14 outubro 2015

Dos verbos

Palácio Nacional de Queluz, Outubro de 2015

Percebo bem o que está por trás da frase mais vale ser do que ter mas, confesso, acho-a estafada, por ser usada a torto e a direito por quem anda torto e anda direito... Por outro lado, o povo diz que mais vale sê-lo do que parecê-lo. Nesse sentido, ter e parecer são dois verbos que retratam posições perante a vida e que parecem gozar do mesmo estatuto algo depreciativo. Devemos ser mais do que ter e ser mais do que parecer. Ser é tudo, e talvez o pior  seja parecer ter... Por outro lado, há gente que gosta de por a mão na massa e que sobre isso se regozija. Sou mais pessoa de fazer, por oposição aos que não fazem ou, sendo mais de pensar, não geram resultados práticos e visíveis. Ou ainda que dizem eu é mais educar, sendo que isso significa dar instruções, palmadas, incutir rotina e disciplina, já que o oposto de educar parece ser deixar os filhos à rédea solta. 

Num âmbito algo diferente, os meus setembros adolescentes foram passados numa quinta de primos e amigos onde durante muitos anos não havia luz eléctrica e, por isso, não víamos televisão. Além do mais nem sabíamos que um dia surgiriam os computadores ou as redes sociais ou os telemóveis. Quando nos perguntavam o que lá fazíamos durante um mês inteiro, respondíamos com uma filosofia antes do tempo: não se faz nada, e isso é que é bom. Está-se, é-se, fica-se. Pretendíamos ter graça mas, sem o sabermos, três verbos reproduziam com fidelidade o que eram aqueles fins de verão à sombra dos plátano e de um carteiro que trazia cartas escritas em letra jovem e, quiçá, apaixonada.

Não sei - porque ando moído dos neurónios e a lucidez já teve melhores dias - se estamos habituados a caracterizar o que somos ou o que são os outros através de verbos. Nem sequer sei qual a vantagem por trás deste exercício. Em vez de dizer que fulano é gordo, afirmar que fulano é mais de comer. Ou caracterizar alguém preguiçoso como beltrano é mais de se encostar.  Não usar adjectivos que são uma arma potencialmente letal.

Gosto das pessoas que dizem ser, orgulhosamente, pessoas de fazer.  O verbo fazer é moderno, traduz um desejo de eficiência, de optimização dos recursos, de estudo da árvore de perdas ou de análise de uma estrutura de custos. O oposto de fazer é não fazer, e não, como se poderia invocar positivamente, fazer outro tipo de coisas. Quem faz produz e quem não faz não produz. Porque quem faz usa os braços que são a extensão de um cérebro em torvelinho. Quem não faz pode usar a cabeça, mas é apenas uma vénus de milo dos tempo modernos. 

Hoje, à hora a que escrevo este texto, sou mais pessoa de me apatetar.

JdB    

1 comentário:

Anónimo disse...

Também gostei muito desta sua meditação.
Obrigada!

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