Naquele tempo, depois de Jesus ter atravessado de barco para a outra margem do lago, reuniu-se grande multidão à sua volta, e Ele deteve-Se à beira-mar. Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Ao ver Jesus, caiu a seus pés e suplicou-Lhe com insistência: «A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva». Jesus foi com ele, seguido por grande multidão, que O apertava de todos os lados. Ora, certa mulher que tinha um fluxo de sangue havia doze anos, que sofrera muito nas mãos de vários médicos e gastara todos os seus bens, sem ter obtido qualquer resultado, antes piorava cada vez mais, tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e tocou-Lhe por detrás no manto, dizendo consigo: «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada». No mesmo instante estancou o fluxo de sangue e sentiu no seu corpo que estava curada da doença. Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo. Voltou-Se para a multidão e perguntou: «Quem tocou nas minhas vestes?» Os discípulos responderam-Lhe: «Vês a multidão que Te aperta e perguntas: ‘Quem Me tocou?’» Mas Jesus olhou em volta, para ver quem O tinha tocado. A mulher, assustada e a tremer, por saber o que lhe tinha acontecido, veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade. Jesus respondeu-lhe: «Minha filha, a tua fé te salvou». Ainda Ele falava, quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga: «A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?» Mas Jesus, ouvindo estas palavras, disse ao chefe da sinagoga: «Não temas; basta que tenhas fé». E não deixou que ninguém O acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga, Jesus encontrou grande alvoroço, com gente que chorava e gritava. Ao entrar, perguntou-lhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu; está a dormir». Riram-se d’Ele. Jesus, depois de os ter mandado sair a todos, levando consigo apenas o pai da menina e os que vinham com Ele, entrou no local onde jazia a menina, pegou-lhe na mão e disse: «Talitha Kum», que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te». Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos. Ficaram todos muito maravilhados. Jesus recomendou-lhes insistentemente
que ninguém soubesse do caso e mandou dar de comer à menina.
Viajo para o Kruger com colegas de voluntariado internacional. É gente que vem da Malásia, Nova Zelândia, Austrália, Índia, Chile, Grécia, Inglaterra. Acabamos os safaris e algumas pessoas dizem entusiasmadas: this is life changing. A primeira reacção é achar que life changing são outras coisas, bem mais importantes do que ver o elefante ou o rinoceronte. Talvez eu também o tivesse pensado, porque em 2008, quando estive no Zimbabwe por dois meses, também fiz isto, e também vi o elefante ou o rinoceronte. Fui revisitar o que então escrevi:
Fazer um game viewing é muito mais do que ver a girafa, o mocho, o ginete ou o hipopótamo. É estar ali, onde tudo se passa, ver o mato e a savana, o espaço e a cor (sempre as mesmas referências), o cheiro e a luz, o sol a pôr-se por trás das acácias, a brisa do fim da tarde a agitar as folhas do mopane, o calor confortável do meio do dia a contrastar com o frio tremendo da noite, a paisagem verdejante ou desoladoramente lunar. Fazer um game viewing é sentir, também, a frustração de não ter visto o leopardo, o único dos big five que não se quis mostrar… O que fizemos foi mais do que encontrar bicharada escondida numa ramagem, a assomar por detrás de uma árvore, a escapulir-se na margem de um rio seco.
E terminava com uma realidade que não encontrei no Kruger, e que tantas saudades me fez.
Por último, mas não menos importante, fazer um game viewing também é sair do jipe e, na orla de um charco, à vista de uma bola amarela que se põe no fio do horizonte, beber um gin and tonic, e realizar que nem tudo se perdeu neste país que já se chamou Rodésia.
Percebo bem o que disseram as minhas amigas da Austrália ou do Chile: this is life changing.
Há mulheres que dizem: Meu marido, se quiser pescar, pesque mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como 'este foi difícil' 'prateou no ar dando rabanadas' e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo. Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.
Percebo bem o que está por trás da frasemais vale ser do que termas, confesso, acho-a estafada, por ser usada a torto e a direito por quem anda torto e anda direito... Por outro lado, o povo diz quemais vale sê-lo do que parecê-lo. Nesse sentido,tereparecer são dois verbos que retratam posições perante a vida e que parecem gozar do mesmo estatuto algo depreciativo. Devemossermais do queteresermais do queparecer.Seré tudo, e talvez o pior sejaparecer ter... Por outro lado, há gente que gosta de por a mão na massa e que sobre isso se regozija.Sou mais pessoa de fazer, por oposição aos que não fazem ou,sendo mais de pensar, não geram resultados práticos e visíveis. Ou ainda que dizemeu é mais educar, sendo que isso significa dar instruções, palmadas, incutir rotina e disciplina, já que o oposto de educar parece ser deixar os filhos à rédea solta.
