31 março 2011

Deixa-me rir...

Caros audiophiles, my choice this week is maybe not everybody's "cup of tea". But I heard the song on the radio the other day, and I was transported by its exuberance and joyfulness. Sung by the fantastically talented but under-appreciated Sammy Davis Jr, one of the original Rat Pack entertainers of Las Vegas together with Frank Sinatra and Dean Martin.

From the musical show "Sweet Charity" set in New York during the hippie 1960s, this song takes place at church leader Big Daddy's "Rhythm Of Life Church". The story concerns the bad luck in life and search for love of a cabaret dancer called Charity. Her story ends with her alone again, after a rejection of marriage, but optimistically living hopefully, if not yet happily, ever after.

Also these past days I have been discovering the American writer Kurt Vonnegut. My only previous knowledge of him was watching in my distant student days the film adaptation of his novel Slaughterhouse 5. a terrible dystopian vision of the future based on his direct personal experience and survival of the unnecessary total destruction by air bombing of Dresden in World War II.

Known for his "So it goes" nonchalant attitude towards life and death ("When you are dead, you are dead"), Vonnegut was a free-thinker who rejected conventional religious beliefs; but although he did not believe in the divinity of Jesus, he greatly admired the Beatitudes of Jesus. He was a Humanist which to him meant "that I have tried to behave decently without expectations of rewards or punishments after I am dead. His writings showed him to be both 'cynical and sentimental, a sceptic who believes that love conquers all'.

I do not expect readers of Adeus to empathise with his non-beliefs. And yet Vonnegut often spoke about God. And one quotation I have read seems quite appropriate to my text: "Music, to me, is proof of the existence of God. It is so extraordinarily full of magic; and in tough times of my life I can listen to music and it makes such a difference."

He might not have been thinking of this particular song, but...



The Rhythm of Life
...Spread the religion of The Rhythm Of Life."
And The Rhythm Of Life is a powerful beat,
Puts a tingle in your fingers and a tingle in your feet,
Rhythm in your bedroom,
Rhythm in the street,
Yes, The Rhythm Of Life is a powerful beat,
To feel The Rhythm Of Life,
To feel the powerful beat,
To feel the tingle in your fingers,
To feel the tingle in your feet,
Daddy spread the gospel in Milwaukee,
Took his walkie talkie to Rocky Ridge,
Blew his way to Canton, then to Scranton,
Till he landed under the Manhattan Bridge.
Daddy was the new sensation, got himself a congregation,
Built up quite an operation down below.
Flip your wings and fly to Daddy,
Take a dive and swim to Daddy,
Hit the floor and crawl to Daddy,
Daddy we got The Rhythm Of Life,
Of life, of life, of life.
Yeah! Yeah! Yeah!
Man!

A proxima.
PO

30 março 2011

Eleições Gerais

Santo Preso era uma terra que se fez entre a espada e a parede. A espada era a floresta. As lendas que passavam de geração em geração tornavam-na num local proibido. Apesar do padre repetir até à exaustão que quando alguém morria ia para a morada eterna, a grande maioria dos habitantes continuava a ter outra opinião. Os mortos partiam realmente, mas não iam para tão longe. Iam ali para o lado, para o lado de lá daquela muralha de ramos e folhas. À espera, paciente e eternamente, que alguém mais desprevenido passasse por ali para tomar o seu lugar. Por estas lendas estarem tão enraizadas, eram poucos os que se aventuravam a lá entrar.

A parede era o mar. Por aí não havia entrada ou saída possível. A terra acabava numa escarpa que caía a pique para cima do oceano. E este não caía ou acabava em lado nenhum. Esticava-se e espreguiçava-se até onde os olhos iam. Sempre no mesmo sítio, imóvel e infinito.

Fora a dificuldade de acesso, esta vila era igual a todas as outras. Todas as ruas desembocavam no largo central, que tinha uma fonte de tamanho exagerado relativamente aos edifícios vizinhos. Esta fonte era o grande motivo de orgulho da cidade e foi o maior investimento que alguma vez lá foi feito, mas desde a sua construção nunca se conseguiu que de lá saísse uma única gota de água.

De um lado do largo havia o único restaurante da cidade, sugestivamente chamado 'A Melhor Escolha'. Servia todos os dias pastéis de bacalhau, croquetes e rissóis de camarão do dia anterior. Às Quartas-Feira havia cozido, às Sextas bacalhau e aos Domingos fechava na hora da Missa.

Do outro lado da fonte estava a igreja. Missa ao Domingo de manhã e à Quarta-Feira, depois do cozido, por alma dos finados. Os tais que se mudaram para a floresta. No princípio do Outono era altura da procissão. Pedia-se chuva a S. Sebastião, não muita, só alguma, para as plantações crescerem saudáveis. Seis meses depois voltava-se à carga outra vez. Mais outra procissão, mas agora pedidos de sol e calor. Também não muito, só algum, para as plantações não morrerem afogadas. E isto novamente ao mesmo santo. S. Sebastião não tinha descanso nesta terra!

O médico dava consultas à Segunda e Sexta-Feira, mas o seu consultório estava aberto toda a semana. Muitas pessoas só queriam ir à sala de espera para ter alguém com quem falar sobre as maleitas que as afectavam. Resultava bem, a maioria das doenças curavam-se assim.

E a vida desenrolava-se, esticando-se e espreguiçando-se como o mar, sem atribulações de maior. Excepto uma vez por ano. Na altura das escolhas. Este era o termo utilizado. Não eram eleições, não se ia a votos, não era a altura das grandes decisões. O povo limitava-se a fazer escolhas. E estas não eram só relativamente ao Presidente da Câmara, mas a todos os empregos de maior importância na vila. O padre e o médico. O padeiro, o carteiro e o cozinheiro. O presidente e o chefe de polícia. Todos estes estavam sujeitos à escolha da população.

