12 setembro 2018

Vai um gin do Peter’s?

UMA BIBLIOTECA PARADISÍACA E FESTIVA,  NA ÁUSTRIA

Com o palmarés de maior biblioteca monacal do mundo, o mosteiro beneditino de Admont alberga uma colecção portentosa de manuscritos e incunábulos medievais, num espaço de sonho, que mais se assemelha a um salão de baile. Reúne ainda um acervo científico que vale pela antiguidade e diversidade. 

O nome «ad montes» explica a beleza da paisagem onde foi implantada a abadia, coroada pelas montanhas da periferia do parque nacional austríaco –  Gesäuse National Park

No Inverno, domina a paisagem branca

Com o degelo, o rio Enns retoma a sua cor esmeralda

Fundada em 1074, pelo Arcebispo de Salzburgo, nasceu e permaneceu, durante séculos, um centro pujante de vida espiritual, cultural e intelectual, percebendo-se por que os mosteiros foram os embriões das universidades europeias, enquanto focos de acumulação de saber, investigação e intensa «produção editorial», assegurada pelos monges-copistas. 

Desde cedo que a abadia de Admont assumiu também uma veia pedagógica, com a raridade de ter aberto as portas a alunas, em geral, filhas de nobres. Vários dos seus abades foram académicos de renome e escritores pródigos [ex: Engelbert de Admont (1297–1327); Albert von Muchar]. Ali, as monografias pulularam como cogumelos. E, durante séculos, alojou as faculdades de filosofia e de teologia, além de um liceu aberto a estudantes de ambos os sexos. Mais tarde, liceu e universidade foram transferidos para as povoações populosas das redondezas. 

Na linha da frente das ofensivas turcas à Europa, a Áustria viveu tempos conturbados, no final da Idade Média, que também afectaram a abadia. Mas tudo se inverteu com a Batalha de Lepanto (1571) contra o sultão e a Contra-Reforma. Em meados do séc.XVI, Admont voltou a florescer. Nos dois séculos seguintes chegou a distinguir-se pela produção artística [ex: do eclesiástico bordador Benno Haan (1631–1720) ou do escultor Joseph Stammel (1695–1765) ].

Em pleno século XVIII, o barroco fez escola no mosteiro, marcando a última versão da soberba biblioteca, que foi a única parte do grande edifício a resistir a um incêndio deflagrado em 1865. Por sorte, a ala “livresca” e respectivo acervo salvaram-se integralmente. Compunha-se de mais de 1400 manuscritos, datando o mais antigo da Fundação da abadia (séc.XI), além de cerca de 900 incunábulos e mais de 200 mil volumes. Para lá do tesouro bibliográfico, o próprio espaço é incrivelmente bonito, num estilo faustoso pouco a ver com as linhas austeras do exterior e nada consentâneo com a sobriedade e penumbra das bibliotecas dessa altura: 

As galerias contíguas estendem-se ao longo de 70 metros, por 14m de largura e 13 de altura, com espaço para mezzanine

Em Admont, a arquitectura irrompe com garbo, partilhando o protagonismo com o tesouro editorial ali guardado. Superabundam as abóbodas, as colunas, os medalhões de bronze, as esculturas monumentais de Joseph Stammel, as grades douradas e um chão atapetado com um padrão multicolor de lajes de mármore. 

A decoração sumptuosa acentua o carácter festivo de um lugar onde a memória do saber faz questão de se afirmar com pompa e circunstância (1), bem nos antípodas do recato das grandes bibliotecas antigas (muitas também lindas, como a da Universidade de Coimbra).
   
Os salões brilham também pela claridade espantosa da meia centena de janelas – uma raridade em bibliotecas de Setecentos

Concebida, em 1776, pelo arquitecto barroco Joseph Hueber, tem os tectos preenchidos pelos frescos de Bartolomeo Altomonte, a mostrar as várias etapas da aprendizagem humana até ao apogeu proporcionado pela revelação divina.  

Zoom sobre os frescos de Altomonte

No conjunto, prevalecem o dourado e o branco para celebrar os ideais do Iluminismo, que pretendiam ser clarificadores, sustentados por uma razão esclarecida.

Ainda hoje, a abadia (reconstruída no séc.XIX) continua a ser habitada por monges beneditinos, que preservam a sua história milenar, ao mesmo tempo que a quiseram abrir à modernidade. Através do programa «Artists in Residence», dão guarida às obras dos artistas mais novos, provando que o passado se pode harmonizar com o presente. Pela arte, lançaram pontes entre gerações distantes, replicando a fórmula ousada da esplendorosa biblioteca monacal de Admont.

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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