Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão |
Era muito ao princípio da manhã quando recebo uma mensagem via telemóvel. Era para dizer que morreu... Dentro de mim há uma espécie de alívio pelos descendentes directos, um dos quais faz parte da minha lista de proximidades muito grandes. Era uma pessoa já com uma certa idade, com uma saúde muito fragilizada, que pouco reconhecia o mundo em seu redor. Estivemos juntos em muitas festas, em muitas ocasiões mais ou menos formais, porque fizemos parte da mesma família, mesmo que fosse por afinidade. Há uma espécie de passado que (me) desaparece, mesmo que as memórias perdurem nas pessoas que cá ficam e que me dão o gosto da sua amizade.
Olhar para este caso - como olhar para muitos semelhantes - não é vislumbrar apenas uma pena, um sossego, uma saudade na alma dos que a sentem mais. Olhar para este caso é ver também a dedicação das pessoas, a abnegação, o sentimento de protecção pelos mais frágeis, a cara alegre num coração magoado ou numas pernas cansadas. É assim que eu vejo a F., de quem sou muito amigo há muitos anos, com quem conversei, com quem ri, com quem aprendi; com quem fui ao fundo dos temas, porque era lá que encontrávamos o interesse das coisas.
***
Uma hora depois recebo um telefonema: estou em choque! Sabias que... Apoderou-se de mim um sentimento de espanto, de incredulidade, de pena. Já não falávamos de uma pessoa fragilizada pela idade e pela doença, mas de um jovem com trinta e poucos anos, desaparecido em cima de uma moto numa rua qualquer do Estoril. Também com ele convivi durante muitos anos, nas mesmas ocasiões mais ou menos formais, porque fizemos parte da mesma família, mesmo que fosse por afinidade.
Gostava muito dele. Gostava mesmo muito dele e tinha a sorte de o encontrar aqui e ali, em actividades beatas a que ambos estávamos ligados, nomeadamente à feitura semanal do boletim de Santo António do Estoril. É por isso que reproduzo o que sobre ele escrevi para o boletim deste domingo.
“Estou em choque! Sabias que...?”.
Num instante, que não é mais do que um fio de
cabelo, despedimo-nos de uma pessoa sem a termos visto. Fica-nos uma memória,
uma saudade. E fica-nos também, porque somos feitos de fragilidade humana, uma
dimensão de injustiça.
Morre
cedo o que os deuses amam, é uma frase de uma
sabedoria antiga. A nós, como cristãos, resta-nos a certeza de que o Deus em
que acreditamos ama todos por igual e que, não o tendo querido levar, porque
isso são contingências da vida terrena, o receberá de braços abertos.
O boletim nasceu também com o Francisco.
Durante todos estes números redigiu o propósito e o pensamento da semana. Vinha
quando era chamado, para tudo tinha uma prontidão, uma graça e um acrescento
que valorizavam a conversa e a decisão. Cada um o lembrará à sua maneira,
porque cada um o viu com olhos próprios. Era um homem de fé, de princípios, de
convicções. Era um rapaz bom, que se fez ministro da comunhão para servir.
Rezaremos todos por ele, estou certo. Mas
também rezaremos pelos que cá ficam, que choram a perda prematura e que
percebem o desafio de encontrar o sentido para este desaparecimento.
O Francisco está no céu, a olhar por todos nós.
***
No espaço de pouco mais de uma hora, talvez, sou informado do desaparecimento de duas pessoas que eram familiares entre si - embora de gerações diferentes - usavam o mesmo apelido, se cruzavam nas festas de família, a quem me ligavam laços de amizade, ainda que de formas diferentes.
O mundo é um lugar estranho. E não é seguramente justo.
JdB
2 comentários:
O mundo e a natureza são completamente alheios ao conceito de justiça, que é todo man-made, concebido pelo intelecto humano para consumo do intelecto humano.
Subscrevo na íntegra o que disse alguém (anónimo) acima.
a.
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