Qualquer pessoa podia candidatar-se a um destes cargos, não tinha de ter a formação que este exigia. Se alguém achasse que faria um melhor trabalho nas missas e nas procissões, inscrevia-se para padre. Se houvesse quem não estivesse contente com o consultório médico, então oferecia concorrência a quem lá mandava.

Devido a esta peculiaridade havia quem, de um ano para o outro, passasse de plantar batatas para diagnosticar gripes e unhas encravadas. Quem trocasse o óleo de fritura da cozinha pela água benta da igreja. Ou ainda quem passasse do bloco de notas das multas para as notas do banco. Aqui, a democracia era realmente para todos.

SdB (III)

29 março 2011

Duas últimas

Esta música terá sido gravada em 1972. Procurei vagamente os motivos para o título, achando que poderia relacionar-se com o encontro de uma criança com a sua mãe. No primeiro comentário que vislumbrei há um petit rien de júbilo: uma música de paz, a celebrar o regresso dos soldados do Vietname. Não desisti da busca de uma comoçãozita nostálgica que contrabalançasse o ritmo alegre do reggae. Eis que me confronto com o espanto: a música relaciona-se com a morte do cão do artista, que foi buscar (o artista, não o cão) o título Mother and Child Reunion ao nome de uma receita chinesa feito com galinha e ovos... Há uma altura em que devemos interromper a nossa demanda, sob risco de desmoronamento emocional das nossas entranhas.

Talvez me lembre desta música em 1973, passava eu férias em Armação de Pêra (a convite do JdC, eminente colega bloguista), quando esta vila não era a profusão de rotundas e prédios que nascem do asfalto algarvio como cogumelos alucinogénicos. A vida corria mansa, com praia pela manhã, mini-golfe a seguir ao almoço, aprendizagem do King bufando cigarradas adolescentes, jogos de verdade ou consequência ao som de um coração que palpitava por um beijo na (ou quem sabe da...) rapariga de quem se gosta, cartas que se recebiam com uma alegria temerosa, porque o carteiro nem sempre toca duas vezes. De noite talvez (também) se dançasse Paul Simon num terraço qualquer, sob um céu mais estrelado do que o de hoje, porque a poluição não era tanta e a camada de ozono (tem a ver com as estrelas no céu?) era uma expressão de ficção científica.

Sou, decididamente, um nostálgico - ou talvez tenha as minhas memórias antigas mais frescas do que as modernas. A vida tinha menos confortos, ir daqui ao Algarve era um experiência rodoviária ímpar, à luz de hoje não se percebe como conseguíamos viajar num carro sem ar condicionado, direcção assistida ou com os postos de telefonia (dantes dizia-se telefonia, conjuntos, boîtes...) a desaparecerem ao fim de dez minutos de estrada. Tínhamos menos coisas, havia menos coisas, precisávamos de menos coisas - talvez por isso tudo fosse tão simples, tão divertido, tão arrebatador.

JdB

28 março 2011

Vai um gin do Peter’s ?


Junto ao Tejo vale a pena visitar o MUSEU DO ORIENTE(1) que, além do acervo permanente, tem um par de exposições temporárias patentes até Abril-Maio, que sabem a uma viagem ao coração da Ásia. Para começar bem os fins-de-semana, às Sextas o Museu só fecha às 22h00 e a partir das 18h00 a entrada é livre.

Aqui vai uma proposta de circuito, que se estenderá por dois gins:

I) Telas ao vento

II) Viagens de artistas

(próximo gin)

III) Arte oriental inspirada nos Portugueses

IV) Etapa experimental

I) TELAS AO VENTO (até 10 de Abril)

Os bonitos «PAPAGAIOS DA CHINA» enchem de cor a sala onde estão expostos, além de animarem o tecto do átrio da entrada, pendendo em formas luminosas e esvoaçantes. Aliás, este gin será especialmente visual, porque aqui as imagens valem por mil palavras:


Os textos explicativos da mostra revelam-nos a origem do que pensávamos reduzir-se a mero brinquedo infantil, muito comum nas praias ventosas da costa atlântica.



Recuando aos séculos VII-IV A.C., nasceram como esboço de um sonho de transporte aéreo, apenas subsistindo enquanto lenda, sem qualquer confirmação de artefactos bem sucedidos na aviação. Ainda assim, no Museu Aeroespacial de Washinghton são exibidos como vestígios das primeiras experiências aeronáuticas. Muitos têm incorporados hélices e outros engenhos que os tornam mais articulados e aptos a ganhar velocidade, mal sejam tocados pelo vento, de modo a ascenderem e a deslocarem-se como uma seta, seguindo um rumo relativamente controlado.





Adquiriram depois uma função militar no envio de mensagens entre regimentos algo distantes. Somaram ainda uma virtualidade meteorológica, servindo para a medição da força dos ventos. Acrescentaram mais tarde o som, tomando formas arrevesadas para aperfeiçoar o efeito de apito, que se fazia ouvir a mais de um quilómetro de distância.

A sua qualidade artística tornou-os enfeites festivos, por excelência, com a dupla função de pressagiar o futuro. A superstição a eles associada assumiu tais proporções, que eram lançados em eventos oficiais ou a antecipar viagens importantes, num exercício de futurologia levado muito a sério pelas populações japonesa e chinesa. Um voo demasiado raso de um destes papagaios bastava para fazer adiar, por um ano, a partida de um navio. Nenhum romance se atrevia a avançar sem ver lançadas as sortes traçadas no voo imprevisível do papagaio içado ao céu.




