(continuação da semana passada)
por vezes, em particular comentando o peso da música no blog "
flores de inverno", chegam-me reacções do género: "fala muito de música, de bandas, de artistas, de canções que não conheço de todo!". ou ainda coisas como: "nem sempre é fácil de seguir os seus textos sobre música!". e também tiradas como esta: "isso de música moderna não é bem para mim!".
pois bem, para todos vós, eventuais interessados em aprofundar este mundo, resolvi dar uma ajudinha. nada de transcendente, apenas e só uma lista, devidamente comentada (mas não no sentido mais técnico ou contextual dos artistas ou de cada disco, antes de uma forma que apelidarei de "mais impressiva"), contendo duas dúzias de discos fundamentais no meu próprio percurso enquanto ouvinte atento de tudo o que se faz no (cada vez mais vasto) campo da música popular moderna (desde os anos 60 até aos dias de hoje, em termos de balizas temporais).
estes são alguns dos que resistiram à passagem do tempo, esse teste decisivo. poderiam estar aqui outros tantos, bem o sei. no entanto, quando fazemos estas coisas o coração também conta. faltarão aqui, seguramente, discos fundamentais. por uma questão de critério, resolvi excluir toda a música portuguesa mais pop-rock, toda a música brasileira, toda a world-music, toda a música electrónica mais experimental, os projectos declaradamente mais underground, bem como áreas que humildemente pouco domino (à cabeça, desde logo, música clássica, canto lírico, jazz) ou até música dos dias de hoje (por lhe faltar exactamente nem que seja meia-dúzia de anos de perspectiva..).
é, por outro lado, uma lista essencialmente criada & interpretada em língua Inglesa. com poucas excepções, pode ser arrumada na gaveta da "música pop rock de origem anglo-saxónica". começa na segunda metade dos anos sessenta e termina no início do XXI. repito: muito longe de exaustiva, é apenas e só uma possível porta de entrada para novas descobertas, que vos oferece uma "garantia mínima de qualidade".
uma leitura mais atenta (e, idealmente, a sua escuta) conduzirá a uma outra conclusão: quase todas estas obras têm em comum uma propensão para o formato canção, para o que se chama o "singersongwriting". é uma música fortemente pessoal, fortemente emocional, escrita e cantada na primeira pessoa. ninguém tem culpa do que gosta (ainda que o gosto se eduque, dentro de certa razoabilidade) e, muito menos, do que é (ainda que tenhamos todos a possibilidade e a obrigação, diria étca, de nos aperfeiçoarmos continuamente). mas isto são já, como dizer?, outras músicas!
que vos seja minimamente útil, são os meus votos. podem sempre descobrir estas coisas devagarinho, via "you tube". ou então imprimirem a lista e, de vez em quando, arriscarem comprar um destes disquinhos.
boas descobertas!
lambchop, is a woman
tão bonito, mas tão bonito. tão terno, mas tão terno. tão zen, minimal, que parece música de outro mundo. melódico, cifrado, cheio de palavras inglesas que quase não se entendem.. e, no entanto, é tão fácil perceber que eles falam de jardins. de flores. de coisas assim. e sim, "is a woman". ou "is a man". nada mais importa, tantas vezes.
lloyd cole & the commotions, rattlesnakes
um quase clássico. há muito que admiro este rapaz-hoje-homem. não é um génio, mas tem "qualquer coisa". neste disquinho há música que nos leva "on the road". pele perfeita, corações despedaçados, fogos de verão, animais do deserto. metáforas perfeitas e linhas musicais perfeitas de um certo tempo - o tempo certo.
lucinda williams, essencecountry-rock, com um pouco de chanson americana, algum blues.. um disco que poucos conhecem. o melhor desta senhora, que, numa voz marcada pelas agruras da vida, nos canta um amor carnal, o desejo - a par do amor divino - de uma forma que é sublime. é esta a palavra, sublime.
