20 fevereiro 2013

Moleskine

Almoço. Ontem foi dia de almoçar com um rapaz da minha idade a quem me liga uma amizade com quase 37 anos. Para além da antiguidade, já de si um posto, é uma amizade partilhada. Durante pouco mais de uma hora, sem regularidade marcada, sentamo-nos e conversamos sobre tudo, na maior parte das vezes com sintonia de posições, passe os trajectos de vida diferentes mas assentes nos mesmos princípios. Dos quatro amigos que em 1978, talvez, se juntaram durante mais de um ano para jogar King, a amizade militada permaneceu em três (um dos quais meu companheiro de almoço). Tenho pena que os nossos serões de jogo muito fumado não fossem vistos por alguém mais velho e conhecedor da alma humana, porque, como disse uma vez, o que éramos à mesa tornámo-nos na vida: uns a arriscarem muito pouco, sempre na demanda da segurança, outros a porem no risco e no precipício uma espécie de salvação da sua alma, outros a conseguirem tudo na mesma noite, num equilíbrio de invejar. Hoje, passados 35 anos, somos um retrato fiel da forma como jogávamos naquelas imensas sextas-feiras, até alta madrugada. Diz-me como jogas dir-te-ei quem és?

Feitios. Sou daqueles que acredita que um optimista é um pessimista mal informado. Por convicção e fatalidade - porque ambas podem coexistir na nossa mente - penso (quase) sempre que as coisas poderão correr mal, pelo que é preciso pensar-se muito, trabalhar-se muito, planear-se muito. Em suma: posso ser um grande maçador. Não obstante, há alturas em que me revejo no Shakespeare In Love. Nesse filme, há um personagem (produtor? dono de teatro?) que é confrontado com uma série de problemas quase irresolúveis. Perante a angústia dos interlocutores, acha que há-de haver uma solução. À pergunta mas como? O quê?, responde sempre da mesma forma: I don't know. It's a mistery. Talvez eu seja isso, volta e meia. Muito volta e meia, eventualmente. Talvez eu seja um pessimista com confiança, o que se pode afigurar uma incoerência. Mas a vida tem-me provado isso: no meio de uma adversidade qualquer - ou de uma série de adversidades - há um momento em que tudo parece resolver-se, e os nós que nos bloqueiam as sinapses soltam-se como que por intervenção divina. Ou talvez seja mesmo, sei lá eu...

Penas. O mundo não é, seguramente, justo. Não falo nas desgraças que se abatem sobre povos, famílias ou pessoas, mas de algo mais comezinho: o mundo não é justo, porque a nossa capacidade de pedagogos sapientes esbarra, tantas e tantas vezes, num muro demasiado jovem. Por motivos vários, vou seguindo de perto a vida de pessoas que estão entre os 22 e os 32 anos. (Re)começos de vidas conjugais, princípios de carreira profissional, namoros e universidades. No outro dia alguém me dizia, relativamente a um aspecto potencialmente menos positivo: herdámos esta característica de... Seis meses antes, outro alguém me referia, com uma grande lucidez, de quem herdara o que lhe parecia negativo no seu próprio feitio. A um e ao outro alguém apetece gritar: então corrijam, então corrijam... De facto, já cá andamos há tanto tempo que sabemos o que vai complicar existências que poderiam ser pacíficas, pormenores que serão grãos de areia numa engrenagem que é forçosamente frágil. Mas nem sempre nos ouvem. E a injustiça do mundo é que nós sabemos do que falamos. Não sei se me faço entender...

JdB 

3 comentários:

LA disse...

JdB poderia fazer um post astro sobre cada um dos teus paragrafos... e possivelmente assim acontecera'.

Anónimo disse...

Meu caro,
Acho que estás a ser demasiado sinóptico e/ou benévolo nalgumas análises....
De resto, o Moleskine é (sempre) um must deste blogue.
Abr
fq

arit netoj disse...

Muito Bom! Das penas aos feitios até ao que nos marca. É muito assim, tal como você tão bem descreve.

Hoje ao ler esta frase, lembrei-me de discussões antigas:

"Há uma estrada que liga os olhos ao coração e que não passa pela inteligência. Ninguém discute o significado do pôr-do-sol."
G. K. Chesterton

Beijinhos

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