Uma criança que nascia devia ser abençoada pelos papagaios de motivos pueris, sugeridos pelas narrativas ancestrais, como o do menino montado sobre o animal mais majestoso e auspicioso da tradição chinesa – o tigre branco.

Seguindo o paradigma das civilizações antigas, os motivos encontravam inspiração nas lendas milenares, fortemente enraizadas na história do país, além da fauna e da flora, que oferecem uma exuberância cromática de enorme impacto visual, conforme se pretende(2).

Quando surgiu a moda de oferecer papagaios (séc. XVII), aumentou a variedade e a carga simbólica das inúmeras figuras. Aos poucos, conquistaram um lugar de honra na prosa e na poesia, inaugurando um diálogo ininterrupto com a literatura. O seu valor artístico, imanado da tradição popular, criou uma simbiose enriquecedora entre os artesãos e os artistas.

Gerações de artífices celebrizaram-se nos diversos cantões do Império do Meio, fabricando desde há séculos as bonitas telas de seda endurecida e aplicada sobre uma teia de canas de bambu ou de madeira, que lhes confere uma estrutura dançante, extremamente decorativa.

A partir do século X, o espírito mercantilista chinês disseminou a moda dos papagaios pelos países vizinhos. Na festividade chinesa do nono dia da nona lua, milhões de papagaios sobem aos céus para levar com eles os problemas. A imensidão de telas flutuantes quase eclipsam o sol, formando uma nuvem espessa e multicolor a ziguezaguear pelas alturas:



Festival ao som da música oriental (Bornéu)

II) VIAGENS DE ARTISTAS

Antes de seguir para o andar de cima – onde nos espera a arte Namban – pode dar-se um salto à pequena mostra colectiva de pintores portugueses, que reúne os testemunhos de passagens por: Timor, Japão (nas fotografias de José de Guimarães), Indonésia, Índia, etc. Breves álbuns que visam actualizar o olhar português sobre terras longínquas.

No entendimento de Helena Vieira da Silva, ali citada, os diários de bordo modernos deveriam acumular a dupla visão da pintura e da literatura, para se obter um registo plural e de maior abrangência. Não duvido de que a fórmula para reviver uma viagem tempos depois é, com toda a certeza, dos desafios mais interessantes para a memória!

No próximo gin, exploraremos outros espaços do Museu, concluindo com uma nota sobre o terramoto no Império do Sol:

JAPÃO devastado

Vale uma palavra de solidariedade para o país que parece ter «caído de pé», no dizer de muitos, após o sismo brutal de 11 de Março, a rasar o limite da escala de Richter. A ponto de o eixo da terra se ter desviado 25cm, a rotação da terra ter sofrido uma aceleração encurtando os dias em 1,6 microssegundos e o país se ter deslocado c. 2,4 m. A colecção de fotografias de satélite do New York Times permite uma comparação muito expressiva do Japão antes e depois do abalo sísmico (convém deslizar a régua central para alterar os tamanhos das duas metades das imagens, correspondentes ao que era e o que ficou), onde a natureza arrasou a mais avançada tecnologia humana, em breves segundos:

http://www.nytimes.com/interactive/2011/03/13/world/asia/satellite-photos-japan-before-and-after-tsunami.html

No próximo Sábado (2 de Abril), das 10h30-19h30, o Palácio Foz tem uma programação cultural a favor das vítimas do sismo e do tsunami, com peças de arte nipónica e filmes: http://amazinglittlestuff.blogs.sapo.pt/38054.html.

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

__________________________

(1) MUSEU DO ORIENTE - www.museudooriente.pt

Morada - Av. Brasília, Doca de Alcântara (Norte). Tel. 21.3585244

ENTRADA LIVRE NAS TARDES DE SEXTAS, DAS 18h ÀS 22h00.

(2) COLECÇÃO DE MODELOS TRADICIONAIS de PAPAGAIOS CHINESES:

http://www.youtube.com/watch?v=qt6_NDNm-bM&feature=related

27 março 2011

3º Domingo da Quaresma

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.

Num momento da Sua vida, Jesus Cristo pergunta aos discípulos: quem dizem as pessoas que Eu sou? Há uns anos, numa das reuniões da Equipa de Nossa Senhora de que eu fazia parte, debateu-se esta frase, e fomos todos desafiados a responder. Lembrei-me então - e contei esta história vezes sem conta - da morte do Álvaro Cunhal, e do que um militante comunista tinha deixado no livro de condolências do partido. A frase, expurgadas as óbvias conotações políticas reproduz, ainda hoje, o que eu penso: (camarada) conhecer-te mudou a minha vida.

É difícil contar-se esta história sem que possamos ser olhados com o mesmo incómodo desconfiado com que observamos as beatas de sacristia, os pseudo-místicos que rebolam os olhos junto a um desgraçado coração de jesus, ou aqueles que salivam com o aroma forte do incenso. Dizer esta frase é, para muitos que nos rodeiam, um pouco ridículo, porque se espera que a profiramos a uma mulher - de preferência num âmbito romântico, sob um céu estrelado, uma música suave e um cocktail de cores exóticas.

Mas, de facto, conhecer Jesus Cristo - o que Ele disse e fez, os desafios que nos lança - é mudarmos a nossa vida, a forma como nos relacionamos com os outros, como estendemos a mão aos necessitados, como respondemos ao insulto, como enfrentamos as agruras da vida, como usamos os nossos talentos, como gerimos a nossa consciência, como desvalorizamos a grandeza em detrimento da inteireza, como e como e como...

Ao contrário do que fala o fado, entre esta plebeia de Sicar (é revelador não se saber o nome dela, como se ela não fosse mais do que todos nós) e Jesus Cristo não há nenhuma tensão amorosa, nem consta que se tenham beijado junto à fonte de Jacob. Mas o impacto que Ele lhe causou foi tanto que ela terá dito: (mestre) conhecer-te mudou a minha vida.

