Não pretendo justificar aqui a inconstância em geral, e menos ainda a que vem só da ligeireza; mas não é justo imputar-lhe todas as transformações do amor. Há um encanto e uma vivacidade iniciais no amor que passa insensivelmente, como os frutos; não é culpa de ninguém, é culpa exclusiva do tempo. No início, a figura é agradável, os sentimentos relacionam-se, procuramos a doçura e o prazer, queremos agradar porque nos agradam, e tentamos demonstrar que sabemos atribuir um valor infinito àquilo que amamos; mas, com o passar do tempo, deixamos de sentir o que pensávamos sentir ainda, o fogo desaparece, o prazer da novidade apaga-se, a beleza, que desempenha um papel tão importante no amor, diminui ou deixa de provocar a mesma impressão; a designação de amor permanece, mas já não se trata das mesmas pessoas nem dos mesmos sentimentos; mantêm-se os compromissos por honra, por hábito e por não termos a certeza da nossa própria mudança.
Que pessoas teriam começado a amar-se, se se vissem como se vêem passados uns anos? E que pessoas se poderiam separar se voltassem a ver-se como se viram a primeira vez? O orgulho, que é quase sempre senhor dos nossos gostos, e que nunca está saciado, sentir-se-ia infinitamente lisonjeado por um novo prazer; a constância perderia o seu mérito: deixaria de fazer parte de uma ligação tão agradável, os favores actuais teriam o sabor dos primeiros favores e as recordações não fariam a menor diferença; a inconstância seria desconhecida e as pessoas amar-se-iam sempre com o mesmo prazer, porque teriam sempre os mesmos motivos para se amarem. As transformações da amizade têm mais ou menos as mesmas causas que as transformações do amor: as suas regras são muito semelhantes. Se um tem mais alegria e prazer, a outra deve ser mais serena e mais severa porque nada perdoa; mas o tempo, que muda o humor e os interesses, destrói-os quase do mesmo modo. Os homens são demasiado fracos e demasiado mutáveis para suportar muito tempo o peso da amizade. A Antiguidade deu-nos os exemplos; mas no tempo em que vivemos, pode afirmar-se que é ainda menos impossível encontrar um amor verdadeiro do que uma verdadeira amizade.
La Rochefoucauld, in 'Reflexões'
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