27 outubro 2009

O banco de jardim

O cenário sugeria romance. Mãos dadas, palavras suspiradas, olhos apaixonados e a cabeça adormecida tombada no ombro.


Era um banco de jardim, daqueles verde-garrafa, posto no meio da relva, de frente para o lago onde alguns patos pediam umas migalhas de pão. Com quatro pés e corações esculpidos a canivete, igual a tantos outros por esses jardins fora.


Serviu de esconderijo a primeiros beijos nervosos e atrapalhados. Recebeu casais apaixonados que ali passavam tardes em silêncio. Testemunhou juras de amor eterno, que para uns não durou mais que meia dúzia de dias, mas que para outros durou uma vida inteira. Ajudou gestos românticos grandes e sonoros que envolviam um anel de vários quilates e um trio de violinos, ou gestos pequenos como uma flor apanhada num canteiro vizinho. Co-compôs um sem-número de baladas de isqueiro e co-escreveu poemas sobre o azul do céu, o brilho dos olhos e todos esses assuntos importantes para uma alma em estado de graça.


Mas a cena a que assistia agora tinha, ao invés do habitual, pouco de romântico. Ela chegou mas ele não. No seu lugar estava uma carta fechada com o destinatário rabiscado à pressa. Ela abriu-a e leu em voz alta, para o banco também ouvir.


Conta lá onde os escondeste? Fechaste-os a sete chaves no peito, ou largaste-os ao vento para o alguém os apanhar? Em que gaveta da memória ficaram eles trancados? Podes ficar com as noites em branco, com as mágoas afogadas em gelo e limão, com os minutos que gastámos em silêncio, mas os beijos quero-os de volta. Esses são meus.


E foi assim que o banco de jardim, habituado a finais felizes, conheceu o amargo sabor de um fim de romance.


SdB (III)


2 comentários:

Anónimo disse...

Estava a ler esta história e lembrei-me duma cena do Notting Hill, em que o Hugh Grant e a Julia Roberts fogem para um jardim, como os há tanto em Londres, rodeado por um gradeamento... não sei porquê. Triste mas muito bem escrito. pcp

arit netoj disse...

A sua escrita promete!
Gostei Muna, continue.
Beijinhos

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