Bom Domingo para os que me lêem.

JdB


EVANGELHO – Jo 4,5-42

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar,
junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José,
onde estava a fonte de Jacob.
Jesus, cansado da caminhada, sentou Se à beira do poço.
Era por volta do meio dia.
Veio uma mulher da Samaria para tirar água.
Disse lhe Jesus: «Dá Me de beber».
Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.
Respondeu Lhe a samaritana:
«Como é que Tu, sendo judeu,
me pedes de beber, sendo eu samaritana?»
De facto, os judeus não se dão com os samaritanos.
Disse lhe Jesus:
«Se conhecesses o dom de Deus
e quem é Aquele que te diz: ‘Dá Me de beber’,
tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
Respondeu Lhe a mulher:
«Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo:
donde Te vem a água viva?
Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob,
que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu,
com os seus filhos a os seus rebanhos?»
Disse Lhe Jesus:
«Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede.
Mas aquele que beber da água que Eu lhe der
nunca mais terá sede:
a água que Eu lhe der tornar se á nele uma nascente
que jorra para a vida eterna».
«Senhor, suplicou a mulher dá me dessa água,
para que eu não sinta mais sede
e não tenha de vir aqui buscá la».
Vejo que és profeta.
Os nossos pais adoraram neste monte
e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar».
Disse lhe Jesus:
«Mulher, podes acreditar em Mim:
Vai chegar a hora em que nem neste monte
nem em Jerusalém adorareis o Pai.
Vós adorais o que não conheceis;
nós adoramos o que conhecemos,
porque a salvação vem dos judeus.
Mas vai chegar a hora – e já chegou –
em que os verdadeiros adoradores
hão de adorar o Pai em espírito a verdade,
pois são esses os adoradores que o Pai deseja.
Deus é espírito
e os seus adoradores devem adorá l’O em espírito e verdade».
Disse Lhe a mulher:
«Eu sei que há de vir o Messias,
isto é, Aquele que chamam Cristo.
Quando vier há de anunciar nos todas as coisas».
Respondeu lhe Jesus:
«Sou Eu, que estou a falar contigo».
Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus,
por causa da palavra da mulher.
Quando os samaritanos vieram ao encontro de Jesus,
pediram Lhe que ficasse com eles.
E ficou lá dois dias.
Ao ouvi l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher:
«Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos.
Nós próprios ouvimos
e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».

26 março 2011

Pensamentos impensados

POLÍTICA
Como não sei nada de política, todos os dias aprendo alguma coisa. Só é pena não ter aprendido no tempo em que fazia exames, para chegar ao pé do do examinador e dizer como alguns políticos: não tem direito a fazer perguntas.

MAIS POLÍTICA
Com a minha confessada ignorância não sei o que significa PEC. Estabilidade e crescimento parece-me uma contradição. Estável e a crescer só conheço as unhas e os cabelos.

MAIS UMA DO ACORDO ORTOGRÁFICO, ESSE ABORTO
Contra "fatos" não há argumentos? Há, é não pagar a conta ao alfaiate.

REDES
A maior rede que conheço é a WWW. A mais pequena é o "filet" mignon.

Conheci um tipo que dizia: isto cheira a "sui generis".

Vi, não me lembro onde, um restaurante que publicitava vinhos, petiscos e seus derivados. Derivado de petisco deve ser a indigestão; de vinho só se for a bebedeira e o "throw away".

Há tipos que são "bons garfos". Jack, o Estripador, era uma "boa faca".

SdB (I)

25 março 2011

isto (não) é um poema

enquanto o futuro do país se decidia, em quase todos os televisores, uns quantos milhares dançavam - olá, leveza; olá, hedonismo -, ao som de uma banda australiana com nome de site de internet ("cut copy"). lá fora, podem chover canivetes, que haverá sempre uma forma de escapismo "ready-made", prontinha a consumir. de um ângulo especialmente favorável, olhava os rostos, frenéticos q.b., naquela espécie suave de transe e pensava: daqui a vinte anos, estaremos todos onde? enredados em dívidas e em dúvidas. com aquele sabor amargo de muitos nos sabermos anunciados "has been". precários, como agora se diz, em coisas exteriores e materiais. precários - ou "líquidos", recuperando um famoso conceito que teoriza a incrível leveza e a incontornável transitoriedade destes tempos - também em coisas mais estruturantes e identitárias (o que somos, como somos, quem somos). a tentação é grande e eu, pecador tentado, me confesso: apetece sair, esquecer, desaparecer, rumar a porto diferente. "precários nos querem; rebeldes nos terão", dizem, por aí, algumas das paredes da cidade. e nós, queremos o quê de nós próprios? convém perguntar, não vá um dia destes alguém devolver a pergunta e dizer-nos, de olhos na nossa cara: "precário e leve te quiseste; faça-se então segundo a tua vontade". entretanto, os rapazes vindos lá dos antípodas continuavam a agitar as massas, com o seu som feito de luz, de júbilo, de despreocupada alegria solar. e a pequena multidão mergulhava naquela espécie de mix de analgésicos misturados com antidepressivos, tudo ligado por cerveja - essa bebida democrática como nenhuma outra. ora aí está, democracia, uma excelente palavra. que nos leva, num instantinho, ao carácter político de tudo. entre o sporting e um concerto de ocasião, há um país adiado, cumprindo o seu pequenino e desgostoso destino. alexandre o'neill pressentiu-o, em muitos dos seus poemas. não poucos leitores viam nas suas palavras poemas humorísticos, em jeito de farsa, com toques levemente surrealizantes. enganaram-se. o estilo era antes descritivo-factual, sem grandes adornos. talvez agora seja tarde para tanta coisa, mas é, ainda assim, o tempo que temos e compete-nos, a nós, fazermos dele alguma coisa ou, pelo contrário, deixarmos que alguém dele faça uma coisa outra. a História, é sabido, tem horror ao vazio. "there is no such thing". e a escolha far-se-á, muito provavelmente, através de um regresso à política - evolução / ajuste - ou através de uma descontinuidade - também chamada revolução. as terceiras vias são uma utopia sem lugar na verdadeira História. portanto e em suma: é tempo. considerem isto um conselho, talvez amargo, desencantado, cínico - admito que sim, que pode ser perfeitamente o caso.. mas considerem também a hipótese de isto ser antes um conselho, quase lúcido, de quem só vos quer bem - um conselho de amigo, portanto. and, please, get ready for the floor. just in case.

