, mas como uma qualidade de quem dá importância ao belo. Em bom rigor, não conheço ninguém que aprecie o feio... Não gostar de gente gorda ou de gente ruidosa é uma característica com que se nasce - há gente que apreende o mundo com os olhos, há gente que apreende o mesmo mundo com os ouvidos. 

Ver o preconceito nos outros é ver a humanidade nos outros, mesmo que isso faça de nós menos boas pessoas. O que já me taquina é achar que os gordos (como eu) são os alvos a abater no séc. XXI (por causa dos estetas), mas que não faz mal partilhar a vida aos gritos, seja num elevador, numa pastelaria, ou numa praia artificial na bela Madeira.

JdB

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