Num âmbito algo diferente, os meus setembros adolescentes foram passados numa quinta de primos e amigos onde durante muitos anos não havia luz eléctrica e, por isso, não víamos televisão. Além do mais nem sabíamos que um dia surgiriam os computadores ou as redes sociais ou os telemóveis. Quando nos perguntavam o que lá fazíamos durante um mês inteiro, respondíamos com uma filosofia antes do tempo:não se faz nada, e isso é que é bom. Está-se, é-se, fica-se. Pretendíamos ter graça mas, sem o sabermos, três verbos reproduziam com fidelidade o que eram aqueles fins de verão à sombra dos plátano e de um carteiro que trazia cartas escritas em letra jovem e, quiçá, apaixonada.
Não sei - porque ando moído dos neurónios e a lucidez já teve melhores dias - se estamos habituados a caracterizar o que somos ou o que são os outros através de verbos. Nem sequer sei qual a vantagem por trás deste exercício. Em vez de dizer quefulano é gordo, afirmar quefulano é mais de comer. Ou caracterizar alguém preguiçoso comobeltrano é mais de se encostar. Não usar adjectivos que são uma arma potencialmente letal.
Gosto das pessoas que dizem ser, orgulhosamente, pessoas de fazer. O verbofazer é moderno, traduz um desejo de eficiência, de optimização dos recursos, de estudo da árvore de perdas ou de análise de uma estrutura de custos. O oposto defazerénão fazer, e não, como se poderia invocar positivamente,fazer outro tipo de coisas. Quem faz produz e quem não faz não produz. Porque quemfazusa os braços que são a extensão de um cérebro em torvelinho. Quemnão fazpode usar a cabeça, mas é apenas uma vénus de milo dos tempo modernos.
Hoje, à hora a que escrevo este texto, sou maispessoa de me apatetar.
Traçar o papel das ilusões na génese das opiniões e das crenças seria refazer a história da humanidade. Da infância à morte, a ilusão envolve-nos. Só vivemos por ela e só ela desejamos. Ilusões do amor, do ódio, da ambição, da glória, todas essas várias formas de uma felicidade incessantemente esperada, mantêm a nossa actividade. Elas iludem-nos sobre os nossos sentimentos e sobre os sentimentos alheios, velando-nos a dureza do destino. As ilusões intelectuais são relativamente raras; as ilusões afectivas são quotidianas. Crescem sempre porque persistimos em querer interpretar racionalmente sentimentos muitas vezes ainda envoltos nas trevas do inconsciente. A ilusão afectiva persuade, por vezes, que entes e coisas nos aprazem, quando, na realidade, nos são indiferentes. Faz também acreditar na perpetuidade de sentimentos que a evolução da nossa personalidade condena a desaparecer com a maior brevidade. Todas essas ilusões fazem viver e aformoseiam a estrada que conduz ao eterno abismo. Não lamentemos que tão raramente sejam submetidas à análise. A razão só consegue dissolvê-las paralisando, ao mesmo tempo, importantes móbeis de acção. Para agir, cumpre não saber demasiado. A vida é repleta de ilusões necessárias. Os motivos para não querer multiplicam-se com as discussões das coisas do querer. Flutua-se então na incoerência e na hesitação. «Tudo ver e tudo compreender», escrevia Mme. de Stael, «é uma grande razão de incerteza». Uma inteligência que possui o poder atribuído aos deuses de abranger, num golpe de vista, o presente e o futuro, a nada mais se interessaria e os seus móbeis de acção ficariam paralisados para sempre. Assim considerada, a ilusão aparece como o verdadeiro sustentáculo da existência dos indivíduos e dos povos, o único com que se possa sempre contar. Os livros de filosofia esquecem-no por vezes.
Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse aos seus discípulos: «Passemos à outra margem do lago». Eles deixaram a multidão e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado. Iam com Ele outras embarcações. Levantou-se então uma grande tormenta e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água. Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada. Eles acordaram-n’O e disseram: «Mestre, não Te importas que pereçamos?» Jesus levantou-Se, falou ao vento imperiosamente e disse ao mar: «Cala-te e está quieto». O vento cessou e fez-se grande bonança. Depois disse aos discípulos: «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?» Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros: «Quem é este homem, que até o vento e o mar Lhe obedecem?»
