Sábado passado levei uma filha ao altar. Dispensarei pormenores do dia solarengo, da satisfação dos noivos, do divertimento de todos, do meu discurso de cachecol do Belenenses ao pescoço (contrariando muito vagamente uma opção clubística, já que toda a gente gosta do clube do Restelo) da alegria de ter na minha mesa três amigos que, somada a duração das amizades, ultrapassa o século.
Às tantas falava com pessoas próximas cujas filhas tinham tido primeiros casamentos muito curtos. Meses num caso, dois anos noutro. A primeira vítima de um abandono, a segundo co-vítima de uma escolha desacertada. Ambas as raparigas, ainda que em estágios diferentes, recompuseram a sua vida - ou estão em vias de - com relacionamentos que poderão durar uma vida. E depois, como sempre, vem-me à lembrança gente que me é próxima e que passou pelo mesmo - um insucesso curto seguido de um sucesso longo.
Infelizmente, estes insucessos curtos ou são dolorosos ou marcam para a vida. O acesso ao sacramento do matrimónio tem um sinal de proibido, a menos que haja declaração de nulidade dos primeiros casamentos - solução a que nem todos podem, ou mesmo querem, recorrer. O mundo é-lhes por isso injusto (ou potencialmente injusto, vá...) em particular quando a educação cristã que tiveram as impele a uma vida religiosa tão completa quanto possível. É como começar uma maratona já com um joanete infectado... Bem podemos falar entusiasticamente de comunhão espiritual, que todos sabemos ser insuficiente para uma plenitude de prática que passa pela comunhão. Porque foi assim que crescemos - a comunhão é o culminar de tudo.
O sínodo da família, convocado pelo Papa para Outubro deste ano, proporá soluções para algumas situações tipificadas. Ao que tudo indica, os processos da vulgarmente chamada anulação de casamento serão tornados mais fáceis, transformando-os numa espécie de divórcio religioso. Não o escondo: a via ortodoxa é-me muito mais simpática porque, não eliminando as declarações de nulidade, acolhe as que não se enquadram nesse figurino. Dá uma segunda oportunidade a pessoas que as querem verdadeiramente.
A igreja tem um caminho para fazer. Como sempre, fá-lo-á de forma lenta, ponderada, sustentada, sem presunção de agradar a todos, porque a universalidade é um desafio. Talvez fizesse uma sugestão (uma graça, apenas, pois ninguém, felizmente, me ouve): que acabassem com a palavra 'adultério'. E a seguir com a ideia de 'uniões irregulares'. Um segundo casamento longo, onde há amor, estabilidade, luta pelo sucesso do projecto, educação dos filhos para a ética e para a atenção ao próximo, pode ser apelidado de irregular, ou ser composto por adúlteros? As palavras não valem todas o mesmo e há expressões que são particularmente agressivas, revestidas de um rigor legislativo que aleija.
JdB
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