04 dezembro 2012

Duas últimas

Mantenho-me no fado.

Por vários motivos nunca fui grande leitor de poesia. Era um estilo de literatura pouco habitual em minha casa de solteiro, onde adquiri o gosto pela leitura, e assim se manteve durante muito tempo. Hoje leio moderadamente, embora goste de poesia, tendo aprendido muito com aquela que o meu querido amigo gi aqui postou durante larguíssimos meses. Infelizmente, não sei ler, isto é, faz-me falta a atenção ao pormenor, à mensagem, à alegoria; faz-me falta uma certa calma - sou demasiado imediatista, demasiado rápido, demasiado ignorante. Precisava que me ensinassem, mas já não sei se não me falta também uma certa sensibilidade... Para isto contribuiu, também, o fado que vou ouvindo há muitos anos. Na generalidade das letras que foram cantadas no fado há rima, há métrica, há um certo ritmo - tudo parece mais óbvio. Estou certo de que a minha mente se habituou, preguiçosamente, a esta facilidade. 

Hoje esta qualidade é evidente, mas desde o tempo da Amália que se canta poesia bonita. Nem todo o fado falava de toiros, de hortas, de milordas e guizalhadas, de gente entrevadinha, de crianças doentes ou de amores desfeitos. Abstenho-me do lugar-comum de evidenciar o que Amália fez pela poesia nacional...

Junto seguem dois fados (de que gosto muito) com as respectivas letras. É do disco Busto, de Amália, seguramente um dos melhores dela. As letras são de Álvaro Duarte Simões (Algemas) e de Luís de Macedo (Asas Fechadas).  O segundo fado tem a particularidade - muito bonita - de ser também acompanhado ao piano por Alain Oulman, autor da música.  

JdB




Algemas

Escravos errantes da vida

E da angustia de viver

Somos a imagem esbatida

Do que nós quisemos ser.

Corta-se embora a corrente

Que nos prende ao que é vulgar

No final tudo é diferente

Do que queremos alcançar.

Sem saber porque vivemos

No mistério de existir

Nem mesmo ao sorrir esquecemos

A mentira que é sorrir.

Desde sempre que conheço

Porque a vida me ensinou

Que o riso é sempre o começo

Do sorriso que findou.

Prendo o mundo nos meus braços

Quando me abraças nos teus

E por momentos escassos

A terra dá-nos os céus.

A vida fica suspensa

Do nada que a fez nascer

E esse nada recompensa

A tortura de viver.


***



Asas Fechadas

Asas fechadas
São cansaço ou queda
Pedra lançada
Ou vôo que repousa
Em meu sorriso a minha entrega
Que meu olhar não ousa...

Asas fechadas
Dizem dois sentidos
Ambos iguais
Inversos verticais
No teu sorriso só pressinto
Um sofrimento mais...

Asas fechadas
Desce quem subiu
Buscar a terra
É ter falhado o céu
Nos sorrisos indecisos
Outro sonho nasceu...

Asas fechadas
Sonho ou desespero
Ponto final
Ou ascensão sem par
Nestes sorrisos espero
Por não saber chorar...

É prudente o silêncio
De quem só sabe sonhar...

2 comentários:

Anónimo disse...

Identifico-me imenso com o que escreve sobre poesia. Muito bem observado. Obrigada. pcp

Anónimo disse...

Eu também!
Não conhecia nenhum dos fados (ignorância a minha....) e gostei.
Abr
fq

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