gi.

24 março 2011

Deixa-me rir...

Uma canção que talvez fique para a história da música pop … não porque tenha uma melodia brilhante ou uma letra extraordinária, mas porque é interpretada de uma forma sublime



Espero que gostem tanto dela como eu.

Até à próxima!

PCP

23 março 2011

Livro dos despautérios v)

A receita conta-se pelos dedos de uma mão. A farinha, da que estraga os olhos lindos da moleira, o isco, que vem sendo ressuscitado semana sim, semana também, desde ninguém sabe quando, o sal, que é a alma, a água, morna como a pele, e o amor, para garantir que tudo cresce. Os sentidos são a balança que, ao contrário dos mecanismos convencionais, aumenta de precisão com o uso do tempo.

O pão é como uma história sem segredos. Um bocadinho de atenção descobre o calor do forno, a moagem do grão e a dureza da água, o peso das mãos de quem amassou e o tempo que se esperou a massa.

O meu sono nunca se vai acostumar à noite dos outros. Não é insónia, nem é espertina, é ser padeiro, de berço e de vontade.

ZdT

22 março 2011

Duas últimas

A música escolhida faz-me regressar aos idos tempos do liceu, na outra banda, antes de Abril de 74. A talhe de foice, convém esclarecer que provenho de uma família (conservadora) em que essa arte não desempenhava um papel central: não tínhamos pick-up, ouvíamos programas musicais numa telefonia manhosa e desafinada, à mistura com relatos do Belenenses, na época o clube com mais adeptos naquela zona. E que, podem crer, ganhava então uns joguinhos!

Como era, e sou, o mais velho de vários irmãos, coube-me ir desbravando vários caminhos. Um deles o musical. Eram tempos fortes de contestação e atrevimento, sobretudo naquela margem esquerda do Tejo, que não eram acompanhados pela família, pouco ou nada propensa à revolucionarite em acelerado curso. Lembro-me bem das discussões políticas sobre questões de que mal ouvira falar em casa, das livrarias em que, por detrás de uma porta escondida, se vendiam livros proibidos, dos cantores de protesto, dos discursos inflamados de alguns colegas nos intervalos das aulas…..

Essas ideologias pseudo-vanguardistas nunca me encantaram e, basicamente, prevaleceram nessa matéria os princípios familiares em que fui educado. Acho que os tempos que se seguiram me deram razão nessa escolha. Vinda dessa área, privilegio sobretudo alguma música popular portuguesa, da melhor que se fez neste cantinho do mundo, e alguns dos seus magníficos intérpretes, a que me dedicarei qualquer dia.

Também fui tomando contacto com grupos estrangeiros. Os Procol Harum foram um deles, tendo-me sido oferecido por um dos meus colegas desse tempo, hoje em dia político de renome, o single “Conquistador”, o primeiro disco a entrar no meu quarto. Passados uns tempos, chegou um pequeno gira-discos, que muito nos alegrou.

Como gosto mais de “A Salty Dog”, fiz uma pequena batota.

Espero que gostem!

fq


21 março 2011

Fórmula para o caos

Nos últimos dois dias, realizou-se o 24º congresso do CDS-PP. Parece consensual que, tanto o partido como a liderança, saíram reforçados do conclave em Viseu. É, de facto, admirável a capacidade de mobilização e coesão interna que Paulo Portas emprega nos centristas. Quando há vários anos se tem vindo a antecipar o seu falecimento, o CDS supera-se sempre e continua a deixar marca no espectro político do centro direita. Até Luís Nobre Guedes, que até à intervenção que fez no congresso se colocava como a principal voz dissonante e geradora de clivagem interna, foi capaz de protagonizar a maior surpresa da reunião magna, ao encetar um discurso de apelo à união em torno da liderança de Portas, por julgar (e bem) que, em tempo de pré-campanha eleitoral, não há lugar a divisões, e que todos se devem centrar em conquistar o maior número de votos possível, para não deixar o PSD a comandar sozinho os destinos de Portugal.

É também de saudar a frequente aposta do CDS nos seus quadros mais jovens, não se deixando cair na tacanhez de apresentar sempre os mesmos, como geralmente acontece nos partidos da Europa do Sul. Nomes como João Almeida, Assunção Cristas e Cecília Meireles formam um núcleo de alta qualidade, e perfeitamente capazes de integrar o próximo governo.

No plano internacional, a semana que passou fica irremediavelmente marcado pela resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que deliberou uma Zona de Exclusão Aérea no território líbio. É de esperar que a decisão do CS, inicialmente proposta pela França e pelo Reino Unido, não tenha saído demasiado tarde, numa altura em que as forças do regime prosseguem a sua marcha de controlo das zonas rebeldes. Apenas Bengasi, berço da revolta e grande bastião do Conselho Nacional Líbio, continua fora do alcance do exército fiel a Khadafi.