Dar amor, já sei. Mas não funciona. Mostrar piedade, já sei. Mas não funciona. Eliminar o Eu, já sei. Mas não funciona. Acabar com a cobiça, já sei. Mas não funciona. Dar a outra face, já sei. Mas não funciona. Viver o presente (e não o futuro nem o passado), já sei. Mas não funciona. Que fazer, então? Não sei. E não funciona. roger wolfe fazer o trabalho sujo tradução de luís pedroso língua morta 2020
Em 2024, ano do 150º aniversário do nascimento de um dos escritores-jornalista mais divertidos e famosos do seu tempo, vale a pena revisitar um par de reflexões antológicas de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936). Embora algumas tenham uma aparência banal, contêm uma profundidade e lucidez únicas, que interpelam pelo raciocínio cristalino e por boa dose de humor. Através dos escritos (80 livros e infindáveis artigos de imprensa) e saídas lapidares, o inglês influenciou Gandhi e muitos outros da sua geração. Os seus paradoxos mordazes e certeiros lembram Oscar Wilde em versão mais solar. Exemplos (citados no original):
«Without education, we are in a horrible and deadly danger of taking educated people seriously.
The devotee is entirely free to criticise; the fanatic can safely be a sceptic. Love is not blind; that is the last thing that it is. Love is bound; and the more it is bound the less it is blind.
I am not absentminded. It is the presence of mind that takes me unaware of everything else. [em resposta às suas famosas e frequentes distracções]
Angels can fly because they take themselves lightly.
I’ve searched all the parks in all the cities and found no statues of committees.
The poets have been mysteriously silent on the subject of cheese.
An adventure is only an inconvenience rightly considered. An inconvenience is only an adventure wrongly considered.
The Bible tells us to love our neighbours and also to love our enemies; probably because they are generally the same people.
To have a right to do a thing is not at all the same as to be right in doing it.
Literature is a luxury; fiction is a necessity.
A good novel tells us the truth about its hero; but a bad novel tells us the truth about its author.
Fairy tales do not tell children that dragons exist. Children already know that dragons exist. Fairy tales tell children that dragons can be killed.
Do not be so open-minded that your brains fall out.
Drink because you are happy, but never because you are miserable.
If there were no God, there would be no atheists.
Art, like morality, consists of drawing the line somewhere.
Fallacies do not cease to be fallacies because they become fashions.
The Christian ideal has not been tried and found wanting. It has been found difficult: and left untried.
It is absurd for the Evolutionist to complain that it is unthinkable for an admittedly unthinkable God to make everything out of nothing, and then pretend that it is more thinkable that nothing should turn itself into everything.
The thing I mean can be seen, for instance, in children, when they find some game or joke that they specially enjoy. A child kicks his legs rhythmically through excess, not absence, of life. Because children have abounding vitality, because they are in spirit fierce and free, therefore they want things repeated and unchanged. They always say, “Do it again”; and the grown-up person does it again until he is nearly dead. For grown-up people are not strong enough to exult in monotony. But perhaps God is strong enough to exult in monotony. It is possible that God says every morning, “Do it again” to the sun; and every evening, “Do it again” to the moon. It may not be automatic necessity that makes all daisies alike; it may be that God makes every daisy separately, but has never got tired of making them. It may be that He has the eternal appetite of infancy; for we have sinned and grown old, and our Father is younger than we.»
Para incutir esperança num mundo atribulado por guerras ferozes e ameaças de ataques nucleares à Europa, Francisco convocou os humoristas para um brainstorming no Vaticano, confiando nos seus talentos para descobrirem brechas de luz nos contextos mais sombrios e espalharem ânimo, alegria: «vocês têm o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Vocês estão entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de diferentes gerações e origens culturais. (…) À sua maneira, vocês unem as pessoas, porque o riso é contagioso. É mais fácil rir juntos do que sozinhos: a alegria permite a partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a quebrar as barreiras sociais, a criar conexões entre as pessoas. Permite-nos expressar emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura partilhada e a criar espaços de liberdade. Vocês lembram-nos que o homo sapiens também é homo ludens; que a diversão e o riso são fundamentais para a vida humana, para nos expressarmos, aprendermos e darmos significado às situações (do dia-a-dia)… Continuem a animar as pessoas, especialmente as que têm mais dificuldade em encarar a vida com esperança. Ajudem-nas, com o sorriso, a ver a realidade com as suas contradições e a sonhar com um mundo melhor. É mais fácil ser trágico do que cómico. Obrigado por fazerem as pessoas rirem e também por rir de coração… Quando fazem alguém sorrir, Deus também sorri.»
Mais de uma centena de comediantes no Vaticano, na manhã de 14 de Junho, que comentaram com humor o encontro: «It was like a meeting of every poorly behaved kid in church» (Jim Gaffigan). «We are all looking at each other (entre americanos) and thinking, something is wrong. We are in this beautiful space in the Vatican and for some reason they have let comedians in, which is always a mistake” (Conan O’Brien).
