Há uns anos, correu nas salas de
cinema do Brasil, e depois na Internet, o chamado anúncio branco, com um fundo imaculado e apenas um texto (em filme,
apenas com voz off) a declarar que se trata de publicidade, mas sem nenhum dos
ingredientes atractivos, como o bebé rechunchudo ou a top model fantástica, uma
paisagem de sonho ou um sketch cómico. Isto, porque o produto nem precisa de
promoção, pois já é desejado universalmente, gratuito, inesgotável,
parcialmente acessível a todos e indispensável à vida. Aliás, é condição sine qua non da qualidade-de-vida. Apenas uma particularidade:
depende de cada um, começa em /por cada um. Surpreendidos?
Então sigam o caminho sugerido por um
dos maiores publicitários brasileiros, que também calha a ser o mais premiado
do mundo – Washington Olivetto(1), que recomenda aos comunicadores focados na persuasão para apanharem as
oportunidades oferecidas pela realidade, sem cedências oportunistas. No fundo,
basta deixar os factos rolar, pois a sua
profissão exige andar antenado com o meio ambiente:
Claro que ajudará bastante dispor de um
produto capaz, embora tudo volte a complicar-se se o produto for demasiado extraordinário
ou hiper conhecido, ameaçando anular qualquer efeito externo de promoção,
frustrando qualquer tentativa de diferenciação e de identidade. Nada menos do
que isso enfrentou Olivetto, recorrendo a uma solução hábil. O sucesso mediático
não se fez esperar. O spot é maximamente expressivo, original e cativante. Mas terá
mudado atitudes? Uma questão praticamente impossível de responder. Ainda assim,
aqui vai o conteúdo do anúncio branco, o filme e depois o texto:
·
Neste anúncio não
figura nenhuma mulher de biquíni
· não figura nenhum
cachorro,
· não figura
nenhuma criança,
·
e não figura nenhum
bébézinho.
·
Este anúncio não tem
qualquer casal,
· não há beijos,
·
e não há famílias a
tomar café da manhã.
·
Este anúncio não tem
música de sucesso,
· não tem efeitos
especiais,
·
e não tem nenhuma
tartaruga a jogar à bola.
·
Este anúncio não tem
gente famosa,
· nem garotos
propaganda.
·
Porque este anúncio
é para vender um produto
·
que ninguém precisa
ser convencido a comprar...
· que todos adoram
consumir
· e que, por sinal,
· ...todos já
comprámos,
·
só que não estão a
proceder a entregas
·
É um produto sem
marca,
· não tem slogans,
· não tem
embalagem,
·
nem faz promoção do
tipo “leve 3, pague 2”.
·
Este anúncio é todo
branco,
· e por esse
motivo...
·
pode ser
compreendido em todo o mundo.
·
Aliás, seria
fantástico se este anúncio...
·
pudesse passar no
mundo inteiro.
·
Porque o produto que
este anúncio quer vender é a...
· ...PAZ!
·
...e enquanto quem
precisa comprar a PAZ não compra,
· faça assim:
·
Pegue no “stock” de
PAZ que ainda tem em casa
· e...use no
trânsito,
·
use nas filas do seu
dia a dia,
· use no elevador,
· e use no futebol.
·
PAZ ...é um produto
interessante!
· Porque quanto
mais usar,
· mais vai ter.
·
E se toda a gente
usar
·
quem sabe...talvez
chegue um dia
· em que ninguém
mais
· precise fazer um
anúncio...
· para vender a PAZ
Bem realistas os conselhos, actuais e
pragmáticos. Gira, a recomendação de pegar no stock que ainda haja… Era difícil
pedir maior expressividade a uma mensagem concebida para um público tão amplo.
Apetece fixá-la, sair de casa com ela, logo pela manhã, até porque nos é
obviamente favorável, além de se auto-alimentar. Género ovo de Colombo,
estranhamente desperdiçada e ignorada, a mais das vezes.
A própria vida de Olivetto dava um filme,
que aliás vai ser realizado a partir de uma incrível experiência vivida no
final de 2001, ao ser raptado num estádio de futebol e ficar sequestrado
durante um par de meses, enclausurado entre quatro paredes.
Seguem alguns exemplos de imagens da
publicidade impactante de Olivetto, com evidente efeito de rastilho, a
conseguir reabilitar ideias gastas.
De facto, porque não há-de ser deslumbrante aquela dupla muito antiga e austera de a «Ordem e o Progresso», se
permitir melhorar substancialmente um país gigantesco?
ALERTA – não é certo que esta publicidade seja de
Olivetto, embora tenha afinidades com o seu tipo de abordagem
positiva.
Porque não hão-de ser relaxantes e,
sobretudo, dispor bem aqueles assuntos que associamos a papelada chata e
perigosamente encriptada? Mas se desencantarmos uma boa solução, não será um
sossego?
É também curioso observar quanto a
publicidade está imergida na sua época, i.e., quanto os publicitários adoptam a
máxima de Olivetto e acabam antenados
na sua contemporaneidade. O risco deste excesso de actualidade é que poucos marketeers resistirão ao teste do tempo
e conseguirão falar às gerações vindouros. Ou seja, estarão condenados ao efeito efémero,
completamente imediatista. Um caso paradigmático é o anúncio publicado nos EUA,
no primeiro quartel do século XX, para combater o alcoolismo. As mentalidades
(e os critérios estéticos) alteraram-se a ponto de hoje aquela campanha
oferecer uma leitura oposta à pretendida, apenas conseguindo fazer-nos rir. Hoje
seria um rotundo fracasso:
Conhece
alguém que deixasse de beber por causa do aviso dado por este grupo?
Em última instância, o maior desafio
para um comunicador de marketing será adoptar uma linguagem capaz de alcançar o
futuro, com traços de universalidade que sempre encontrem eco nos homens de
todos os tempos… Acredito que seja o caso do comercial em favor da paz. Ou até
do fabuloso e divertido spot da Johnnie Walker, com o Rio de Janeiro por
cenário:
Concluindo com o principal no interpelativo
anúncio branco: quem sabe até onde nos poderá levar o empenho de cada um pela
Paz?
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2
semanas)
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(1) Galardoado com mais de 50 Leões
no Festival de Cannes, é Presidente da WMcCann do Brasil e CEO da McCann
Worldgroup América Latina e Caraíbas.