Por tudo o que me deste:
— Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
— Obrigado, obrigado!
Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!
Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
— Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: — Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!
Carlos Queirós, in 'Obra Poética'
***
Desaparecido
Sempre que leio nos jornais:
«De casa de seus pais desapar'ceu...»
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.
Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.
Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto do arrependimento.
Eu, que pudesse, enfim, ser eu!
- Livre o instinto, em vez de coagido.
«De casa de seus pais desaparceu...»
Eu, o feliz desapar'cido!
Carlos Queirós, in 'Desaparecido'
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