Whoopi Goldberg à esq. e Luciana Littizzetto à esquerda.
Nesse encontro, coube à comediante italiana Luciana Littizzetto proferir a chamada ‘oração do bom humor’, redigida pelo autor da Utopia, no recuado século XVI:
Oração do bom humor
Senhor, dai-me uma boa digestão, mas também algo para digerir. Dai-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para mantê-la. Dai-me, Senhor, uma alma santa, que saiba aproveitar tudo o que é bom e puro, e não se assuste diante do pecado, mas encontre o modo de colocar de novo as coisas em ordem. Dai-me uma alma que não conheça o tédio, as murmurações, suspiros e lamentos, e não permitais que sofra excessivamente por essa realidade tão dominadora que se chama “Eu”. Dai-me, Senhor, sentido de humor! Dai-me a graça de entender as piadas, para que conheça na vida um pouco de alegria e possa comunicá-la aos outros. Assim seja.»
Sir Thomas More
Quantos comediantes são exímios a revelar a perspectiva mais desintoxicante da realidade, que escapa à maioria dos olhares. Quantos conseguem mostrar o ângulo de onde melhor se confirma existir um ‘copo meio cheio’. Quantos correspondem ao retrato benigno descrito pelo Papa, como semeadores de esperança. Quantos ajudam a acordar nos outros o sentido mais profundo do amor, do perdão, da fé, da esperança segundo a definição lapidar de Chesterton: «To love means loving the unlovable. To forgive means pardoning the unpardonable. Faith means believing the unbelievable. Hope means hoping when everything seems hopeless.»
Maria Zarco (a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
Contam-me que o responsável dos serviços secretos de um país particularmente feroz foi em Lisboa aos fados. Não falava uma palavra de português e, mesmo assim, comoveu-se. A história repetiu-se com duas raparigas canadianas (não afianço a nacionalidade) que, numa casa de fados, choraram, não entendendo porém a letra.
Que o fado é confessional já o sabemos, porque fala do que existe em cada um de nós, de tudo o que povoa a história da nossa vida: a alegria, a traição, o ciúme, a desgraça, o engano, a festa. O confessionalismo vem-lhe da transmissão de um estado emocional. É por isso que o homem que mandou matar inimigos do estado - ou que os matou sem um módico de remorso, nos tempos em que sujava as mãos - se comoveu, não percebendo o que significam duas lágrimas de orvalho / caíram nas minhas mãos / quando te afaguei o rosto / pobre de mim pouco valho / p'ra te acudir na desgraça / p'ra te valer no desgosto.
Anteontem postei neste estabelecimento Sílvia Pérez. Ontem ouvi-a durante o dia, nos intervalos do que exigia concentração. Voltei a ouvi-la, voltei a ouvi-la. E voltei a ouvi-la. Quando dei por mim percebi que ela cantava para eu a ouvir, e que a música que posto abaixo, toda cantada em catalão - que não domino - não só tinha sido escrita para mim, como contava a história toda da minha vida: as alegrias vividas, as tristezas, os ciúmes malditos, as festas, as gargalhadas sonoras, as lágrimas partilhadas. Quando ela canta eu sou o chefe dos serviços secretos e também as duas amigas canadianas e todos os outros que por esse mundo fora se comovem com o que não entendem, mas que lhes entra directamente no coração.
Dois pormenores de enorme importância: quando Sílvia solta o cabelo, ao 1'36", e quando Sílvia chora, comovida, porque acabara de nos contar a história da sua vida. Mesmo que não o tivesse feito.
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita». Jesus dizia ainda: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Em que parábola o havemos de apresentar? É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer, e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra». Jesus pregava-lhes a palavra de Deus com muitas parábolas como estas, conforme eram capazes de entender. E não lhes falava senão em parábolas; mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.
Estive durante três dias num Hotel no Dubai. Parte substantiva das pessoas que lá estavam hospedadas eram ingleses provenientes de cidades laboriosas e industriais: pessoas muito tatuadas, com piercings, a tomar o pequeno almoço com chapéu de pala voltado para a nuca ou levar a boca ao prato, porque esse movimento é mais confortável do que levar um talher à boca.
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Há alguns anos, numa festa semi-pública, fui-me apresentar a um ex-jogador de futebol, bastante mais novo do que eu, que era conhecido da minha filha. Ao ver-me aproximar dele, o jovem levantou-se e apertou imediatamente um botão do casaco.
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O que têm estas duas referências em comum? Uma certa ideia de educação. Ou, talvez para ser mais preciso, uma certa forma visível de educação - uma certa cultura traduzida em gestos.
