É sobejamente conhecido que, lá fora, os portugueses dão cartas. Será qualidade das chefias? Ou do ambiente de trabalho mais bem estruturado e de meritocracia? Ou por serem os mais empreendedores a sair? Embora sejam razões que ajudam a explicar um caso ou outro, não se aplicam a todos, até porque muitos dos portugueses bem-sucedidos singram em mercados caóticos e nada profissionais, bem mais desestruturados do que o português, como acontece em países em vias de desenvolvimento, no Extremo Oriente, no continente africano ou na América Latina.
Um exemplo feliz da geração talentosa de portugueses, reconhecidos além-fronteiras, é o criativo Hugo Veiga, radicado num dos BRIC há 10 anos – o Brasil. Distinguiu-se pela co-realização (juntamente com Diego Machado) do filme mais visto no youtube, em 2014, aguentando-se em 2015 numa honrosíssima quinta posição. O apelo da curta-metragem é interpelativo e até pedagógico, procurando contrariar a imagem negativa que uma percentagem incompreensivelmente elevada de mulheres tem de si próprias: 96%! Para fazer contravapor a essa falta de auto-estima, em 2013, a Dove lançou a campanha Real Beauty Sketches com um objectivo cristalino, apostado em prestar um serviço extraordinário a mais de metade da humanidade: «Imagine a world where beauty is a source of confidence, not anxiety. Women are their own worst beauty critics. In fact, only 4% of the women around the world consider themselves beautiful. Dove is committed to building positive self-esteem and inspiring all women and girls to reach their full potential. That’s why we decided to conduct a compelling social experiment that proves to women something very important: you are more beautiful than you think.» É aqui, no âmago do problema, que entra o publicitário português, a quem foi confiado o script da campanha dita de sensibilização social.
Incisivo, Hugo filmou um duplo retrato de várias das mulheres que contribuíram para o estudo: primeiro, o esquife feito a partir do descritivo das próprias marcado pela fealdade; segundo, o esquife correspondente ao descritivo de homens que desconheciam as fotografadas, para permitir uma abordagem mais objectiva. Em 99% dos casos, o segundo é bem mais favorável às retratadas. O êxito do filme valeu-lhe o prémio de Melhor Copywriter do mundo, no prestigiado Festival Internacional de Publicidade, em Cannes. Faria se tivesse somado os votos dos psicólogos e das famílias das equivocadas…
Para Hugo são «Retratos falados»,
primeiro pela própria, depois por
terceiros, com diferenças abissais.
Difícil de acreditar que são da mesma pessoa.
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A causa deste erro de percepção parece dever-se, sobretudo, ao padrão de beleza demasiado restritivo, feito à medida das top models do momento e das actrizes preferidas dos fotógrafos, mas arruinante para a maioria das mulheres. Propriamente a curta-metragem:
À boleia, vão um par de ditos expressivos do criativo português sobre o melhor e o pior que já ouviu: «Nunca irás conseguir.», bastante alinhado com o pior que já lhe disseram: «Não te dês ao trabalho… está no papo.» Sobre o melhor e pior em Portugal, nem hesitou: «O melhor? Portugal é como um Sunquick. Um concentrado que rende muitos copos. Temos praias, serras, planícies e diferentes microclimas separados por parcas centenas de quilómetros que redem diferentes tipos de paisagens, sabores, arquitecturas e sotaques. O pior são as lamentações (dos portugueses).»
Em matéria de humor, Portugal também dá cartas, num estilo próprio, sem a universalidade dos Monty Python mas nem por isso desinteressante. Sabemos como a língua portuguesa é rica, permitindo tantas nuances que há quem goste de a considerar traiçoeira. A rábula a propósito da crise mostra bem a elasticidade do português. Ao menos, a língua continua riquíssima, imune a qualquer crise e demais desvarios despesistas. Segue o retrato muito caricaturado da crise, sem ofensa para os inúmeros enclaves de indigência que persistem no planeta:
Os padeiros não têm massa
Os talhantes estão feitos ao bife
Os criadores de galinhas estão depenados
Os pescadores andam a ver navios
Os fabricantes de cerveja perderam o seu ar imperial
Os cabeleireiros arrancam os cabelos
Os futebolistas baixam a bolinha
Os jardineiros engolem sapos
Os coveiros vivem pela hora da morte
Os sapateiros estão com a pedra no sapato
Os cavaleiros perdem as estribeiras
Os pintores carregam nas tintas
Os agricultores confundem alhos com bugalhos
As costureiras não acertam as agulhas
Os aviadores caem das nuvens
Os sobrinhos andam "Ó tio, ó tio"
E a maioria mantém o bom humor, apesar das dificuldades!
Com todos os desafios que Portugal ainda tem pela frente, o privilégio de contar com gente fantástica a criar novos serviços, novos produtos, novas empresas por esse mundo fora – hoje cada vez mais interligado – é uma óptima notícia. Sem dúvida, o melhor cartão de visita, a melhor bandeira do país. Aqui, valia a pena ouvirmos, por exemplo, a Maria João Pires fazer chorar o piano num dos assombrosos Nocturnos de Chopin. Mas a prioridade é para os minutos finais da Quarta Sinfonia de Joly Braga Santos – o Hino à Juventude, com a parte coral que não ficou audível no link enviado num gin anterior. Apesar de ser uma gravação muito artesanal, dá uma ideia do final apoteótico da ária do compositor, que foi reconhecido em vida, dentro e fora de Portugal:
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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