13 outubro 2009

O caubói

Puxou as rédeas e o cavalo parou de imediato. Tinha sido um dia cansativo, para ele e para o cavalo. Mas este nunca abrandou o passo, seguiu sempre a galope em direcção a Oeste. O dono saltou para o chão, passou-lhe a mão pelo focinho e encheu o balde com água. Era um Mustang castanho, daqueles nascidos e criados debaixo do sol abrasador do deserto que leva muitos homens à loucura de verem o que não existe.

Depois de lhe dar de comer e de beber, o caubói encostou-se a uma pedra. O sol já se punha, e o calor que ferve durante o dia dá lugar a um vento mais frio que vem de Norte. Mas, muito desse calor é agarrado pelas pedras que pouco a pouco o vão deitando cá para fora durante a noite. Era por isso que ele procurava sempre um sítio rochoso para dormir e fugir ao frio.

Estava a meio caminho do seu destino, uma cidade de que tinha ouvido falar. Não sabia o nome, apenas que, andando para Oeste, era a primeira no mapa. Prometeram-lhe que lá encontraria facilmente trabalho e uma cama. Ouviu também dos bordéis com as mulheres mais bonitas de todo o Oeste, e dos saloons com o melhor whisky da América. Por isso ia para lá o mais rápido que conseguia. Se dependesse dele, continuaria a cavalgar durante toda a noite, mas, no escuro, a orientação tornava-se mais difícil. Decidiu então parar e esperar que o sol nascesse.

Tirou o chapéu da cabeça e pousou-o no chão virado para baixo. Com o lenço que levava ao pescoço limpou o resto de suor da testa e pendurou-o num ramo seco. Tirou o revólver do coldre, um .38 tipicamente americano, abriu o tambor e deixou cair as balas no chão. Soprou para tirar a poeira que durante o dia fica presa nos cantos mais apertados, e limpou o cano por dentro e por fora. Nunca tivera de o usar, mas não queria arriscar a que no dia em que o chamassem a um duelo a arma encravasse nas mãos. Não seria uma pedra ou poeira teimosa que lhe assinariam a sentença de morte.

Puxou do cachimbo e do tabaco. Encheu um copo com Jack Daniels, o seu amigo mais fiel, e bebeu tudo de um trago. Pensava nos saloons, com um piano desafinado em que qualquer um se sentava para tocar, e nos balcões compridos do bar onde canecas de cerveja iam deslizando de um lado para o outro. Imaginava-se a conhecer a mulher mais bonita da cidade, presa contra vontade por um bandido sem sentimentos. E esse, derrotá-lo-ia num duelo, ganhando a donzela. E assim ia enganando o tempo até adormecer, entre whisky, sonhos e nuvens de fumo.

Uma buzina estridente tocou, e tanto o caubói como eu acordámos. Ainda com os olhos meios fechados olhei pela janela e percebi que tinha chegado ao Cais do Sodré. Dormira durante a viagem toda. No comboio das 07:07 da manhã o melhor a fazer é sonhar. Tirei o iPod do bolso para ver o que estava a tocar. Não só tinha sonho, como banda sonora.

SdB (III)

1 comentário:

Lina Arroja (GJ) disse...

Deixei-lhe um convite que talvez lhe agrade...:-)

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