A minha geração / rede social ou familiar foi educada numa série de gestos - ou ausência de gestos - que eram considerados manifestações de boa vontade. Alguns exemplos: não se estava de chapéu em casa, não se dançava com uma rapariga a fumar ou a beber, não se falava com uma pessoa de respeito com um casado desabotoado, não se almoçava ou jantava - ainda que fosse numa esplanada - de tronco nu. Também não se comia de boca aberta e era o talher que ia à boca, não a inversa.
Alguns hábitos mantêm-se, nomeadamente os que traduzem uma certa consideração por pessoas de mais respeito, como dar o lugar a alguém idoso. Por outro lado, como se explica a um jovem que não se fala com uma senhora com casaco aberto, ou que não se dança com uma rapariga a beber uma mini pelo gargalo, ou que não se toma o pequeno almoço com um chapéu de pala voltado para a nuca?
Muitos gestos que traduzem uma certa educação são detalhes. Apertar um casaco para falar com alguém de respeito, apagar um cigarro antes de dançar com uma rapariga, ou tirar o chapéu dentro de casa são pormenores estéticos. Se formos confrontados com um jovem rebelde a nossa capacidade de argumentação é fraca. Se me perguntarem: mas porque é feio estar de chapéu de pala voltado para a nuca, o que é que respondo? Como se explica a estética num mundo que privilegia o funcional? Em bom rigor, qual é o mal de estar de chapéu dentro de casa? Nenhum! Qual é o mal de estar de casaco aberto a falar com uma senhora? Nenhum! São pormenores estéticos que num certo tempo traduziam uma educação, ou um respeito por alguém.
Como se explica o detalhe ou a estética a quem não lhes dá importância?
Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço cruzado, ainda suada e esbraseada do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com uma terrina a fumegar. E o Melchior, que seguia erguendo a infusa do vinho, esperava que suas Incelências lhe perdoassem porque faltara tempo para o caldinho apurar… Jacinto ocupou a sede ancestral – e durante momentos (de esgazeada ansiedade para o caseiro excelente) esfregou energicamente, com a ponta da toalha, o garfo negro e a fusca colher de estanho. Depois, desconfiado, provou o caldo, que era de galinha e recendia. Provou – e levantou para mim, seu camarada de misérias, uns olhos que brilharam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: – “Está bom!”
Estava precioso: tinha fígado e tinha moela; o seu perfume enternecia; três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.
– Também lá volto! – exclamava Jacinto com uma convicção imensa. – É que estou com uma fome… Santo Deus! Há anos que não sinto esta fome.
Foi ele que rapou avaramente a sopeira. E já espreitava a porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija moça de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o sobrado – e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominava favas!… Tentou todavia uma garfada tímida – e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:
– Óptimo!… Ah, destas favas, sim! Ó que fava! Que delícia!
Ao longo de quase 50 anos de viagens mais ou menos regulares, conheci de tudo: locais que não me disseram nada embora tenha gostado deles, locais aos quais voltaria com gosto, locais que gostei de conhecer mas aos quais não tenho interesse em voltar. O Dubai insere-se nesta última categoria. Uma vez que aqui fazíamos escala no regresso da África do Sul, decidimos ficar 3 dias. Em abono da verdade, chega - e talvez sobre.
Vir ao Dubai é confrontarmo-nos com uma experiência diferente - um país árabe muito rico, por onde passam turistas de muitos locais. No hotel onde ficámos, ingleses tatuados provenientes de cidades industriais inglesas, alguns russos (?), alguns alemães. Porém, apesar deste cosmopolitismo, é sempre um país árabe, altamente seguro, altamente controlado, muito quente. Por estes dias as temperaturas andam pelos 36 - 42ºC, o que para mim é terrível, uma vez que a minha temperatura de conforto não ultrapassa os 26ºC.
No Dubai não há nada barato - talvez apenas a areia do deserto, caso esteja disponível. Os centros comerciais - sempre apinhados de gente que ali procura entretenimento e ar fresco - são luxuosos, com boas marcas, embora tenha visto mais luxo num de Singapura. Os preços são, na generalidade, altos. O vinho, por estarmos num país muçulmano, é também caro. Ontem bebemos uma garrafa de vinho branco chileno, qualidade média, por 20€. A subida ao arranha-céus mais alto do mundo custa para cima de 100 ou 120€. Dispensámos... O Dubai não produz nada - vive de imobiliário ou de serviços, pelo que importa tudo.
O hotel onde ficámos tem praia privativa, o que é um must para enfrentar estas temperaturas de quase Verão. O senão? A água está a roçar (se não for mais) os 30ºC. Significa isto que uma pessoa não se refresca - apenas se molha.