Constata-se a diferença em relação à invasão do Iraque em 2003, no que diz respeito à aceitação por parte da comunidade internacional, bem como da sociedade em geral, dado esta tratar-se de uma missão com mandato da ONU, e não uma decisão unilateral dos EUA.

Pedro Castelo Branco

20 março 2011

Domingo ……. Se Fores à Missa !

Gosto particularmente deste Evangelho. Talvez porque conheça o dito Monte e, de facto, tal como em Fátima ou em Lourdes ou noutro qualquer local de culto, sente-se um “não sei quê” que nos transporta a outras dimensões e por vezes nos leva às lágrimas. Conhecem a sensação? Lá no cimo do Monte Tabor, o coração parece querer saltar de dentro do peito; será a alta pressão, dirão alguns … será o cansaço da subida, dirão outros ….. será Cristo a fazer knock-knock dentro de mim, pergunto eu? Não sei. Também não sei se esta transfiguração, tal como descrita por Mateus, se passou assim mesmo, se houve realmente um milagre e o rosto de Cristo ficou brilhante como o sol ou se foram os apóstolos que acreditaram ter visto semelhante transformação. Para o caso pouco importa, podemos acreditar ou não, num puro acto de fé. O que me faz gostar deste evangelho são as similaridades deste encontro – Cristo «» apóstolos – com o encontro entre dois amantes. Quem já não amou ao ponto de se transfigurar, em expressão de alegria, ao olhar para o outro ? Quem já não amou ao ponto de querer que o tempo pare num determinado momento e desejar que esse momento se prolongue por toda a vida ? Não falo só do amor-paixão entre homem e mulher, mas também do amor incondicional que dedicamos aos nossos filhos, principalmente nos primeiros meses de vida em que são tão frágeis e indefesos, falo do amor universal pela natureza, do amor pela arte e pela beleza e muitos outros momentos de amor que conseguem deixar-nos em êxtase, como ficaram os apóstolos.

Este momento serve também como ponto de viragem. Serviu para os apóstolos pois, se alguma dúvida ainda tivessem sobre se Cristo era realmente filho de Deus, a voz que se ouviu do céu dissipou-as. E serve para nós pois, quando confrontados com um momento de amor assim, a nossa vida nunca mais deveria ser a mesma. O nosso ideal, a nossa busca, a nossa vida deveria centrar-se nesse caminho, no caminho do amor, o amor sublime, desinteressado, superior. Ok, não o encontramos todos os dias ! Não o encontramos, sequer, todos os anos ! Mas sabemos que ele existe, que está lá, algures, porque já o sentimos. E mesmo que não consigamos voltar a encontrá-lo, não importa, porque o mais importante é sabermos, dentro de nós, que é assim que Cristo nos ama….. desinteressadamente, individualmente, exclusivamente.

Domingo Se Fores à Missa …………. Procura o Teu Grande Amor !

Maf

EVANGELHO Mt 17, 1-9

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».


Palavra da salvação.

19 março 2011

Pensamentos impensados

Quer ver cenas picantes? Experimente pôr piripiri nos olhos.

Nem tudo o que vem à rede é peixe; às vezes é o tenista.

Devagar se vai ao longe; a divagar não se vai longe.

Um juiz pode condenar alguém a fazer voluntariado?

O Dr. Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República, devia ir aos Jogos Olímpicos como cronometrista.

Consta que se passou com um parente meu a quem um polícia disse: "é melhor o senhor acompanhar-me", ao que o meu parente retorquiu: "é melhor que quê?" O polícia terá ficado mudo.

Este episódio leva-me a perguntar: o Chefe do Estado Maior, é maior do que quê?

SdB (I)

18 março 2011

shotgun stories (mais um adeus português)

no dia em que encerrei a década
não era dia - mas noite funda -
num daqueles golpes do acaso e da semântica.

a cidade que foi nossa era agora
minha e tua, coisa bem diferente,
e tinha-se posto bonita para ti.

cervejas e cigarros,
batôn muito suave e lágrimas,
humana panóplia

e de repente
hopper
era afinal lisboeta, como nós.

lá para o final do final
lembraste a cena do filme
e perguntaste-me:

-lembras-te? os dois irmãos,
talvez dentro, talvez fora
de casa.

-lembras-te? o rapaz casadoiro
perguntando ao irmão casado
"como conseguiste, como consegues"?

-lembras-te? o mais velho respondendo:
"simples, mano.
escolhi que era ela, para o resto da vida."

foi nesse momento,
e o nevoeiro caía já (ou só dentro de mim?),
que te respondi:

-sim, lembro-me agora.
do filme, da cena, desse diálogo.
by the way: qual é a moral da história?

mas já tinhas disparado,
numa furiosa polissemia,
as caçadeiras lá de cima.

atirar assim ao coração
devia ser um desporto proibido.

(e desapareci.)

gi.

17 março 2011

Deixa-me rir...