neil young, after the goldrusho disco de neil young. mais um que não tem uma ruga. e que começa em 20 valores e acaba em 2o valores, sem oscilar um décimo de segundo. música com nervo, música com riffs de guitarra e com guitarras que choram. é um disco que nunca me cansa, que está sempre pronto para me receber, é um disco generoso - "don't let it bring you down, it's only castles burning", não é tio neil?
perry blake, perry blake / still life / californiaum génio da modernidade, nos seus primeiros 3 discos: tão negros, tão tristes - e tão bonitos, mas tão bonitos, que, sem hesitar, o coloco ao lado dos maiores. os discos mais recentes estão abaixo, mas os primeiros 3 talvez não tenham igual na sua qualidade homogénea, dentro dos singersongritters dos últimos 15 a 20 anos. música de sombras, de sussurros, de saudades, de mágoas, de abandono, de dor. e, contudo, cada canção é uma estrela cadente.
david sylvian, secrets of the behive
clássico deste rapaz fundador dos japan. disco de 1987, cuja descrição possível poderia passar por: atmosférico, literato, lento, lírico - música celestial, se por acaso um deus grego fosse hoje poeta pop.
spain, the blue moods of spain
slow core. grupo algo obscuro, mas que nos deixou esta obra-prima (entre os 3 que gravou, nos finais dos anos 90). desta música se diz que é aquela que nos embala numa noite de verão, enquanto deitados numa cama de rede ao relento, olhamos a estrelas e dentro de nós construímos e depois destruímos universos inteiros. rima com bandas como low, mazzy star, coisitas assim.
gavin friday, each man kills the thing he loves
este senhor fez, a meu ver e do que conheço, uma única coisa "a sério" : este disco. mas este disco é o disco, mais um, da ressaca amorosa. mistura kurt weill com tom waits, mistura oscar wilde com brecht. tem um grupo de instrumentistas que é um all-stars. mas tem, antes de mais, uma alma negra. nele se canta a queda. o que era, o que já foi. é assim como um único grito.. o estertor da beleza. e do sentido.
jay jay johanson, whiskey
uma estreia em grande, nos idos de 1996. um pastiche que arrisca o ridículo e ganha a dignidade. crooner romântico envolto em electrónica quase de feira. vicia. e tem uma coisa que é "apenas" jay jay a fazer de michael nyman a fazer de mozart a fazer de.. deus? lá para meio do disco e chama-se "i am older now"..
camané, uma noite de fados / na linha da via / pelo dia dentro
a minha descoberta do fado. os concertos. os café-concertos. o repertório perfeito. a voz que canta de dentro. uma experiência, para mim, quase religiosa. eu me confesso: adoro camané. como nunca pensei.. foi assim, aos 30 anos, amor à primeira vista. é só emoção.
micah p. hinson and the gospel of progress, sem título
este disco de 2004 ou 2005, narra, em estilo autobiográfico, a queda do seu autor (mais uma vez, um amor louco..). é o disco mais negro que escutei nestes últimos anos. e isto é dizer muito, porque, como já deu para perceber, sobre as sombras sei alguma coisa ;-). arrepia tanta exposição, tanta dor, tanta coisa que sabemos ser.. exactamente assim. a escutar, mas com cinto de segurança bem colocado..
azure ray, hold on loveduas meninas que criam uma atmosfera introspectiva, extremamente doce e harmoniosa, para cantar coisas sérias, daquelas que poucos de nós sabemos exactamente como articular. uma porta aberta, mágica e linda, para o coração, para as geografias interiores. um disco soberbo, repleto de recantos preciosos. intemporalmente belo.
rufus wainwright, poses"poses", "the tower of learning" e "cigarrettes and chocolate milk" - 3 canções que nos mandam para cima, muito para cima. descobri-o, deitado numa cama, a olhar o céu estrelado de um quarto decorado com estrelinhas reflectoras. aqui entro na minha história pessoal. uma forma de dizer que cada disco de que atrás falei tem um outro nível. aquelas coisas que são o que de mais precioso guardamos em nós. é isto a música. a banda sonora da aventura humana.
gi