Numa praia no Dubai
A arquitectura do Dubai é bonita - não só os edifícios com traça mais local, como os que têm um design internacional. Podem ver-se prédios semelhantes na Malásia (Kuala Lumpur) ou Singapura, só para dar um exemplo de países muito financeiros e não europeus.
Não estou a dizer que o Dubai é um destino incontornável. Porém, uma vez que é um hub aéreo muito frequente para quem viaja na Emirates, talvez faça sentido parar-se por 2 ou 3 dias (seguramente não mais) e perceber o que é isto - algumas (poucas) burkas, alguns (muitos) hijabs, muita gente ocidental, algumas mulheres (russas, talvez) muito produzidas e cheias de botox, chamadas sugar daddy, por prestarem serviço - temporário ou mais permanente - a árabes ricos.
Centro Comercial no Dubai
Nota curiosa: fomos abordados no voo de Joanesburgo para o Dubai por uma assistente de bordo portuguesa que detectou a nossa identidade pelo passaporte. Muito simpática, conversou um bom bocado connosco a meio do voo e ofereceu-nos chocolates. Percebe-se que gostou de falar português com alguém não colega, e partilhou connosco uma parte mais difícil desta vida de assistente de bordo da Emirates - um certo desenraizamento, uma certa dúvida sobre e quando e para quê regressar a Portugal. Na Emirates ganha-se bem, mas não é um emprego para a vida. Dois dias depois passeávamos num centro comercial e encontrámo-la, juntamente com mais dois portugueses igualmente empregados na Emirate. Um encontro nacional - e improvável.
Naquele tempo, Jesus chegou a casa com os seus discípulos. E de novo acorreu tanta gente, de modo que nem sequer podiam comer. Ao saberem disto, os parentes de Jesus puseram-se a caminho para O deter, pois diziam: «está fora de Si». Os escribas que tinham descido de Jerusalém diziam: «Está possesso de Belzebu, e ainda: «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios». Mas Jesus chamou-os e começou a falar-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás?» Se um reino estiver dividido contra si mesmo, tal reino não pode aguentar-se. E se uma casa estiver dividida contra si mesma, essa casa não pode aguentar-se. Portanto, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não pode subsistir: está perdido. Ninguém pode entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens, sem primeiro o amarrar: só então poderá saquear a casa. Em verdade vos digo: Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfémias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado eterno». Referia-Se aos que diziam: «Está possesso dum espírito impuro». Entretanto, chegaram sua Mãe e seus irmãos, que, ficando fora, mandaram-n’O chamar. A multidão estava sentada em volta d’Ele, quando Lhe disseram: «Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura». Mas Jesus respondeu-lhes: «Quem é minha Mãe e meus irmãos?» E, olhando para aqueles que estavam à sua volta, disse: «Eis minha Mãe e meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe».
Quem me vai acompanhando pelo blogue ou pelas conversas não lerá neste post nada de novo, porque não escreverei nada de novo. O que me impele então à repetição? A necessidade de manter o foco numa área importante da minha vida - a oncologia pediátrica ou, numa expressão mais impactante, o cancro nas crianças.
Estive 3ª e 4ª feiras em Joanesburgo, numa reunião e num encontro de associações de pais / sobreviventes doentes de África. Encontrei-me com pessoas do Zimbabwe, África do Sul, Gana, Zâmbia, Malawi, Ilhas Maurícias, Egipto, etc. Falamos de países onde a taxa de sobrevivência pode ser 30%, a taxa de abandono altíssima, onde os recursos humanos, financeiros e técnicos são escassos. No decurso deste encontro deslocámo-nos a duas Casas da CHOC, a associação sul-africana (uma delas no famoso bairro do Soweto). O modelo das Casas é igual às da Acreditar - receber crianças / jovens doentes e as suas famílias durante o tempo que for preciso. Ali encontrei uma família moçambicana, cuja criança abriu os olhos de espanto quando perguntei: quem fala português aqui?
Gosto da comunidade africana, com quem já me encontrei algumas vezes: são amáveis, simpáticos, bem-dispostos, risonhos, cheios de esperança. Falam alto, abraçam, apertam a mão demoradamente e riem-se das piadas alheias. Esta é a vertente divertida dos encontros. A vertente importante é perceber as necessidades, o que ainda falta por fazer. Enquanto a Europa fala de melhor sobrevivência, em África (e noutras regiões) ainda se fala de sobrevivência. É nestes encontros, no cruzamento com mães e crianças doentes, que eu me lembro do que aqui me trouxe, do que me mantém aqui. No fundo, é aqui que me lembro, de forma muito comovida, o que dá sentido à minha vida.
