No final de 2006, início de 2007 a minha vida social, por motivos vários, sofreu alterações. Acabei por conhecer pessoas de cuja existência sabia mas com quem raramente me encontrava, embora frequentassem sítios por onde eu também circulava. Com uma tentacularidade agradável, essas pessoas apresentaram-me outras pessoas, porque cada um de nós tem a sua rede de amigos. Alguma desta gente, a quem me ligavam princípios básicos comuns, tinham opções de vida diferentes, ou tinham percorridos caminhos que eu jamais percorreria. Apesar das diferenças, ou por causa delas, fiz, nesse tempo, amizades para a vida, umas mais militadas do que outras.
De uma forma explícita ou implícita, mais ou menos veemente, algumas destas pessoas deram a entender que eu vinha de um mundo formatado, quadrado, preconceituoso, com um espírito pouco livre e pouco indulgente, onde abundavam as vidas tristes disfarçadas por camadas fracas de verniz alegre. Nunca aderi demasiadamente a esta teoria, embora soubesse que no meu mundo, que era praticamente o único que eu conhecia, também havia disso... Mas, de facto, parecia-me ter encontrado ali, naquela nova realidade, uma tolerância e uma liberdade que me eram aprazíveis - talvez mesmo fundamentais.
Embora nos últimos três ou quatro anos tivesse conhecido outro grupo diferente de pessoas, de alguma forma regressei ao meu mundo. Isto é, a minha rede social aumentou, na sua maioria, por via de pessoas com percursos de vida semelhantes aos meus - ou com um conjunto de opções muito semelhantes às minhas. Passe o raciocínio pateta, porque nunca saí de nenhum dos meus círculos, fiz um ciclo completo. Quais as conclusões que tiro? Conclusões simples, que fariam a alegria esfuziante do senhor de La Palice: de facto, não passei por nenhum banho salvífico em 2006/2007 que me tenha lavado da sujidade arrogante de um mundo quadrado. Passei, isso sim, por um banho de diferença, e sempre que passamos por uma situação idêntica abre-se em nós a possibilidade de uma maior tolerância.
As pessoas que são diferentes (o que quer que signifique ser diferente) nem sempre são menos preconceituosas. Por vezes limitam-se a não ter preconceitos contra os iguais (porque ninguém terá), mas contra os diferentes, que nesse caso somos nós. A tolerância não é uma prerrogativa de quem seguiu caminhos menos trilhados, se revoltou contra normas instituídas. A tolerância é, repito, uma possibilidade dentro de cada um de nós - dos quadrados, dos rebeldes, dos conservadores, dos que procuram a vida na beira do precipício, dos que seguem as regras da tribo onde se inserem. E essa tolerância encontrei-a democraticamente nos vários círculos de pessoas por onde deambulei.
Um livro que li há muitos anos abre com esta frase: nascemos na posse de muitas qualidades; algumas ignoramos possuir. Tudo depende da viagem que Deus nos oferece. A vida é um mistério. Há gente que passa por muito e não aprende nada, enquanto outros, com vidas fagueiras, são poços de sensibilidade. Há gente que no remanso de uma aldeia serrana, isolada do mundo, inventa outro mundo a partir do nada. Outros, por mais países que conheçam, serão sempre e só um catálogo de informações turísticas, porque se sentam nas praças e só olham, não vêem.
JdB
5 comentários:
Belissima reflexão.
Sem dúvida, há quem nunca tenha saído da sua aldeia e tenha dado a volta o mundo e quem tenha dado a volta ao mundo sem nunca sair da aldeia...
Abr
fq
Gosto muito de o ler, JdB. Há muito que não passava por cá mas hoje, especialmente hoje, fez-me bem à alma.
Bem haja
ahniziv
Interessante, João! Associava a tolerância a uma grande experiência de vida, mas, vendo bem, talvez não. A experiência de vida talvez esteja mais ligada à capacidade de relativizar. E a tolerância será, como diz o João, uma questão de predisposição pessoal. Um pouco como é o optimismo...
Obrigada João por continuar a a 'provocar-me' e a levar-me mais longe.
Beijinhos desinstalados
Obrigada João por continuar a a 'provocar-me' e a levar-me mais longe.
Beijinhos desinstalados
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