Caros audiophiles, after lots of recent nostalgia it is time to propose a relatively new performer, the English singer/songwriter Adele.
First appearing in 2008, aged 19, with an album 19, she was championed by critics and by the public. An antidote to reality tv pop. Her voice was compared to Duffy. Although she did not have Duffy's marketable pop look, both had immediate success. To me, Duffy has the voice of a strangled cat, and "mercy"-fully her success has recently proved ephemeral.
Adele has a richer more soulful voice, with more personality. Less hardcore and vivacious than Amy Whitehouse. And truthfully, her lyrics, so far, do not have Amy W's painfully raw honesty and wicked sense of humour. Adele does not try to be a "pop"-star. It is all about the music. It is her down-to-earth charm and her powerful voice that appeals. She reminds me of Alison Moyet from the 1980s.
Now Adele, aged 21, has released her second CD 21, and suddenly the slow burn of her popularity has ignited, exploded. Currently number 1 in the USA and UK, and many other countries, she is everywhere, riding the crest of a wave. She deserves her success.

make you feel my love

rolling in the deep


someone like you

A proxima.
PO

16 março 2011

3040 km

Faço aqui um pequeno relato da segunda parte da viagem à Argentina. Confesso que este é o segundo rascunho que escrevo. No primeiro, que ficou a meio, fazia uma descrição pormenorizada de todos os locais dignos de referência por onde passei. Chegado a meio apercebi-me de que o texto que estava a escrever era uma espécie de livro de viagem, mas em versão de qualidade mais duvidosa. Decidi, por isso, adoptar uma perspectiva diferente. Aqui vai...

Não posso dizer que a segunda parte da viagem tenha sido à Patagónia profunda e inacessível. Passei só pelos pontos obrigatórios e mais turísticos. Pode fazer-se a viagem que fiz, atravessar a Patagónia de cima a baixo, num dia só (para que serve o avião?), em meia-dúzia deles, num mês, num ano ou numa vida. Qualquer que seja o tempo que se gasta, há sempre qualquer coisa para ver, mais algum caminho para seguir. No meu caso tinha só dez dias e, apesar de parecer pouco tendo em conta a extensão total da viagem, chegou para ver paisagens de postal e para conhecer pessoas que só existem em filmes.

Durante o caminho conheci gente que estava em viagem há seis meses, com outros seis em perspectiva. Tive um guia que, debaixo de um sol de 37º, vestia uma camisola e um blusão de penas, tinha uma barba com um ecosistema próprio, e dizia dos animais da reserva que 'the meat is very good, very white, very lean'. Fiz oito quilómetros a pé num parque para ir acampar num sítio que não tinha nada, só uma retrete partilhada por 120 pessoas. Acordei às 4:50 da manhã para 'trepar' até uma altitude de 500 m, no meio de uma escuridão absoluta, iluminado só por uma lanterna de porta-chaves, tudo isto para ver o nascer do sol.

Fui randomly selected na fronteira com o Chile para ir a uma sala responder a perguntas sobre droga, e suspeito que foi só porque o guarda embirrou comigo porque fiz uma festa ao seu cão. Passeei numa ilha com mais de 1500 pinguins. Vi os Andes à minha frente e assisti a um pôr-do-sol em que o mar parecia estar a arder. Percebi que um deserto não tem de ser só de areia, e não é só nas Arábias.

Fiz mais de 3000 km de autocarro, num total de mais de 60 horas. Estive no ponto mais a Sul do planeta, do outro lado da estrada só a Antártida. Cheguei, literalmente, ao fim do mundo.

SdB(III)

15 março 2011

Duas últimas

Acredito que todos nós temos gostos exclusivos. Com a nossa vontade muitas vezes ditada pelas modas e convenções sociais que nos impedem de comprar determinado carro, de viver em determinado bairro e que nos impelem a ler determinado livro e a ir jantar a determinado restaurante, é quase libertador gostarmos verdadeiramente de algo que mais ninguém conhece e de que gostamos porque sim. Não é chic, não nos faz pertencer a nenhum grupo selecto e não suscita nenhum julgamento social. E para além disso é só nosso.

Vem este relambório a propósito da música que eu resolvi postar hoje. É uma ária da ópera "Carmina Burana" chamada "In Trutina" cantada pela soprano Sylvia Greenberg.

Durante anos achei que mais ninguém conhecia esta ária. Não havia coro em Portugal que não cantasse a abertura e encerramento da "Carmina Burana", mas a "In Trutina", pensava eu, mantinha-se recatada para meu disfrute exclusivo.

Qual não é pois o meu espanto desagradado quando, ao pesquisar agora no YouTube, me dei conta que a "In Trutina" é afinal uma galdéria e que não há boca por que não tenha andado. Desde a Barbra Streisand até à menina que ganhou o concurso de talentos do Dakota do Norte, passando por todas as sopranos, até as mais obscuras, toda a gente já cantou a "In Trutina". A melodia continua a ser uma das coisas mais bonitas que conheço, mas a pureza, que decorria da noção de exclusividade, essa perdeu-se para sempre.

Só uma observação final sobre a letra da "In Trutina". O dilema da personagem é entre entregar-se amorosamente ou não. No fim entrega-se e nós ficamos muito contentes. Eu pelo menos fico.

JdC

14 março 2011

Vai um gin do Peter’s ?

Um filme coreano, aclamado em Cannes (em vez de Hollywood) e que em Lisboa só passa nas salas alternativas do King estará irremediavelmente votado a ficar-se por um circuito comercial reduzido? É bem possível, mas ainda assim vale um gin para ser minimamente explorado, até mesmo por quem não se sinta inclinado a vê-lo.

O título é tão sugestivo quanto arrojado — «POESIA»(1). O argumento galardoado em Cannes corresponde-lhe inteiramente, escrito pelo próprio realizador Lee Chang-dong, que assim acumulou várias tarefas difíceis. A partir dos anos 90 e depois de notável sucesso editorial, Chang-dong decidiu assumir o comando da câmara, porque: «enquanto escritor senti, a dada altura, os limites da escrita.» – um elogio rasgado à Sétima Arte. De 2003 a 2004 ocupou o cargo de Ministro da Cultura da Coreia do Sul, apoiando a produção do cinema nacional.