No congresso de Ottawa disse o que já (me) é um lugar-comum: os anos de membro e presidente do CCI foram os anos humanamente mais enriquecedores da minha vida. Nunca terei nada que me tenha oferecido uma visão tão clara das desigualdades por que passa o mundo. Nunca mais farei amigos que, embora de países e culturas diferentes, falam a mesma língua que eu: uma linguagem feita de uma uma história pessoal desafiante mas uma linguagem feita, também, de esperança.
Apesar de tudo a vida foi generosa, ao dar-me tudo isto.
O grupo de miúdos, que organiza a edição anual do Faith’s Night Out (FNO), desde 2013, inspirou-se nas TedTalks para convidar oradores cativantes, de diferentes proveniências, para darem um testemunho de fé na sua vida, num par de minutos. Em 2018, a FNO propôs a vários pintores comporem uma obra alusiva à ousada promessa de Cristo citada nos Evangelhos: A VERDADE VOS FARÁ LIVRES. O resultado ficou gravado numa curta-metragem com as peças artísticas apresentadas pelos próprios autores:
A propósito de arte que nos emancipa, eleva, desintoxica até ao âmago, a Gulbenkian concluiu a temporada com um concerto memorável a interpretar uma das obras-primas de Verdi – o Requiem de homenagem ao grande escritor e pai da língua italiana moderna Alessandro Manzoni (1785-1873). O poeta e senador também se destacara como referência moral da jovem nação italiana, apenas nascida como Estado soberano, em 1861. A reunificação só ficaria completa uma década depois. O primeiro dia do concerto decorreu ao final da tarde do feriado do Corpo de Deus, este ano celebrado a 30 de Maio, num dia primaveril e de poente tardio, que esticou até ao limite a luz do entardecer que entrava no Grande Auditório pela parede de vidro por trás do palco.
Das lindíssimas composições para a Missa de Sufrágio pelo primeiro ano da morte de Manzoni, a mais famosa é a épica «Dies Irae», soberbamente executada pelo coro Gulbenkian. Outra de especial subtileza é a ária final de título auto-explicativo: «Libera Me». Toda a peça fluiu com uma tranquilidade cristalina, intercalando trechos celebrativos com admoestações apocalípticas e momentos de oração pungente.
Sentiu-se o papel preponderante do maestro russo Stanislav Kochanovsky (1981-…) a dirigir a orquestra, os cantores líricos e o coro com um rigor invulgar. Já é considerado uma sumidade no Ocidente, onde actua nas melhores salas de espectáculos. Parco de gestos, q.b. incomum para a função, revelou uma autoridade extraordinária. Não me lembro de ver cantores líricos tão atentos aos pequenos movimentos do regente. No fim, houve um momento sublime com o minuto de silêncio conquistado pelo maestro, antes de dar por finda a atuação e o público aplaudir de pé o concerto magnífico. Kochanovsky ilustrou, ao vivo, a validade da definição simplificada sobre música como combinação harmoniosa de sons e silêncios. Aquele seu gesto final certeiro, discreto mas firme, a baixar os braços em câmara lenta para aguentar um silêncio longo após a última nota, dignificou a exibição do Requiem, colocando-o num patamar sacralizado, intocável. A beleza da peça de Verdi quadrou maravilhosamente com o feriado português.
PROGRAMA DE SALA
«REQUIEM DE VERDI
Coro e Orquestra Gulbenkian
Stanislav Kochanovsky Maestro
Carmela Remigio Soprano
Sonia Ganassi Meio-Soprano
David Junghoon Kim* Tenor
Luca Pisaroni Baixo-Barítono
Giuseppe Verdi
Messa da Requiem
1. INTROITUS: REQUIEM AETERNAM – KYRIE
2. SEQUENTIA: DIES IRAE
3. OFFERTORIUM: DOMINE JESU CHRISTE
4. SANCTUS – BENEDICTUS
5. AGNUS DEI
6. COMMUNIO: LUX AETERNA
7. LIBERA ME
COMPOSIÇÃO 1873-74 / rev. 1875
ESTREIA Milão, 22 de maio de 1874
DURAÇÃO c. 1h 25 min
A morte de Alessandro Manzoni, a 22 de maio de 1873, foi um acontecimento transcendente para a jovem Itália. Poeta e novelista, símbolo nuclear do Risorgimento, o movimento político e social que havia conduzido à unificação da península itálica num só estado, Manzoni era considerado, unanimemente, o pai da moderna língua italiana e a reserva moral da nação.
