22 abril 2014

Do auto-conhecimento

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão

Não faço receitas de cozinha para as tascas do futuro (frase que me acompanha há décadas e cujo autor desconheço).

***

Pouco há nos EUA que me entusiasme. Eu sei que a generalização é ridícula e não me fica bem. A América é suficientemente grande e díspar para ter tudo e o seu contrário. E no entanto não está no meu top ten de destinos turísticos, nem sequer o povo americano, em toda a sua diversidade, me entusiasma por aí além. Tanto assim é que, nas minhas relativamente vastas viagens, só me abalancei a Nova Iorque (o que fiz por duas vezes) cidade que em bom rigor não é americana, mas de todo o mundo. Num rigor ainda melhor, conheço apenas Manhattan... 

Ora, é esse pequeno bairro urbano e tão caro de uma certa filmografia que me suscita uma inveja: a psicanálise (ou outra ferramenta quejanda, que não sou especialista na matéria). Gostava de ser nova iorquino para ter um psiquiatra, pese embora considerar-me uma pessoa bastante normal e minimamente equilibrada. Mas entusiasma-me a ideia de me estender semanalmente num sofá e contar coisas, enquanto ao lado, sentado numa cadeira de espaldar direito para não ser invadido pelo torpor, um especialista me explica quem eu sou - e quem era o Édipo. 

Ultimamente, por motivos que me são formalmente extrínsecos, tenho vindo a conversar sobre auto-conhecimento. Quem me conhece sabe que o tema me é caro mas, no caso em apreço, eu não era o protagonista. Ao longo de vários dias, a momentos esparsos, o tema foi aflorado: vantagens, desvantagens, incapacidades, necessidades, urgências. Ao longo dos últimos mais de dez anos tenho vindo a falar sobre o tema. Melhor, tenho vindo a praticar o tema. Fruto do que sou e de quem me vai rodeando nesta última década e qualquer coisa não precisei de recorrer a especialistas, não contratei ninguém que me dissesse que portas se fecharam ou abriram a desoras na minha infância. Outros mo foram dizendo para igual satisfação minha.

Perceber porque motivo nos atrai mais isto do que aquilo, porque descrevemos oralmente e por escrito de forma radicalmente diferente, o que significam algumas procuras que nos pareciam ser coisas fortuitas, o que traduzem comportamentos actuais à luz de uma determinada juventude e adolescência é um exercício não só bom, como divertido. Todos nós deveríamos ter, em algum momento, alguém que nos explicasse alguns aspectos da vida: a forma como olhamos para os outros, o modo como nos relacionamos, os motivos por trás das nossas fragilidades ou das nossas forças. Esta auto-análise faz de nós pessoas melhores? Não sei. Talvez nos pacifique com a realidade e, quem sabe, nos torne mais tolerantes. Cito o escritor: tout comprendre c'est tout pardonner

Alguém me dizia que um dos factores que pode inibir a introspecção é o encontro com aquilo que mais valia estar fechado no escuro... E não obstante deveríamos persistir, não temer, enfrentar a nossa negritude interior, se ela existir. Ou explorar a nossa luminosidade, se for esse o caso. Sobretudo perceber o motivo por trás de alguns dos nossos excessos, das nossas peculiaridades, dos nossos desdobramentos interiores; descortinar porque fazemos o que fazemos, e como fazemos; entender porque uma parte do que somos se deve à forma como crescemos e, com isso, melhorar o nosso mundo - que por vezes não é mais do que o fundo da nossa rua.

Monólogos, que eu não faço receitas de cozinha para as tascas do futuro. Nem para as de ninguém... 


JdB   


  

6 comentários:

Anónimo disse...

«Self-knowledge cannot be gathered through anybody, through any book, through any confession, psychology, or psychoanalyst. It has to be found by yourself, because it is your life; and without the widening and deepening of that knowledge of the self, do what you will, alter any outward or inward circumstances, influences - it will ever be a breeding ground of despair, pain, sorrow. To go beyond the self-enclosing activities of the mind, you must understand them; and to understand them is to be aware of action in relationship, relationship to things, to people, and to ideas. In that relationship, which is the mirror, we begin to see ourselves, without any justification or condemnation; and from that wider and deeper knowledge of the ways of our own mind, it is possible to proceed further; then it is possible for the mind to be quiet, to receive that which is real.»

"um dos factores que pode inibir a introspecção é o encontro com aquilo que mais valia estar fechado no escuro..."
Nada do que a vida gera vale a pena ficar fechado no escuro. Mesmo que nós pensemos que não presta. E depois, isso é o primeiro passo para a denegação, a ilusão, em última análise, para a cegueira e, sei que como católico terá uma ideia diferente em relação a isto que vou dizer mas, quanto a mim, temos apenas uma vida - esta - para arrancarmos a venda dos nossos próprios olhos.

v

Anónimo disse...

Viver no presente é bem mais prudente do que a revisitação ou antecipação, é que o passado e o futuro são tempo a mais, demais, há sempre o perigo de lá se ficar prisioneiro...

ACC disse...

Partilho consigo o (des)gosto pelos EUA. Conheço mais do que NY, diverti-me,vi coisas que só se podem ver por lá, mas não voltarei.
Uma das razões porque nunca gostei de estar em Nova York foi o facto de sentir que era transparente. Essa transparência só tem importância porque é também através do outros que nos conseguimos ver e conhecer. É através dos outros que nos percebemos, que reflectimos sobre o efeito das nossas acções. É ouvindo os outros que descodificamos os sinais e desmontamos os nosso nós, porque reflectir sós, com a nossa matriz, com as nossas cognições, com o nosso próprio e único pensamento pode ser destrutivo, incompleto e acima de tudo ineficaz.
Talvez seja por isso que os NYorkers precisem tanto de um divã que os oiça e que lhes diga - afinal tu és pessoa e há outros tantos como tu à tua espera.
Em oposição, nós os latinos, somos mais gregários, mais "metediços na ceara alheia", sabemos de tudo da vida de todos e damos beijos e abraços. Não resolve, mas ajuda.
Obrigada por mais uma das suas reflexões que obriga a parar uns minutos para pensar.

arit netoj disse...

Acima de tudo é bom tentarmos dar sentido a este puzzle que é a vida e aprendermos o tal 'para quê?' de que você tanto fala... Bj agradecido

ahniziv disse...

“Psychoanalyses is like music lessons, for 5 years you do not notice any progress and suddenly you can play the piano. ”
Woody Allen

I wish I could "help"
(suspiro)
See you.. we'll be talking about Freud someday..
;)

https://www.youtube.com/watch?v=6uF7Ai-o1fY

While there's a moon over Savoia Street...
Boa noite, ohniziv

LA disse...

O auto conhecimento nao e' um objectivo mas um meio para atingir um fim - felicidade, potencial, servico aos outros, etc.... (fill the blanks. E' sempre mais agradavel olhar para a nossa luz interior, actividade contemplativa e aprazivel. Olhar para a nossa negritude (shadow na linguagem dos psicanalistas) e' bem mais dificil. Trazer a shadow to light e' obra!

Acerca de mim

Arquivo do blogue