Tapis rouge em Cannes para o “neto”, a “avó” e o realizador

A narrativa de POESIA flui airosamente pelo fio da navalha, com a suavidade silenciosa dos orientais. Não há sequer banda sonora. A protagonista – esplendidamente encarnada pela actriz sénior, Yun Jeong-hie (reformada do cinema há mais de uma década e radicada em França) – equilibra-se na perfeição num mundo batido por forças contrárias, qual bailarina a deslizar no arame.

O professor ensinara-lhe que o primeiro desafio do poeta é aprender a ver.

Sobre o segredo do ponto de equilíbrio conquistado: embora o título faça uma sugestão directa, não há arte que valha à fealdade destrutiva do mal à solta, como ficou claro nas infindáveis autópsias filosóficas ao regime nazi, depois da derrota do Reich. Não há poema capaz de conter lágrimas de dor! Apenas chora com os choram. Menos ainda de reverter a morte em vida, como o provam as vítimas de qualquer Campo de Extermínio, artistas incluídos.

O que ressalta na magna figura da avó, apanhada num furacão de problemas insolúveis, é a lealdade com a vida, i.e., a busca incessante do verdadeiro, sem se esquivar ao sofrimento, com a frescura de uma adolescente. Cada passo seu procurava uma máxima profundidade no viver, uma maior compreensão do significado íntimo de cada momento, de cada gesto — seu e dos outros. Curiosamente, esta perspectiva de consciência mais funda do real aproximava-a dos demais por despertar nela uma empatia solidária, que depois a levava a uma atitude bem diferenciada da maioria (na mera sobrevivência).

As causas próximas para justificar o que nela tomaria o aspecto de um certo alheamento quase excêntrico da realidade, variavam entre a provecta idade e os efeitos do curso de poesia em que acabara de se inscrever. Mas a enorme delicadeza da personalidade da avó (de um neto bastante desgovernado) evidencia bem que tudo nela jogava a favor: desde a sabedoria adquirida ao longo dos anos, ao olhar aguçado pela busca de inspiração poética no dia-a-dia. Uma inspiração que pensava só poder encontrar no Belo puro, cada vez mais estranho à sua circunstância. Como iria, então, conseguir compor umas linhas?

Tão perto, tão longe.

A querida avó, que parecia só acumular desgostos, inclusive pela incapacidade de poetar, revela-se – ela própria – uma extraordinária composição poética, sulcada em carne e osso, numa existência que se tornou um hino de dádiva aos outros. Até ao limite e com um par de gestos que talvez destoem da mentalidade europeia, lembrando as metáforas extremadas (e atípicas) de Lars von Trier. Deste poema, que ela teve a valentia e a simplicidade de encarnar, renasceu vida nova, numa solução cinematográfica de matriz oriental, que cumpre à risca a fórmula do Evangelho, cujo sentido é sobejamente reiterado pela protagonista: se o grão de trigo morrer, dará muito fruto.

São deliciosos alguns encontros e desencontros da avó com os outros. Sempre autêntica. Assim, perante a mãe desnorteada com a perda da filha, o olhar atento de sintonia, de consolo, a fixá-la na memória, como fazemos com aqueles a quem desejamos bem.

Perante o pragmatismo cínico e algo manipulativo dos pais a gerir a crise dos filhos (neto incluído) para fugirem à justiça, o confronto honesto com o seu fracasso enquanto educadora e um empenho incrivelmente frontal para repor o mal cometido, sem qualquer assomo castigador. Nela, justiça e misericórdia interceptam-se, com a limpidez muito una com que brotam da mesma Fonte em conjunto!

Perante o professor de poesia que lhes ensinava um novo olhar para enxergar o mundo, a humildade para insistir nas perguntas elementares e para cumprir os deveres de principiante aplicada, arriscando escrever sem inspiração. Aliás, foi a única a apresentar o TPC do fim de curso.

Apostou na poesia para redescobrir a beleza de um dia-a-dia baço.

Perante a brejeirice das quadras declamadas pelo polícia do Clube de Poetas local, a interpelação suave a pedir beleza nos poemas e, mais tarde, a coragem a recorrer à assistência da autoridade para suprir o que falhara na educação do neto.

Perante o impacto tão feliz das suas palavras junto de uma pobre camponesa, a verticalidade e a generosidade para se abster de explorar a seu favor um diálogo bem lançado e cujo desfecho a poderia isentar de uma pesada dívida.

Na sua história, em especial naquele annus horribilis, a tentativa de descoberta do âmago da vida ecoou em gestos de despojamento ousado, de bondade exigente, de abertura humilde – no fundo, desdobramentos naturais do próprio mistério da Verdade. Ou melhor, da beleza da Verdade, que inspirou à avó o seu primeiro poema, partindo de um dia-a-dia desfalcado de Belo.

No final, respondeu com a vida à célebre pergunta sobre o significado da existência – a inquietação que interpela o ser humano desde o princípio dos tempos e que os grandes homens associam à questão da Verdade, como assume de forma cristalina a espantosa auto-biografia de Gandhi: «The story of my experiments with Truth».

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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(1) FICHA TÉCNICA

Título original: SHI

Título traduzido em Portugal: POESIA

Realização: Lee Chang-dong

Argumento: Lee Chang-dong

Produtor: Lee Chang-dong

Produção: Pine House Film

Duração: 137 min.

Ano: 2010
País: Coreia do Sul /França

Elenco
Yun Jeong-hie (avó Mi Ja)

Lee Da-wit (neto)

Ahn Nae-sang (pai de colega do neto)

Kim Hira

Site official (em França) - http:// diaphana.fr/film/poetry

Premiado em Cannes, Toronto e Nova Iorque.

Nas palavras do realizador: «Quando conheci (a actriz), achei que ela tinha o tipo de persona luminosa de que eu necessitava. A personagem é muito interiorizada… sem a actriz certa, não funcionaria

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