No dia imediato à morte de Manzoni, Giuseppe Verdi escrevia ao editor Tito Ricordi que era seu desejo promover algo em memória do poeta. A proposta não tardou a chegar às mãos do Presidente da Câmara de Milão, Giulio Belinzaghi, que aceitou os termos do compositor: um Requiem, a ser estreado no primeiro aniversário da morte de Manzoni. As despesas de execução correriam pelo município milanês e Verdi asseguraria o pagamento da impressão das partituras, dos músicos envolvidos, bem como a direção musical.
O compositor foi célere na escrita e, a 10 de abril do ano seguinte, enviou o manuscrito final à Ricordi. Contudo, dada a insistência de Verdi para que a homenagem decorresse numa igreja, começaram a surgir entraves à concretização do projeto. Era necessário que o Arcebispo de Milão autorizasse, a título excecional, o uso de vozes femininas e aceitasse o texto padrão do rito romano da Missa de Defuntos, ao invés do rito ambrosiano, prerrogativa da arquidiocese milanesa. As dispensas foram dadas, mas com a obrigação de todas as cantoras se apresentarem vestidas de preto e de cabeça coberta com um véu.
A 22 de maio de 1874, estreava na igreja de São Marcos a Messa da Requiem per l’anniversario della morte de Manzoni, com efetivos musicais generosos, um coro de 120 vozes, uma orquestra de 100 instrumentistas e os solistas Teresa Stolz (soprano), Maria Waldmann (mezzo), Giuseppe Capponi (tenor) e Ormondo Maini (baixo).
Obra maior do repertório coral do séc. XIX, o Requiem de Verdi representa a libertação dos constrangimentos do género, alcançando uma liberdade e flexibilidade musicais que dificultam a sua caracterização ou, pelo menos, categorização.
Principia com um murmúrio, numa atmosfera emocional de profundo desalento. A secção central, Te decet hymnus, contrasta pela rigidez vocal, num tecido contrapontístico estrito. O ambiente inicial é retomado, desembocando no Kyrie, primeira manifestação de um registo teatral assumido. A frase melódica ascendente de contorno virtuosístico percorre os solistas, aos quais se junta o coro nas sucessivas invocações.
O Dies irae começa com uma massa instrumental tempestuosa, a que se sobrepõe o coro, proclamando o texto e forma incisiva e cromática, numa ilustração sonora impressionante. O sussurro pianíssimo nas palavras Quantus tremor extingue-se no preciso momento em que soa uma longa fanfarra, num crescendo telúrico, metáfora da trombeta do Juízo Final, Tuba mirum, sobreposta pelas entradas sucessivas do coro até uma suspensão apoteótica. (…)
O andamento final, Libera me, foi, na realidade, o ponto de partida de toda a composição. Escrito, na sua versão original em 1868, correspondia ao contributo de Verdi para um projeto que não chegou a bom porto, uma Messa da Requiem per Rossini, obra de composição coletiva, reunindo os doze compositores italianos em atividade mais conceituados, cabendo a cada um deles uma secção, segundo um plano formal e tonal pré-estabelecido. Apesar de revisto em 1874, as ideias essenciais do Introitus e do Dies irae, estavam já aí delineadas de forma concisa. Diálogo entre o soprano, o coro e a orquestra, o Libera me é, por si só, um verdadeiro monumento de intensidade dramática, de profundo impacto emocional, testemunhando o medo, a absolvição, a paz e a incerteza, um mundo tão humano quanto divino.»
Comentário musical assinado por José Bruto da Costa
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
Passava Jesus através das searas, num dia de sábado, e os discípulos, enquanto caminhavam, começaram a apanhar espigas. Disseram-Lhe então os fariseus: «Vê como eles fazem ao sábado o que não é permitido». Respondeu-lhes Jesus: «Nunca lestes o que fez David, quando ele e os seus companheiros tiveram necessidade e sentiram fome? Entrou na casa de Deus, no tempo do sumo sacerdote Abiatar, e comeu dos pães da proposição, que só os sacerdotes podiam comer, e os deu também aos companheiros». E acrescentou: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado». Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem com uma das mãos atrofiada. Os fariseus observavam Jesus, para verem se Ele ia curá-lo ao sábado e poderem assim acusá-l’O. Jesus disse ao homem que tinha a mão atrofiada: «Levanta-te e vem aqui para o meio». Depois perguntou-lhes: «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?». Mas eles ficaram calados. Então, olhando-os com indignação e entristecido com a dureza dos seus corações, disse ao homem: «Estende a mão». Ele estendeu-a e a mão ficou curada. Os fariseus, porém, logo que saíram dali, reuniram-se com os herodianos para deliberarem como haviam de acabar com Ele.