- Sim, sou eu. Quem fala?
- É JdB, o editor e dono do estabelecimento.
- Diga, se faz favor. Tenho algum atraso? O Lanterna Vermelha vai ser censurado?
- De todo! Queria pedir-lhe se me dava esta 2ª feira.
- Se for preciso… Alguma razão especial? Algum texto fantástico?
- Digamos que sim. Um texto que me toca de perto. Questões familiares, sabe…
- Se o diz… Mas o que dirão os leitores, habituados ao suspense erótico das 2ªs feiras?
- Posso confidenciar-lhe uma coisa?
- Claro. Diga.
- É-me indiferente. Não quero saber deles para nada.
- A sério? Essa resposta não me parece ética. Eu, pessoalmente, fico incomodado.
- Acredito que sim. Mas ele há prioridades, sabe? E há textos que exigem publicação.
- Pela qualidade? Vou presumir que seja francamente bom.
- Há textos que valem muito. E este estabelecimento é meu, faço com ele o que me apetecer.
- Ok, chefe.
- Um Ok para si também.
***
O meu pai
Quando era mais nova dizia que o meu pai era grande, que eu tinha de olhar para cima para o ver. Hoje, isso não mudou. Continua a ser grande, muito mais alto; continuo a olhar para cima para o ver, mas com a certeza de que olho, também, para o céu .
O facto de dizerem que as mulheres acabam por casar com pessoas iguais aos pais não é um mito. Era exactamente o que eu queria, casar-me com alguém que fosse como o meu pai, com as mesmas qualidades e com alguns dos mesmos defeitos. Não pode ser mais divertido rir-me com um homem de que todos os meus amigos têm medo pelo tamanho, que tem um bigode que se parece vagamente com o do avô Cantigas e um peso que, tal como me disse, ronda os três dígitos. Ou os quatro.
Estava eu em arrumações quando encontrei papéis da escola a falar sobre a família. Engraçado como ainda hoje encontro semelhanças entre o que escrevi em 1991 e 2009. O pai é lindo e leva-me ao Cascaishopping; o pai é grande; o pai dá beijinhos; o pai cozinha o jantar e tem um avental; o pai chama-me gorda.
Se não fosse o meu pai, não sei o que era de mim. Da paciência para me ouvir, da ajuda a corrigir os meus textos, do incentivo para todos os trabalhos, dos passeios, dos anos e anos de praia em que selvaticamente era atirada à água quando pedia para não o fazer, dos beijinhos todos que me fizeram ficar tão mimada, de todas as vezes, passe o cliché, que o meu pai me levantou quando eu estava triste.
Nos dois meses que o meu pai viveu no Zimbabué, todos os dias falou comigo, todos os dias quis saber de mim, todos os dias quis ouvir-me a contar histórias que podiam não ter interesse nenhum, através de uma internet que não podia ser pior.
Quando o meu pai for velhinho, hei-de pô-lo no melhor lar de todos, mesmo que seja caro. Vou-lhe dar sempre razão, mesmo quando o meu pai disser que não se diz vou-lhe dar, mas sim vou dar-lhe.
Sei que os amigos posso escolher, os amigos são a minha família por opção; a família em que eu nasci não a posso trocar, mas, sabem que mais? Por mais que eu discuta com o meu pai, por mais que ele refile comigo, eu adoro o meu pai, não o trocava por nada, mesmo que pudesse escolher.
Tivemos muitos azares na vida, já nos aconteceram muitas coisas más, mas sei que não vamos parar e preenche-me a vida e enche-me o coração saber que eu consigo fazer o meu pai feliz.
Aprendi muito com ele e, qualquer parte de generosidade que possa ter, aprendi com os exemplos que me rodeiam, de tantas vezes ouvir que o braço da compaixão tem de ser maior do que o braço da justiça.
Este é o meu pai, de quem eu tanto me orgulho. Mesmo que um dia esteja senil ao ponto de me confundir com a Betty Feia e espirrar ervilhas pelo nariz.
Teresa, a bruxa do pai.
6 comentários:
Que coincidência, Teresa: também adoro o seu pai!
Rita F.
Boa Teresa!
Temos de "soltar a baiana". Pode ser para o mau, para as zangas, para as fúrias, mas, acima de tudo,para elogiar, acarinhar e dizer aos outros o quanto gostamos e precisamos deles.Junto-me a si e à RF, eu também gosto muito do seu pai. Beijos e espero vê-la aqui mais vezes.
Parabéns Teresa,
Nem imagina como gosto deste seu "desabafo". Sinto-a mais fortalecida, com um ânimo parecido com o do seu pai. Espero continuar a ser testemunha desta tão próxima e querida relação!
Beijinhos.
Teresa,
Parabéns, pelo menos a veia de escritora já a herdou do seu Pai.
É bom ver jovens a escrever assim.
Gostava de ter tido tempo de escrever um texto assim ao meu.
Eu continuo a olhar e falar com o meu Pai em "bicos" dos pés.
Mas tem graça o meu marido é muito parecido com o meu Pai, nos valores, pricípios e é um lutador nato.
Teresa escreva-nos mais vezes, por favor.
Até breve
As afirmações que o dono deste estabelecimento proferiu para aniquilar o calor da Laterna Vermelha, só tu Teresinha, só tu flor do paizinho. De facto, JdB
Dalhegas,Cris, Tia Rita, Ana e Fofinha Rita, muito obrigada. Tenho a certeza que vou voltar a escrever. Beijinhos, Teresa
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